Público Edição Digital

Em Timor-Leste, descobriram-se 30 espécies de lesmas-do-mar novas para a ciência

É a primeira vez que é avaliada a biodiversidade das lesmas-do-mar de Timor-Leste. Equipa de cientistas, que inclui biólogo português, ficou feliz ao ver dugongos e por não se ter cruzado com crocodilos-de-água-salgada

Teresa Firmino

Obiólogo português Joaquim Reis queria voltar a TimorLeste, onde tinha estado numa visita exploratória há quase 20 anos, em 2004. E a bióloga espanhola Marta Pola queria recolher lesmas-do-mar no chamado “Triângulo de Coral”. As duas vontades juntaram-se numa expedição de duas semanas a TimorLeste que resultou na descoberta de cerca de três dezenas de espécies novas de lesmas-do-mar.

A expedição, entre finais de Julho e início de Agosto deste ano, concentrou-se em mergulhos na costa norte de Timor-Leste, entre Manatuto e Liquiçá (no meio fica a capital, Díli). A ilha de Ataúro, em frente a Díli, foi incluída no programa de mergulhos. Foi a primeira vez que foi avaliada a biodiversidade de lesmas-do-mar de Timor-Leste. “Calculamos que temos cerca de 30 espécies novas para a

ciência de lesmas-do-mar, num total de mais de 100 espécies diferentes identificadas”, resume Joaquim Reis, investigador do Mare – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Ainda que tenham visto outras maravilhas do mar timorense — como dugongos —, a recolha de material pelos cientistas incidiu exclusivamente nas lesmas-do-mar, ou nudibrânquios, como lhes chamam os cientistas. “Apesar de não nos termos aproximado bastante, conseguimos vislumbrar os dugongos, que são muito raros. Vivem em pradarias marinhas em zonas asiáticas — em várias ilhas da Indonésia ou em Timor. A baía de Díli é um dos sítios onde se encontram”, conta Joaquim Reis, destacando ainda a enorme diversidade de peixes que viram.

Se o biólogo se dá por feliz por terem avistado dugongos, também se dá por contente não terem tido qualquer sinal dos crocodilos-de-águasalgada durante a expedição. “É uma espécie muito interessante, mas coloca problemas de segurança. O crocodilo-de-água-salgada é considerado uma espécie sagrada em Timor-Leste. Têm uma atitude, sobretudo nas aldeias, curiosa: apesar de haver ataques, não é bem visto atacar um crocodilo-de-água-salgada.”

As lesmas-do-mar, um grupo muito diverso de moluscos sem concha exclusivamente marinhos, conta hoje com cerca de 6000 espécies descritas em termos mundiais.

Entre as várias estratégias defensivas e de sobrevivência que as lesmasdo-mar adoptam, incluem-se os compostos químicos, que utilizam para se protegerem de predadores. Esses compostos químicos também as tornam apetecíveis para a indústria farmacêutica como fonte potencial para o desenvolvimento de novos fármacos. Muitas delas também apresentam cores vivas bastante chamativas, razão pela qual são muito apreciadas pelos fotógrafos subaquáticos.

“É um grupo extraordinário não só pela aparência fantástica, mas por todas as estratégias — e diversificadas — para se defenderem de predadores num meio em geral agressivo. São animais de aparência frágil, não têm concha nem nenhuma estrutura evidente de defesa, mas conseguem essas defesas com estratégias diversificadas”, salienta o biólogo. Só para dar outro exemplo das várias estratégias defensivas, há ainda aquelas lesmas-do-mar que roubam as células urticantes das alforrecas e anémonas, para depois as dispararem como arpões contra os predadores

Um país pouco explorado

Tantas espécies novas encontradas agora de uma assentada em TimorLeste explicar-se-ão pela grande biodiversidade, em geral, do país e pelo facto de o território timorense continuar inexplorado em termos cienregistos tíficos. “Timor-Leste não foi explorado nem por investigadores locais nem estrangeiros, ao contrário da Indonésia, da Austrália e das Filipinas. Além de os recursos locais serem escassos, a maior parte dos estudos internacionais não se foca em Timor-Leste.”

O país inclui-se no Triângulo de Coral, a que pertence a Indonésia, parte da Malásia e as Filipinas. “É uma zona tropical caracterizada pela típica biodiversidade associada aos recifes de coral”, explica Joaquim Reis. “Nas lesmas-do-mar, há espécies muito associadas aos recifes de coral, outras vivem na areia, outras associadas a algas — depende da espécie e da sua alimentação. Vivem onde estiver o alimento específico”, acrescenta. “Sabe-se que o Triângulo de Coral tem a maior biodiversidade marinha do mundo, incluindo lesmas-do-mar. Por isso, não é surpreendente que Timor seja assim. Ninguém tinha ido lá estudá-las.”

Ainda sobre a riqueza biológica, Marta Pola, especialista em lesmasdo-mar da Universidade Autónoma de Madrid, destaca em comunicado: “A diversidade encontrada em Timor-Leste é superior à de outras regiões como Maldivas ou Moçambique, e muito superior à encontrada nas Caraíbas (Cuba, Bermudas, Costa Rica). Compara-se, apenas, à das Filipinas ou da Indonésia”, diz.

A expedição, além de Joaquim Reis e de Marta Pola, contou com mergulhadores do centro Dreamers Dive Academy – Timor-Leste, bem como o apoio do investigador Mário Cabral, da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e. Assim que Marta Pola e Joaquim Reis começaram a falar da expedição a Timor-Leste, tiveram “logo bom feedback das pessoas de lá”, realça o biólogo.

Agora segue-se a análise pormenorizada de todos os exemplares de lesmas-do-mar recolhidos — que vieram para Portugal e Espanha —, tanto ao nível do estudo da morfologia como do ADN, o que permitirá confirmar se se está perante novas espécies para a ciência. Daqui espera-se que saiam vários artigos científicos a descrever todo o material.

Além de revelar a existência de recursos biológicos, que até “podem vir a ter utilidade para o ser humano, por exemplo no desenvolvimento de novos fármacos”, Joaquim Reis considera que o conhecimento da biodiversidade de Timor-Leste pode contribuir para “tomar decisões estratégicas como a criação de zonas protegidas ou de parques nacionais, à semelhança do que se faz na vizinha Indonésia, com potenciais benefícios também para o turismo e desenvolvimento do país”.

Uma lesma muito vistosa

Para já, entre as espécies de lesmasdo-mar encontradas, o investigador destaca uma que descreve como “muito vistosa”. “Existem muitos

Ciência E Ambiente Expedição De Duas Semanas Em Ág

pt-pt

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281822878533963

Publico