Público Edição Digital

Akik, uma pedra que é “um trilho no deserto” rumo à arquitectura

Camilo Rebelo completa um díptico cujos títulos resultaram de um sonho. Ao mesmo tempo, formalizou a doação dos seus arquivos à Casa da Arquitectura

Sérgio C. Andrade

Já havia OLIM, edição de 2020 também com a chancela da editora Scopio de Pedro Leão Neto; agora saiu AKIK, novo livro do arquitecto Camilo Rebelo (Porto, 1972), a completar um díptico com o qual o autor do Museu do Côa explana de forma muito pessoal o seu já longo caminho pelo campo da arquitectura. “Akik”

é um termo persa que designa “uma pedra, parecida com a ágata, que aflora no deserto do Irão e, quando isso se verifica, significa que o subsolo é rico”, diz Camilo Rebelo ao PÚBLICO, vendo nela uma espécie de trilho, de indicação do caminho para a sua arquitectura.

O lançamento de AKIK aconteceu no início de Novembro, em simultâneo com a assinatura do protocolo de doação de parte dos arquivos do arquitecto portuense à Casa da Arquitectura. Na sequência de um desafio lançado no início desta década por Nuno Sampaio, director da instituição com sede em Matosinhos, Camilo Rebelo acedeu em depositar nela 18 dos projectos concebidos nas duas primeiras décadas do século XXI, desde o Museu do Côa à Extensão Douro do Museu do Porto, das casas Ktima, na Grécia, e Promise,

em Grândola, ao desenho de Zus,

uma piscina imaginada para o Lago de Zurique, ou What if NYC, tijolos reciclados em jeito de “legos” para a cidade de Nova Iorque… Tratados pela Casa da Arquitectura, os seus arquivos vão estar democraticamente mais acessíveis aos estudantes e investigadores da disciplina que frequentemente contactam o seu atelier em busca de materiais de trabalho.

Um sonho em Itália

Camilo Rebelo apresenta AKIK como um livro sobre a sua forma de ver a arquitectura. E lembra que, à imagem do que aconteceu com OLIM,o título surgiu-lhe num sonho. “Foi em Itália, em 2017, numa das minhas idas para dar aulas [no Politécnico de Milão]. Não sabia o que significava nenhum desses nomes, e depois fui ver”, explica. E acrescenta que “olim”, em latim, significa “um dia”, mas num tempo indeterminado.

Já de “akik”, quem lhe revelou o significado foi uma sua assistente iraniana, a quem pediu para lhe trazer duas dessas pedras. Ficou a saber que esta espécie de ágata pode assumir as cores mais diversas; para a capa do livro, escolheu o laranja: “É uma cor zen, cheia de energia, que é também a do jardim do meu atelier”, nota.

Se em OLIM o pensamento de Camilo Rebelo discorre mais sobre a arquitectura em geral — “foi escrito durante a pandemia; é um livro em que o Eu se revela” —, em AKIK assume uma dimensão mais colectiva. “É

sobre os projectos que nós fomos conquistando e construindo, ou não, ao longo do tal caminho: as melhores ‘pedras’ encontradas no deserto”, diz o autor, que partilha muitos dos seus projectos com Tiago Pimentel, Susana Martins ou a dupla Cristina Chicau/Patrício Barbosa.

Ao todo, estão aqui enumerados cronologicamente, e explicados caso a caso, 56 projectos, cerca de um terço dos que foram desenhados nos últimos 25 anos. Documentam um percurso já longo, que começa com o projecto da Quinta do Engenho Novo, em Santa Maria da Feira (2002, com Nuno Graça Moura), e vem até Tirana Trilogy (2025), hotel e centro cultural para uma área de 4000 metros quadrados no centro de Tirana, capital da Albânia, co-assinado com Álvaro Siza, e actualmente em processo de licenciamento.

AKIK são as tais “melhores ‘pedras’ encontradas no deserto” já percorrido por Camilo Rebelo. Uma enumeração em que o autor não distin

gue valorativamente os projectos construídos, “poucos mais do que uma dezena”, dos que ficaram apenas no papel ou no ecrã do computador. “Valem o mesmo enquanto experiência e materialização de uma ideia de arquitectura”, acrescenta. “Hoje em dia, já não há ideia, há formas: riscas ao alto ou ao baixo, vidros foscos ou transparentes”, lamenta, lembrando a falta de discussão sobre a arquitectura, prática quotidiana nos seus tempos de estudante da então Escola Superior de Belas Artes do Porto.

“Também acho que se tem perdido a relação da arquitectura com as artes, que estão cada vez mais distantes”, diz o arquitecto, que colaborou com figuras como Rui Chafes, Basílio e Miguel Branco, além de Alberto Carneiro, José Grade, Álvaro Lapa e Ângelo de Sousa, seus professores. “Se a arquitectura não for uma arte, tem o mesmo valor da construção civil, e desaparece”, sintetiza, citando o francês Jean Nouvel.

LEITURAS

pt-pt

2025-12-16T08:00:00.0000000Z

2025-12-16T08:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281960319087787

Publico Comunicacao Social S.A.