Fazer é uma revista, é uma exposição e vai discutir o design em Portugal
Primeiro com uma exposição na Fidelidade Arte, depois com edição em papel da nova revista, Frederico Duarte e Vera Sachetti defendem que é o momento para repensar — tudo e o design ao mesmo tempo
Joana Amaral Cardoso
Hoje começa-se a Fazer no design em Portugal — ou melhor, começa uma nova conversa sobre o design português e é polifónica. Fazer é uma revista e uma exposição e um ciclo de eventos para preencher uma lacuna: criar um lugar de discussão sobre o design em Portugal. Os seus curadores e fundadores são Vera Sachetti e Frederico Duarte, que tornaram a Galeria Fidelidade Arte num lugar onde há uma estante com vinhos, cartazes de partidos políticos, tapetes, livros e um diálogo provocador com a arquitectura, com os designersestrela e com as instituições. “Fazer uma revista hoje em dia parece ser o pior momento da história”, ri-se Vera Sachetti, “mas é, ao mesmo tempo, o melhor momento, porque é o momento para repensar.”
Fazer é um projecto há muito maturado pelos dois críticos de design que partilham ideias claras sobre o que lhes falta e o que faz falta ao design em Portugal. Uma disciplina com décadas de actividade, um sector que foi perdendo lugares de fala — o Centro Português de Design foi extinto há uma década, as colecções estão dispersas, os museus são locais e, tal como as bienais ou iniciativas sem sequência como o Ano do Design Português, acometidos por problemas vários; a divulgação da investigação é limitada. E o design é também um emprego, um trabalho que visa acrescentar valor numa sociedade de consumo plena de contradições.
É por isso que um dos núcleos, e um dos artigos da revista, é sobre a imagem do designer dentro do campo da “excepcionalidade, individualidade, do empreendedor”, e sobre o nascimento do Sindicato dos Trabalhadores em Arquitectura em 2022, por exemplo. É um dos piscares de olho à disciplina, já que também se faz uma recensão e se estreia um documentário do canal 180 sobre a representação oficial portuguesa na Bienal de Veneza deste ano, que parte de uma ideia sobre a água doce que os curadores consideram “notável”.
Na segunda-feira, no Chiado, a Fidelidade Arte abre ao público geral as portas da exposição que é como uma antevisão do primeiro número da Fazer, que sai no fim da mostra — 5 de Janeiro. A exposição “constrói a revista” e “também é uma afirmação”
— uma exposição “não é o melhor meio para falar sobre design”, postula Duarte. À entrada, a revista apresenta-se e começa com um projecto que mostra as tais contradições: Inma Bermúdez fez uma colecção de tapetes para a empresa espanhola Gandía Blasco e criou quatro modelos de diferentes complexidades e por isso custos distintos. Mas a empresa vendeu-os ao mesmo preço. Os tapetes saúdam os visitantes e apresentam a secção Na Primeira Pessoa, em que a
designer reflecte sobre o entendimento do que é criar valor com o design.
A Fazer quer ser muitas coisas. Uma revista com uma tiragem de cerca de mil exemplares, distribuição nacional e que tem como público-alvo os
designers, estudantes e profissionais, mas também “qualquer pessoa interessada na cultura material, na cultura visual”, resume Duarte. Sachetti, que tem por hábito experimentar com formatos na sua actividade curatorial, lança a revista cheia de perguntas e uma vontade: a Fazer tem de existir como instituição ao “criar um ecossistema” e cortar com uma forma estática de actuar. “Nós não queremos falar para o establishment, que é o que as publicações de design historicamente fazem”, explica ao PÚBLICO. “Nós somos pela polifonia, nós somos pela horizontalidade. Nós somos pelo rizoma, pelo ecossistema.”
Com autores de diferentes nacionalidades e idades, a revista (e o seu
preview expositivo) integra o ciclo de exposições Território, organizado pela Culturgest e pela Fidelidade Arte com apoio da Direcção-Geral das Artes, nos programas Arte pela Democracia e da Criação. O olhar crítico preside ao projecto e isso nota-se. O segundo núcleo é sobre a colecção
História do Design Gráfico em Portugal, distribuída pelo PÚBLICO e da autoria de José Bártolo, que gerou polémica após “erros graves detectados pelos leitores” que “poderiam indiciar eventuais práticas de plágio”, como o jornal os descreveu. A Fazer vai debater o caso a 31 de Outubro. Estará no seu número inaugural.
Outro dedo se aponta ao Prémio Design de Livro, criado pela DirecçãoGeral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas e que em cinco edições nunca premiou uma obra de literatura geral, por exemplo, o que se afere facilmente na exposição e na interpretação gráfica do enviesamento que um prémio público demonstra. Na mesma sala, Philippe Starck em pose de mágico envolve a máquina da Delta por ele projectada e que, apontam curadores e a autora do texto, acaba por alimentar um sistema de peças descartáveis. “Sem a crítica perde-se a nuance e os graus de cinza que nos aproximam, a capacidade de ouvir”, sugere Vera Sachetti.
O lugar do design
O mesmo sentido crítico elogia o brilhantismo da campanha ABCLGBTQIA+, do canal FoxLife, criada para promover uma série sobre uma pessoa não binária e cuja presença nas ruas do país saltou depois para novas utilizações, como em universidades seniores. A revista vai também conseguir um feito que é publicar pela primeira vez em português, em parceria com a editora Bikini Books, o ensaio de Susan Sontag sobre o papel político de um cartaz escrito em 1970 e apenas republicado em inglês em 1999. E por falar em política, a sala mais saturada é aquela em que mora a primeira das ideias para a Fazer.
Um olhar sobre a propaganda. A cada duas semanas, muda o cartaz cedido pelos oito partidos com assento parlamentar e que vai rodando o prisma sobre a constatação de que “os partidos comunicam 365 dias por ano [com os cidadãos]”, explica Duarte. “É uma consequência da legislação portuguesa e é uma excepcionalidade europeia”, o que levou a equipa a falar com todas as forças políticas para perceber o processo de design de cada um, constatando-se que todos, à excepção da Iniciativa Liberal, que trabalha com a agência de publicidade Mosca, são feitos por equipas internas. E que, por exemplo, os novos outdoors do PAN são feitos com recurso a inteligência artificial. Agora, o que lá está é do PCP.
Entre os vinhos representados no núcleo/artigo A verdade do vinho, um produto desafiante de comunicar e vender, está o do Porto, naturalmente. Será a Culturgest Porto a receber o segundo número da Fazer, e portanto a segunda exposição da mesma (2 de Fevereiro a 12 de Maio de 2024). Como temas, diz provocador Frederico Duarte, haverá o pastel de bacalhau com queijo da Serra, o papel de Portugal no fabrico têxtil ou a inauguração da secção Inovação para trabalhos de estudantes. “É uma provocação a coisas como a Agência Nacional de Inovação”, diz o curador, “[porque] não há o Prémio Nacional de Design em Portugal, como há, por exemplo, na Suíça ou em Espanha. O design não tem lugar no Estado.”
Somos pela polifonia, pela horizontalidade, pelo rizoma, pelo ecossistema Frederico Duarte e Vera Sachetti Curadores e fundadores da Fazer
Cultura Um Lugar De Discussão Sobre Design
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2023-09-22T07:00:00.0000000Z
2023-09-22T07:00:00.0000000Z
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