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Execução do OE sai transfigurada da crise

Num cenário de incerteza política e económica, já há vários motivos para pensar que a execução do OE será bem diferente da prevista quando o documento foi proposto pelo Governo Riscos de recessão na Europa aumentaram

Sérgio Aníbal

Entre a entrega pelo Governo da proposta a 10 de Outubro e a sua aprovação final hoje pelo Parlamento, muita coisa mudou para o Orçamento do Estado que irá entrar em vigor em 2024. Para além das alterações introduzidas pelos deputados durante o debate parlamentar, a conjuntura económica internacional, as expectativas dos mercados em relação a Portugal e, principalmente, o cenário político são agora diferentes do que eram há um mês e meio, com consequências que podem ser significativas, e predominantemente negativas, para o cumprimento das metas orçamentais definidas no documento.

Alterações feitas ao OE

Como tem sido hábito ao longo dos últimos anos, depois da votação na generalidade foram apresentadas pelos partidos diversas sugestões de alterações ao orçamento. Nos últimos dias, foram mais de 1800 as propostas discutidas e votadas. Apenas uma parte reduzida destas foi, contudo, aprovada.

A maioria absoluta do Partido Socialista dá ao seu grupo parlamentar um controlo total sobre o que passa ou não passa e, portanto, as principais alterações feitas, as que vão ter um impacto orçamental mais significativo, são as que resultam das próprias propostas de mudança feitas pelo PS.

De acordo com os cálculos apresentados pelos socialistas, as suas propostas de alteração conduzem a uma deterioração do saldo orçamental situada entre os 150 e os 200 milhões de euros. Assim, por causa unicamente do efeito mecânico destas mudanças, o excedente de 664 milhões de euros estimado na proposta inicial irá cair para um valor mais próximo dos 500 milhões de euros. Em percentagem do PIB, não deverá ser sequer suficiente, depois de feitos os arredondamentos, para se deixar de apontar para um excedente de 0,2%.

A alteração com maior impacto orçamental é, de longe, o recuo que o PS decidiu fazer na medida do OE que avançava para um agravamento mais acentuado do Imposto Único de Circulação (IUC) para os veículos mais antigos. De acordo com os cálculos do PS, a não-introdução desta medida conduz a que não se concretize em 2024 um aumento de receita fiscal na ordem dos 82 milhões de euros.

Há ainda alterações propostas por outros grupos parlamentares que foram aceites pelo PS e que, portanto, passarão a constar da versão final do OE. Mas, para estas, não há ainda estimativas para o seu impacto orçamental, sendo que deverá ser marginal.

Negociações aceleradas com a função pública

Em paralelo com a discussão do OE, o Governo (ainda em plenitude de funções, uma vez que a demissão de António Costa apenas será aceite oficialmente pelo Presidente da República nos próximos dias) tem vindo a negociar com os sindicatos da função pública uma série de medidas relacionadas com os salários dos trabalhadores do Estado e que acabarão por ter impacto orçamental no próximo ano e nos seguintes.

São negociações que duravam há vários meses, mas que, a partir do momento em que a crise política rebentou, registaram uma aceleração, com o Governo a encontrar forma de chegar mais rapidamente a um entendimento, procurando antecipar-se ao momento em que a sua demissão se concretiza.

Desde o dia 7 de Novembro, foram fechados vários diplomas na área da Administração Pública: a reformulação do Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP), a criação da carreira de técnico auxiliar de saúde, a valorização salarial da polícia municipal e dos técnicos superiores de estatística e de orçamento e, já esta segunda-feira, a nova carreira de técnico superior.

Se é verdade que uma parte do impacto orçamental já poderia estar prevista na proposta inicial de OE, há também motivos para pensar que, em consequência das negociações, haverá lugar a um acréscimo da despesa com pessoal a realizar já em 2024. Por exemplo, no que diz respeito à nova carreira de superior técnico, o Governo aceitou antecipar para 2024 a sua entrada em vigor, algo que leva a um impacto orçamental negativo estimado em 16,5 milhões de euros no próximo ano.

A 10 de Outubro, quando o Governo apresentou a proposta de OE, as perspectivas para a evolução da economia no ano seguinte já eram de abrandamento. Era então já evidente que, depois de um primeiro trimestre muito positivo, a economia portuguesa tinha estagnado a partir do segundo trimestre, afectada pelo cenário de subida das taxas de juro do Banco Central Europeu e pela diminuição da procura proveniente dos seus principais parceiros comerciais europeus e, por isso, o optimismo era pouco em relação a 2024.

