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Tratamento preventivo para VIH estará disponível fora dos hospitais

Alargamento do acesso à medicação preventiva do VIH tinha sido anunciada há um ano pelo Ministério da Saúde, mas vai agora avançar definitivamente

Tiago Ramalho

O acesso à profilaxia pré-exposição (Prep), um comprimido que previne a transmissão do vírus da imunodeficiência humana (VIH), fora dos hospitais será possível a partir do próximo ano. A disponibilização deste medicamento de toma diária ou intermitente para a prevenção da infecção pelo VIH estava dependente de uma consulta em hospital, mas ficará agora disponível noutros contextos, como as consultas com médicos de família em centros de saúde ou organizações comunitárias. A portaria será publicada em Diário da República nos próximos dias. “Queremos que no primeiro trimestre do próximo ano [esta medida] esteja implementada”, confirmou a secretário de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares.

O alargamento do acesso à Prep (sigla em inglês de pre-exposure prophylaxis) é fulcral para melhorar os indicadores desta infecção em Portugal, garantem os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO. “Temos de trazer estas actividades preventivas, nomeadamente a Prep, para a comunidade, para os cuidados primários e até para os cuidados fornecidos na comunidade por organizações não governamentais”, defende Henrique Barros, antigo coordenador do programa nacional do VIH/Sida e que até ao ano passado presidiu ao Conselho Nacional de Saúde. “Imagine que uma pessoa com pressão arterial alta só tinha acesso aos tratamentos no hospital… Não estamos a falar de algo tão frequente [no caso do VIH], mas é uma infecção muito relevante em sofrimento pessoal e custos para a sociedade em termos humanos e económicos.”

Actualizada em 2018, a actual norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que orienta os casos de infecção por VIH indica que as pessoas com risco acrescido de infecção “devem ser referenciadas a consulta de especialidade hospitalar” — esta norma está também na fase final da sua revisão. Nesta norma será ainda ser antecipada a idade de toma da Prep para a adolescência. A intenção de expandir o acesso a medidas de prevenção, rastreio ou diagnóstico do VIH não é nova. Este propósito constava do Orçamento do Estado para 2023 e também está presente no Orçamento para 2024. Irá agora, antes do Governo de António Costa sair de cena, ser posta em prática.

A toma da Prep, para prevenir a infecção pelo VIH, implica uma consulta no hospital a cada três meses para fazer análises e levantar a medicação. “O facto de ter de ir ao hospital com frequência, por vezes até maior do que quem tem VIH e está estabilizado, mexe com a vida das pessoas”, faz notar Daniel Simões, investigador em saúde pública e membro do Grupo Activistas em Tratamento (GAT), uma organização não governamental que detém uma clínica em Lisboa para rastreio gratuito de VIH — e que poderá beneficiar desta alteração. Desde 2018 que a Prep está disponível em Portugal, através de consulta hospitalar, para pessoas com maior risco de infecção — desde utilizadores de drogas injectáveis a pessoas com parceiros sexuais com VIH.

Mesmo a distribuição de medicação anti-retroviral (ou seja, profilaxia pós-exposição), que permite pôr um travão à transmissão de pessoas infectadas com VIH, pode ser descentralizada, diz Daniel Simões. “Há várias medidas que se podem implementar sem necessariamente colocar pessoal não médico e não farmacêutico a lidar com os fármacos. Podem implicar envio por correio, como na Escócia, por exemplo. A distribuição fora dos hospitais é possível e facilitaria o acesso a muitas pessoas”, diz, sublinhando que o sistema de saúde português continua a dar resposta neste âmbito. A simplificação e facilitação deste processo beneficiaria sobretudo a aproximação das pessoas ao tratamento e, consequentemente, poderia reduzir a população que suspende o tratamento — e, portanto, continua a transmitir a infecção.

A portaria que será publicada diz respeito apenas à Prep, embora Margarida Tavares confie que a medicação anti-retroviral também sairá do âmbito exclusivamente hospitalar. “Será um movimento natural que haja progressivamente alguma passagem para os cuidados de saúde pri

2024 é o ano em que a medida entra em vigor, com a Prep disponível nos cuidados primários e em organizações comunitárias

mários do tratamento e acompanhamento de quem vive com VIH”, diz.

“O grande problema do VIH neste momento é que não temos uma terapêutica que cure, nem uma vacina que previna. Só temos uma forma de actuação: identificar os casos e pôr em tratamento para, suprimindo [a carga viral], cortar a cadeia de transmissão. Ou, por outro lado, dar oportunidade às pessoas de fazer a profilaxia pré-exposição ou pós-exposição”, refere o antigo coordenador nacioanl do programa do HIV/Sida.

Tirar os limites de idade

Para Henrique Barros há outra norma que precisa de revisão. “É ridículo que ainda haja uma norma que diz só se deve propor teste a quem tem mais de 18 anos e menos de 64 anos”, diz. A norma da DGS em causa é mais antiga, já de 2014, e põe as barreiras temporais para a actividade sexual – mas que não correspondem à realidade. “Sabemos que se queremos ir para o zero temos de identificar as infecções o mais rapidamente possível. As idades extremas estão a ser onde há maior crescimento dos diagnósticos”, acrescenta Henrique Barros.

A mesma norma pede que o rastreio seja feito a todos os indivíduos entre estas idades — algo que corresponde a cerca de seis milhões de pessoas em Portugal. “Não parece muito exequível. Temos uma epidemia concentrada, embora haja um número crescente de novos diagnósticos em homens heterossexuais mais velhos”, refere Daniel Simões, frisando que esta população escapa ao rastreio focalizado, sobretudo dirigido a homens que têm sexo com homens e trabalhadores sexuais, por exemplo.

Portugal teve, de acordo com os dados divulgados anteontem pela DGS, 804 novos diagnósticos de VIH em 2022 — o valor mais baixo desde 1990. Entre os 21 hospitais com consulta de Prep que disponibilizaram dados sobre 2022, houve 4499 pessoas que receberam este medicamento preventivo pelo menos uma vez no ano passado — 2161 destas pessoas receberam a Prep pela primeira vez nesse ano.

A Prep é uma das ferramentas que Margarida Tavares perspectiva como essencial para a eliminação da transmissão por VIH no futuro, sobretudo nas idades mais jovens.

“Os desafios são distintos nas idades mais avançadas. A Prep pode ajudar, mas a questão centra-se na infecção entre pessoas que não sabem que têm VIH”, diz a secretária de Estado. O aumento do acesso ao diagnóstico, com testagem em contexto de urgência hospitalar ou de consultas, por exemplo, será útil para reduzir o diagnóstico tardio — mais de metade das novas infecções em Portugal (e na Europa) foram detectadas tardiamente, revelou a DGS anteontem. “São duas estratégias exequíveis e Portugal está preparado para isso”, defende Margarida Tavares.

Ciência E Ambiente Acesso A Terapia Dependia De Co

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2023-11-29T08:00:00.0000000Z

2023-11-29T08:00:00.0000000Z

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