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Da criação à reflexão sobre a extinção do mundo

Remix Ensemble

★★★★☆

Peter Rundel, direcção

Porto, Casa da Música — Sala Suggia 19 de Setembro, 19h30

Música de Milhaud, Sciarrino e Lim Sala a 1/3

O programa que o Remix Ensemble Casa da Música (RE) trouxe para a sua rentrée correspondeu a um muito conseguido enquadramento temático, sem pleno equivalente no interesse musical.

O título do concerto, Estações artiAEciais, resulta da tradução da obra de Salvatore Sciarrino (n. 1947) com que o RE completou a primeira parte do concerto — porventura a obra mais sólida do programa, não obstante algumas desistências de público. Entre o princípio — La Création du Monde (1923), de Darius Milhaud (1892-1974) — e o fim do mundo — Extinction Events and Dawn Chorus (2017-18), de Liza Lim (n. 1966) — deu-se essa passagem “reflexiva” pelo imaginário de Salvatore Sciarrino,

A obra de Milhaud não é demasiado inspiradora: transpirando o deslumbramento do compositor com o mundo do jazz, não deixa de ser muito menos viva e livre do que este. O RE cumpriu o seu papel, navegando águas que, independentemente do gosto pessoal dos músicos, não correspondem rigorosamente àquelas em que o agrupamento melhor se orienta.

“Estás a ouvir alguma coisa?”, ouviu-se alguém sussurrar na plateia, momentos após o início da segunda obra. Le Stagioni Artificiali (2006) é mais uma página do singusem lar catálogo do italiano Sciarrino. Nela se reconhece toda a sua gramática, capaz de confundir os mais experientes ouvidos: arcos que friccionam cordas sem pressão, tubos em que é lançado ar sem pressão suficiente para que sejam produzidas notas de altura (muito) definida, placa metálica levemente excitada que se ouça qualquer ataque: sons que desafiam o silêncio e a percepção, obrigando-nos a prestar redobrada atenção para acompanhar o “discurso”. Em diálogo com Le Quattro Stagioni de Vivaldi, Le Stagioni Artificiali também são apresentadas sob a forma de concerto para violino. Ashot Sarkissjan assumiu o papel de solista, desempenhando eficazmente o ingrato papel do virtuosismo imperceptível, sem vibrato, sem passagens rápidas, sem melodias, arrancando do violino notas alongadas em que o que muda mais é a pressão e o timbre. É uma obra de inebriantes texturas, enriquecidas com elegantes multifónicos, que não chega a cansar nos seus mais de 20 minutos de descoberta.

A grande obra do concerto seria a estreia nacional de Extinction Events and Dawn Chorus, que ocupou toda a segunda parte do concerto. Fosse pela expectativa criada pela escuta da gravação comercial (em que há sempre um trabalho de produção sonora que torna a audição mais empolgante), fosse pela entrevista dada pela compositora ao PÚBLICO, esperava-se algo mais arrebatador da obra de Liza Lim, que recebeu na Casa da Música a sua 22.ª apresentação pública. Seja como for, uma sala com outras características acústicas teria facilitado o trabalho dos músicos do RE na criação de uma sonoridade mais coesa e cheia (e talvez encurtado a distância que tiveram que percorrer nas secções que espalhavam músicos em redor do público). De resto, não se pode dizer “a culpa é do maestro” — Peter Rundel será talvez quem melhor conhece a obra, sendo quem a dirigiu mais vezes, incluindo a estreia absoluta à frente do Klangforum Wien, grupo com o qual a gravou para a Kairos. Diana Ferreira

Cultura

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2023-09-22T07:00:00.0000000Z

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