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Passeio pelo Porto literário (século XX)

Isabel Pires de Lima

Nos inícios do século XX, o Porto manterá a vitalidade literária adquirida no século XIX com o Romantismo e o poder da nova burguesia comercial. Raul Brandão, cuja obra, vinda do século anterior, cruza simbolismo com naturalismo epigonal, dá a lume, em 1917, a sua obra-prima, Húmus, fundando uma prosa moderna, só com rival no Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, que em muito antecipa.

O neorromantismo domina ainda a atmosfera da época com uma poética expressiva e declamatória, valorizando o nacional e o visionarismo profético do poeta e apostando num irracionalismo e numa religiosidade heterodoxa, porém, realismo e naturalismo epigonais terão ainda forte presença na obra de um João Grave. O neorromantismo saudosista estará na origem do relevante movimento portuense da Renascença Portuguesa, republicano e progressista mas contraditoriamente também intuicionista, movido pela tríade constituída por Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão. A Águia (1910), nascida com a República, será a prestigiada revista do grupo, desdobrada em várias séries e na revista A Vida Portuguesa (1912).

A especulação poética do saudosismo por Teixeira de Pascoaes alça a saudade a traço definidor da alma nacional e aduba as teses sebastianistas de um destino português. O jovem Pessoa publicará n’ A Águia, entusiasmado pelo ideário estético-ideológico saudosista e pelo messianismo sebastianista, que alimentarão a sua mitologia de um desejado “Supra-Camões”. Régio também não será incólume ao magistério d’ A Águia. Leonardo Coimbra, criador da primeira Faculdade de Letras do Porto, torna-se o arauto da auto-designada AElosoAEa portuguesa, com duradouro impacto nacional, embora uma ala mais racionalista tenha persistido na herança positivista.

A 1.ª Grande Guerra e depois a instauração do centralismo da ditadura do Estado Novo, a perda de importância económica da burguesia local, a par do cerceamento da liberdade de expressão e do encerramento da Faculdade de Letras vão ditar o declínio da centralidade literária portuense. A cidade torna-se preterida pelo Estado Novo. O Porto mantém-se afastado do 1.º e 2.º Modernismos que marcam as décadas seguintes, com Orfeu (1915) e a Presença (1927), mas a lição presencista repercute nas obras de portuenses como Alberto de Serpa ou António de Sousa ou Pedro Homem de Melo. Revistas como Portucale (1928) ou Sol Nascente (1937) mantêm a colaboração de uma intelectualidade não alinhada com o regime da qual Abel Salazar foi elemento congregador. A 2.ª (1946) e 3.ª (1951) séries da revista Portucale publicarão de forma eclética novos autores (de Aquilino Ribeiro a Jorge de Sena, passando por Casais Monteiro ou Gomes Ferreira). Sol Nascente, no arranque, também o fará, tornando-se, depois, órgão doutrinário do neorrealismo coimbrão. O Café Palladium será ponto animado de encontro de muitos destes nomes.

O neorrealismo no Porto afirma-se apenas numa segunda vaga, no pós-guerra, com as revistas A Serpente (1951) e Notícias do Bloqueio (1957), animadas por Egito Gonçalves, Rebordão Navarro ou Veiga Leitão, incorporando, porém, outras influências de círculos lisboetas (Cadernos de Poesia ou grupos surrealistas).

Na esperança de libertação trazida pelo pós-2.ª Guerra, assiste-se ao eclodir, limitado pelo exercício da censura oficial e da polícia política, de tertúlias em cafés (Rialto, Ceuta) e livrarias, de suplementos literários, de novas editoras (Inova, mais tarde Modo de Ler), de organismos diversos de divulgação cultural (alguns antigos, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras, outros recém-criados, o Teatro Experimental ou o Cine Clube) cuja influência sobre a juventude, em breve chamada a colaborar na Guerra Colonial (1961-1974), foi determinante para a construção quer da educação literária, quer da consciência cívica. Destaco a Livraria Divulgação, mais tarde Leitura e a Cooperativa Árvore. Destaco ainda a página literária d’O Comércio do Porto (1952-1967), com riquíssima colaboração de variados setores, na qual Óscar Lopes manteve uma brilhante coluna de crítica literária e teorizou seu heterodoxo conceito de arte (neo)realista. Aí atentará na força das narrativas de uma jovem escritora, também ela heterodoxa, Agustina Bessa-Luís, muito especialmente no seu romance

A Sibila (1954). Agustina, Eugénio de Andrade e Sophia de Mello Breyner Andresen, de diversos modos ligados ao Porto, constituirão uma tríade de vultos da literatura da 2.ª metade do século XX, adjutora da colocação do Porto como uma nova centralidade literária. Eugénio de Andrade organizará uma antologia, já clássica, de verso e prosa sobre o Porto, Daqui houve nome Portugal. De destacar também as obras poéticas de Albano Martins e Fernando Guimarães e as ficcionais de Ilse Losa e Ruben A.

