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Dino D’Santiago, um episódio preto no branco

Carmo Afonso Advogada

Dino D’Santiago tentou apanhar um táxi que o levasse à Amadora. Filmou o que lhe aconteceu. Um taxista que estava na praça do Rossio, à espera de cliente, recusou-se a levá-lo, alegando que tinha um serviço combinado para dali a dez minutos no Cais do Sodré. À pergunta de Dino, porque estava na praça de táxis, respondeu de fugida que aguardava que alguém fosse para lá.

Ora bem, um taxista está na praça de táxis do Rossio e aguarda que chegue um cliente que queira ir para o Cais do Sodré, que era para onde lhe dava jeito ir. Aparece um cliente que, em vez de querer ir para o Cais do Sodré, queria ir para a Amadora e o taxista, claro, recusou e apresentou as suas razões.

Há quem tenha julgado como normais as explicações do taxista e quem considere que Dino

D’Santiago se vitimizou e que não deveria ter filmado o taxista e divulgado o vídeo. Também houve quem dissesse que não foi racismo o que estava ali em causa, mas sim gestão do tempo e respeito pelo horário de um trabalhador, o taxista.

Já escrevi algumas vezes sobre taxistas e foi sempre para os defender na sua qualidade de trabalhadores e enquanto classe profissional. O caso mais grave de desrespeito pelos taxistas foi a entrada, desregulada, da Uber no mercado e, aí, foram poucos os que defenderam os taxistas na desastrosa luta que travaram pelos seus direitos. Foi desastrosa, mas era justa. No caso que os opunha à Uber, os taxistas estiveram cobertos de razão.

Aqui o caso é outro.

Em primeiro lugar, a lei. Diz a lei que regula esta atividade que os taxistas apenas podem recusar serviços que impliquem a circulação em estradas de difícil acesso ou em locais que ofereçam perigo. Também poderão recusar serviços a pessoas com comportamento suspeito de perigosidade. Estas são as duas situações em que o taxista em causa poderia ter recusado aquele serviço a Dino D’Santiago.

A inconveniência face a outros serviços já combinados não figura como exceção atendível. E, já agora, Dino D’Santiago não chamou um táxi que circulava na estrada, tentou simplesmente apanhar um que se mostrava disponível para o efeito ao estar numa praça de táxis. O primeiro ponto assente deste episódio é que o comportamento do taxista, ainda que fossem verdadeiras as suas justificações, é ilegal.

Sucede que Dino D’Santiago, e cada um de nós, tem o direito, mas sobretudo o dever, de desconfiar das razões apresentadas pelo taxista. Não cabe na cabeça de ninguém que alguém esteja numa praça de táxis na fezada de que lhe calhará um serviço para o exato sítio que pretende e onde tem de estar dali a dez minutos. Se era assim, e conhecendo a lei que regulamenta a sua atividade, seria melhor ter-se dirigido para o Cais do Sodré, não?

O que aconteceu ao taxista foi exatamente as duas exceções previstas na lei. Bastaria uma, mas apostaria que se verificaram as duas. O homem achou que a Amadora era um destino perigoso para circular e achou que Dino, racializado, também poderia ser perigoso. O taxista teve medo e foi por isso que recusou o serviço.

A questão a que não podemos fugir é se o medo do taxista é atendível e, já agora, se merece proteção legal. E a resposta é um gritante e impaciente “não”. O que se passou naquela noite é racismo e querer negar isso é tapar o sol com a peneira ou, pior, compactuar com a continuidade de um problema que fere de morte a sociedade portuguesa.

Dino D’Santiago não aparenta ser perigoso e certamente não teve um comportamento que indiciasse perigosidade. Verdade seja dita: Dino D’Santiago tem uma aparência quase celestial, considerando a sua expressão fisionómica, o seu olhar e até a forma como se veste e se apresenta. Resta só ali aquele detalhe de não ser branco. Esse detalhe mais o factor Amadora (a cidade mais injustiçada deste país) resultam numa combinação que, para muitos portugueses, se afigura como perigosa. Enquanto não encararmos os factos, seremos incapazes de os resolver. Isto é gravíssimo.

Dino D’Santiago fez um vídeo, mas avisou o taxista de que o estava a fazer e, repare-se, este não lhe pediu que não o filmasse e tão-pouco lhe pediu para o apagar. Sobretudo, qual seria a forma que Dino D’Santiago tinha para denunciar a situação de que foi vítima sem ser a de filmar? Não se diga que bastaria relatar os factos. É que, a avaliar pelos comentários ao vídeo, isso não é sério.

Dino D’Santiago fez bem. Lamento que tenha passado por aquilo e lamento também que tenha passado pelo que se passou a seguir: foi alvo de ódio e de descredibilização. Nada de novo, como sabemos, no país dos brancos costumes. Mas o que mais lamento é que Dino D’Santiago não tenha pedido ao taxista para o levar então ao Cais do Sodré.

Pois é.

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2022-11-28T08:00:00.0000000Z

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