O Governo baseou o orçamento num cenário macroeconómico em que a economia, depois de uma variação do PIB de 2,2% em 2023, cresceria 1,5% em 2024. Nessa altura, as previsões do Governo eram mais pessimistas do que as realizadas pelas instituições internacionais.

No último mês e meio, não surgiram motivos para um maior optimismo. Antes pelo contrário.

Os dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística no último dia de Outubro revelaram que, no terceiro trimestre deste ano, a economia portuguesa contraiu-se 0,2%, afectada sobretudo pela quebra da procura proveniente do exterior. Confirma-se o actual cenário de quase estagnação e o risco de entrada em recessão técnica (definida como dois trimestres consecutivos de variação negativa do PIB em cadeia) é agora maior.

Do resto da Europa, especialmente da Alemanha, não surgem boas notícias, já que os níveis de confiança em relação a uma retoma segura a partir do próximo ano tardam em subir, principalmente agora que a maior economia da zona euro entrou numa crise orçamental desencadeada pela decisão do Tribunal Constitucional de não permitir a utilização dos fundos previstos para a realização dos investimentos para a transição climática do país.

A meio deste mês, a Comissão Europeia reviu em baixa as suas previsões de crescimento para a economia europeia e, no caso de Portugal, passou a projectar uma variação do

Do resto da Europa, sobretudo da Alemanha, não surgem boas notícias. Bruxelas, este mês, reviu em baixa as previsões económicas

PIB de 1,3% no próximo ano, um valor já inferior ao estimado pelo Governo no OE.

Um crescimento mais baixo do que o previsto, a registar-se, tem inevitavelmente como consequência um impacto negativo para as contas públicas, uma vez que conduz a menos receitas fiscais e mais despesas com protecção social.

Os ratings subiram

Se a economia está a abrandar, a verdade é que os ratings atribuídos pelas agências de notação financeira internacionais continuam a subir. No passado dia 17 de Novembro, a agência Moody’s decidiu subir a classificação

atribuída à sustentabilidade das finanças públicas do país logo em dois níveis, de “Baa2” para “A3”.

É uma subida particularmente importante porque coloca Portugal a apenas um passo de poder ter as principais agências internacionais a atribuir-lhe um rating de nível “A”, algo que seria favorável ao país na hora de realizar emissões de dívida pública nos mercados.

Esta é uma das explicações para que, em comparação com outros países como a Espanha ou a França, as taxas de juro da dívida pública portuguesa tenham vindo a apresentar uma tendência mais positiva. Este cenário benigno no que diz respeito aos custos de financiamento do Estado pode beneficiar a execução orçamental, por via de um agravamento menos acentuado dos encargos da dívida do que aquilo que está estimado no OE.

O Governo já não vai ser o mesmo

A grande mudança entre o momento em que a proposta de OE foi entregue no Parlamento e o momento em que esta é aprovada é contudo o facto de António Costa se ter demitido e o país ter ficado com eleições antecipadas marcadas para 10 de Março.

Em termos orçamentais, o que isto significa, na prática, é que o governo que irá executar o OE não será o mesmo que apresentou a proposta. Nos primeiros meses de 2024, o primeiroministro, os ministros e os secretários de Estado até serão os mesmos, mas o Governo estará unicamente em gestão e a funcionar com um Parlamento dissolvido.

Isto permite ao executivo tomar apenas as decisões que forem consideradas absolutamente inadiáveis, limitando-o, por exemplo, na hora de reagir a mudanças de circunstâncias e de conjuntura, para além de poder, por exemplo, dificultar a execução de reformas exigidas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Depois das eleições, e passado o período necessário para a entrada em função de um novo governo, Portugal terá novamente um executivo na plenitude das suas funções.

Nessa altura, a realização de novas alterações no orçamento é muito provável, nomeadamente se o PS, como indicam as sondagens, não conseguir repetir a maioria absoluta com que conta actualmente.

Do lado do PSD, os seus responsáveis já fizeram saber que, caso liderem o governo que sair das eleições, irão apresentar um orçamento rectificativo. Não terão, é certo, muito tempo para o fazer antes de terem de apresentar também a proposta de OE para 2025, mas introduzir novas medidas, com impacto significativo nas receitas e despesas de 2024, será certamente possível.

Economia Orçamento Do Estado Para 2024

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2023-11-29T08:00:00.0000000Z

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