A Revolução do 25 de Abril de 74 promove novas condições de criação em liberdade e a literatura, como as outras artes, beneficia de novo fulgor. A geração que começa a publicar em liberdade inclui no Porto escritores que podem ser colocados na linha da frente das letras nacionais: Ana Luísa Amaral, Manuel António Pina, Mário Cláudio, Vasco Graça Moura, aos quais foram atribuídos prestigiados prémios (Camões; Pessoa; Reina Sofia). A vida literária portuense vê um momento de vitalidade com o aparecimento de novas tertúlias em cafés (Convívio, Diplomata, Orfeu, Orfeuzinho, Passatempo) e de revistas como Exercício de Dizer, Figuras, Os Poetas do Café, Serpente, Letras & Letras, Hífen, Limiar. Nestas revistas e noutros espaços editoriais, publica uma nova geração da qual se destacam Álvaro Magalhães, Amadeu Baptista, Aureliano Lima, Bernardo Pinto de Almeida, Daniel Maia-Pinto, Fernando Echevarría, Filomena Cabral, Francisco Mangas, Helga Moreira, Inês Lourenço, João Carlos Soares, Jorge Sousa Braga, Jorge Velhote, José Augusto Seabra, José-Emílio Nelson, José Viale Moutinho, Laureano Silveira, Miguel Miranda, Rosa Alice Branco, Rui Magalhães, Vergílio Alberto Vieira.

Na viragem do século, o mundo literário portuense tende para uma certa erosão mas Porto 2001 — Capital Europeia da Cultura trouxe novos públicos ao campo literário e promoveu a área da literatura, designadamente com publicações relevantes.

Com a abertura do ciberespaço e de mais democráticas possibilidades técnicas de edição, com a valorização da componente performativa da literatura (espaços informais de poesia — Pinguim Café; livrarias cafés — Gato Vadio, Livraria Menina e Moça; livrarias de poesia — Poetria, Flâneur, Térmita; livrarias para a infância — Papa Livros, Salta Folhinhas; festivais literários; feiras do livro), criam-se novos “fora” de comunicação literária e emergem revistas como Nervo Poesia ou Eufeme ou Piolho, a par de blogues como Poesia Ilimitada ou de um jornal de formato tradicional como As Artes entre as Letras.

No saudável campo literário portuense, publica-se atualmente obras que suscitam atenção da crítica e do público. Assinala-se os nomes de Andreia Faria, Daniel Jonas, H. G. Cancela, Isabel Rio Novo, João Paulo Sousa, João Reis, Manuel Jorge Marmelo, Pedro Eiras, Rui Lage, Valter Hugo Mãe, alguns premiados, nomeadamente o poeta João Luís Barreto Guimarães com o Prémio Pessoa 2023.

in Posfácio de Jorge Sobrado, diretor do Museu e Bibliotecas do Porto

Professora emérita da Universidade do Porto

Investigadora do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa

(A autora do texto escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico.)

nosso ADN. Quando desapareceu, sentimos que tínhamos de dar-lhe continuidade.” Por outro lado, há uma vontade de abraçar novos desafios ano após ano. “Normalmente, quando uma produção corre bem, repete-se a fórmula. Nós fazemos exactamente o contrário”, explica João Modas. “Tivemos edições com três dias, com dois dias, com um dia, com uma tarde e um dia e uma noite. Este ano, decidimos ir para Portalegre, porque sempre tivemos muito público de lá.” Para o ano, é possível que cheguem a outros cantos do Alentejo. João está a apontar para Beja.

Esta edição foi inaugurada às 18h00 de sexta-feira, no Club Lounge, em Portalegre, pelo trio de Vítor Rua, Tiago Castro e Helena Fagundes, que se estreou ao vivo na sala Lisa (Lisboa) em Julho. Música improvisada e esquizóide, moldada pelas idiossincrasias e referências de cada um dos intérpretes. E continuou, a partir das 21.30, na Quina das Beatas do Centro de Artes e Espectáculos de Portalegre, com os Unsafe Space Garden, os Cave Story e The Twist Connection a alternarem-se em palco.

Ao mesmo tempo que os Cave Story eram surpreendidos, a 100 quilómetros de distância, na Sociedade Harmonia Eborense (SHE), tocavam os Meia/Fé. Com a adição de Daniel Fonseca e João Pedro Lima, o colectivo de Yung Xalana, 80 Tu & Eu e casaxangai virou uma banda coesa, e as expectativas em torno

Membros dos Lord Friday the 13th, num intervalo entre os concertos

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2023-11-20T08:00:00.0000000Z

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