Ventura, uma pequena história de um grande mentiroso compulsivo
Carmo Afonso Advogada
André Ventura sabe que cruzou uma nova linha vermelha quando difundiu notícias falsas usando o grafismo do jornal PÚBLICO e da Rádio Renascença. Houve uma queixa na ERC e está a correr um processo de inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal. Os órgãos de comunicação social em questão manifestaram publicamente o seu repúdio perante a conduta de André Ventura e os portugueses, de um modo geral, demonstraram entender que não se tratava apenas de mais uma mentira. O caso foi grave.
Aguardava-se, por isso, uma explicação de Ventura para o facto de ter usado grafismos de órgãos de comunicação social, que gozam de credibilidade, para difundir notícias que não existiam. Foi numa entrevista à SIC Notícias, esta semana, que o líder do Chega se justificou.
Disse que “o Chega agora tem um grafismo diferente que se confunde com a Renascença”, referindo-se ao pasquim do partido, ou seja, ao site designado Folha Nacional. Sobre este site afirmou que “tem três secções: uma é verde, outra é azul e outra é vermelha. É uma questão de cores”. Mas tudo isto é mentira: o grafismo do Folha Nacional não é minimamente confundível com o da “Renascença” e apenas utiliza a cor verde. Qualquer pessoa pode confirmar isto consultando o referido site.
Por outro lado, afirmou que a notícia que difundiu não era falsa. Recordo os leitores que Ventura difundiu uma notícia com o título “Milhares de pessoas de África e Médio Oriente utilizaram a JMJ para imigrar para Portugal e outros países da Europa” datada de 6 de agosto. Mas a notícia não existia, ou seja, não tinha sido partilhada por qualquer órgão de comunicação social ou tão-pouco pelo próprio Folha Nacional. Foi uma pura invenção. Era absolutamente falsa.
Na entrevista, Ventura ainda se defendeu com a notícia que o Expresso publicou no passado fim de semana e que aludia a milhares de peregrinos que não tinham regressado aos países de origem. Foi uma notícia infeliz e não fundamentada, mas, para o que interessa aqui, ela não altera em nada o facto de Ventura ter partilhado uma notícia absolutamente inventada. A notícia do Expresso, ou qualquer outra que venha a ser publicada, não transformará uma mentira numa verdade. O Expresso ainda não faz alquimia.
O líder do Chega justificou mentiras utilizando mais mentiras e fê-lo em horário nobre num canal de televisão de grande audiência. Todas as mentiras que disse são facilmente verificáveis por quem quiser dedicar-se ao tema. Foi o que fez o Polígrafo e, pela enésima vez, concluiu que Ventura mentiu.
André Ventura mente compulsivamente e o seu caso parece merecer atenção clínica. Apresenta um comportamento que vem descrito nos manuais de psiquiatria. Não só mente compulsivamente, como conta as mentiras posicionando-se como herói ou vítima. É tal e qual. Há o herói — incansável no propósito de mudar Portugal; e a vítima — de perseguição como não se via desde o 25 de abril e, imagine-se, a maior vítima de fake news do país. Este tipo de mentiroso é chamado “mitómano” e a sua patologia configura um sintoma de perturbação. São situações de difícil tratamento, uma vez que os próprios não admitem o problema.
A alternativa é André Ventura não ter um pingo de carácter e, sem condição clínica que por si abone, ser capaz de enganar as pessoas maciçamente e na exata medida do que for preciso para alcançar os seus objetivos. Falo de um oportunista sem escrúpulos.
Venha o Diabo e escolha. Certo é que não é normal encontrar numa pessoa este vício, e esta habilidade, de mentir como se estivesse a dizer a verdade e como se não fosse possível ser apanhado. Um vendedor com estas características é um perigo para a comunidade. Mas o que dizer de um político?
Os líderes de extrema-direita por essa Europa fora também são pessoas dispostas a fomentar o ódio racial e a xenofobia e a retirar vantagens e benefícios, neste caso votos, desse ódio e desse medo. A nós, portugueses, tinha de nos calhar um líder com um extra. Foi uma espécie de bónus. Não bastava ser mau, tinha de ser péssimo.
A gravidade de André Ventura ter persistido em mentir num tema que gerou alarme na opinião pública é proporcional ao seu descaramento. Estamos perante um total desrespeito pelos portugueses e uma tentativa de nos tomar por parvos. Às vezes somos, mas com outras parvoíces — esta é imperdoável.
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2023-08-25T07:00:00.0000000Z
2023-08-25T07:00:00.0000000Z
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