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No PSD não há moderação, há desnorte

Carmo Afonso Advogada

Falava-vos, na última crónica, da obsessão no PSD por afirmar-se como partido moderado. Essa reivindicação faz parte dos discursos das grandes figuras do partido, com destaque para Luís Montenegro e Carlos Moedas. Moedas chegou a apelar ao ativismo moderado, seja lá isso o que for. Ao mesmo tempo assistimos à radicalização do partido através da aproximação do seu discurso ao da extrema-direita, da convivência natural com o anarco-capitalismo da IL e através de algumas posições que, ainda há pouco tempo, estranharíamos em dirigentes do PSD. Falo, por exemplo, da acusação de gonçalvismo a Pedro Nuno Santos e do chamamento à polarização.

A bota deixou de bater com a perdigota.

Mas reparem que não começou aqui este fenómeno de classificar as forças políticas com epítetos que pouco nos dizem sobre a sua substância.

Com o crescimento da extrema-direita e a previsão de que sem essa força política a direita não chegaria ao poder, verificámos uma estratégia, por parte do PSD, de estender a classificação de extremistas às forças políticas de esquerda. Estabeleceu-se uma igualdade e um paralelismo, puramente inventados, entre o Chega, à direita, e Bloco e PCP à esquerda. Compararam-se propostas de conteúdo racista e xenófobo com propostas de combate às desigualdades sociais e atribuiu-se-lhes a mesma gravidade. Sem exceção, todos os partidos de direita alinharam nessa narrativa e habituámo-nos a ouvir chamar ao Bloco e ao PCP extrema-esquerda. O objetivo era claro: legitimar um possível entendimento à direita que viesse a integrar o Chega e banalizar a existência de um partido racista e xenófobo no sistema democrático. E a lógica é simples e foi verbalizada: se o PS pôde associar-se à extrema-esquerda, também o PSD pode fazê-lo com a extrema-direita. Chegámos a ouvir a acusação de que foi o PS que abriu a porta às forças extremistas no arco da governação.

A narrativa pegou. Está normalizado na comunicação política que existe uma extrema-esquerda em Portugal com representação parlamentar e que essas forças políticas são tão antidemocráticas como o Chega.

Os partidos mais à esquerda passaram a ter de se defender de uma acusação de extremismo, que não lhes assenta. Mas não foi só isso. O próprio PS, que de socialista tem o nome, passou a ser chamado socialista a sério e a direita decretou que erradicaria o socialismo do país. O PSD faz parte deste delírio e este fim de semana Luís Montenegro ainda o agudizou.

Mas desengane-se quem acha que o fenómeno é simples e que o PSD está unicamente a radicalizar-se à direita. Não é bem assim.

O Governo de António Costa seguiu algumas políticas que eram tipicamente do centro-direita, como a apologia das “contas certas.” Os salários não subiram de forma proporcional ao aumento do custo de vida e o Governo manteve-se estoico a honrar os compromissos da dívida pública. Isto significa que o PSD ficou politicamente neutralizado. As propostas que o PSD naturalmente apresentaria já foram concretizadas pelo PS. Garanto-vos que não faço esta afirmação a título de elogio.

Tendo esta dificuldade em apresentar-se como alternativa ao PS, e perante a ameaça da perda de eleitorado para a extrema-direita, o caso do PSD é verdadeiramente fascinante. Por um lado, está cada vez mais radicalizado à direita, mas, ao mesmo tempo, faz promessas dignas de um partido de esquerda. Ouvimos todos falar no descongelamento da carreira dos professores e no aumento das pensões para o valor do salário mínimo. São exemplos.

A moderação do PSD parece assentar numa média que se pode estabelecer entre a radicalização do partido à direita e a apresentação de propostas tipicamente de esquerda. Mas isto não é moderação, é desnorte. O desespero pelo poder não é bom conselheiro.

Soubemos, entretanto, das previsões da sondagem da Universidade Católica para este jornal e para a RTP. Os partidos moderados afundam, cresce o extremismo. O extremismo verdadeiro; o da direita. O PSD protegeu-o, normalizando a sua presença na vida política, e agora corre o risco de ser engolido por ele. Sem moderação.

O caso do PSD é fascinante. Por um lado, está cada vez mais radicalizado à direita, mas, ao mesmo tempo, faz promessas dignas de um partido de esquerda

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2023-11-29T08:00:00.0000000Z

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