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“Hoje o CSI não tira ninguém da pobreza”

Os beneficiários do CSI são uma gota de água no universo de 1,7 milhões de reformados com pensões abaixo do salário mínimo 1682

Patrícia Carvalho

Se a proposta do PSD de subir o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) até aos 820 euros em 2028 fosse implementada, alargar-se-ia, obrigatoriamente, o número de pessoas que beneficiam desta prestação, muito para além dos actuais 134 mil beneficiários. Mas, num país que soma 1,7 milhões de reformados pela Segurança Social com pensões abaixo do salário mínimo, será que o aumento dos valores de referência daquela prestação social é a melhor arma para combater a pobreza entre os idosos?

O apoio foi criado em 2005, apenas para os pensionistas com mais de 80 anos. Em 2009, passaram a poder candidatar-se todas as pessoas em idade de reforma. O objectivo é que todos os pensionistas tenham acesso a uma pensão até um valor de referência, que neste momento se situa nos 488,22 euros mensais para as pessoas solteiras ou viúvas e nos 854,38 euros por mês para um casal. O valor do CSI cobre a diferença entre a pensão recebida pelo reformado e o respectivo valor de referência.

O que Luís Montenegro anunciou no congresso do PSD no passado sábado – e que foi posteriormente explicado pelo líder parlamentar do partido, Joaquim Miranda Sarmento – é que pretende que em 2028 o valor de referência do CSI chegue aos 820 euros, subindo, até lá, de forma gradual. “Para sabermos qual será o efeito na pobreza do CSI pelo valor que o PSD propõe, é preciso saber qual será o limiar da pobreza em 2028. Hoje o CSI não tira ninguém da pobreza, porque está abaixo desse limiar”, diz Paulo Pedroso, ex-ministro do Trabalho e da Solidariedade de António Guterres e investigador do Iscte.

De facto, o limiar da pobreza é, neste momento, de 591 euros mensais, acima do referencial do CSI em mais de cem euros. Isto significa que as 134.347 pessoas que, em Outubro, beneficiavam desta prestação não contributiva continuam a integrar a percentagem de 20,1% dos portugueses que, segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), se encontravam em 2022 em risco de pobreza ou exclusão social.

Elvira Pereira, investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa e do Centro de Administração e Políticas Públicas, também ressalva que a eficácia de uma proposta como a do PSD depende de diferentes factores. “Se se está a falar da eficácia da medida em termos de redução da taxa de risco de pobreza, ao colocar o seu referencial acima da linha da pobreza, ela é eficaz. A questão já é diferente se tivermos em conta questões mais normativas daquilo que deve ser garantido a todos os indivíduos, incluindo as pessoas mais velhas. Há uns anos desenvolvi com uns colegas um estudo sobre o que chamamos ‘rendimento adequado em Portugal’, em que procuramos estimar valores de referência que permitissem às pessoas satisfazerem as suas necessidades. E esse valor estava acima do limiar da pobreza.”

O que o valor dos beneficiários do CSI nos diz também é que eles são uma parte muito pequena de todos os que recebem uma pensão baixa. Fará então sentido ser essa a aposta para melhorar as condições de vida dos mais velhos? “Para mim é claro que esta medida, independentemente de ser positiva, ao aumentar o valor de referência do CSI (o que vai aumentar o número de pessoas elegíveis), não permite aferir exactamente qual o impacto que terá na redução das pessoas idosas pobres. E parece-me que [é um erro] não colocar na agenda simultaneamente outros aspectos, como a melhoria do sistema de pensões mínimas”, diz o investigador da Universidade Católica Portuguesa, especialista em Política Social, Francisco Branco.

O investigador lembra que, aquando da criação do CSI, havia “a ambição de que o seu limiar fosse a linha de pobreza”, mas essa orientação foi posta de lado, com as crises financeiras e a entrada da troika em Portugal. Agora, o OE para 2024 prevê que essa convergência seja retomada, fixando o valor de referência do CSI para o próximo ano nos 550,67 euros para pessoas singulares.

Pensão baixa é pobreza?

Francisco Branco diz que é “inegável que a criação do CSI teve um impacto positivo na redução da pobreza monetária entre as pessoas idosas”. Mas lembra que esta foi uma de diferentes opções políticas para combater a pobreza entre os idosos e que não está isenta de problemas. “Durante uma determinada fase, chegou a haver um consenso na Assembleia da República para uma convergência de pensão mínima da Segurança Social com o salário mínimo, mas a partir de determinada altura essa orientação foi abandonada e optou-se por esta prestação social não contributiva.”

As razões por trás dessa decisão prenderam-se com o facto de se ter entendido que o facto de uma pessoa 149 1532 ter uma pensão baixa não implica que ela esteja, na realidade, numa situação de pobreza. Um estudo de 2003 indicava que só cerca de 31% das pessoas que recebiam pensões mínimas eram, de facto, pobres, fosse por viverem em agregados familiares com outros rendimentos ou por possuírem, elas próprias, outros rendimentos. “Uma pessoa pode ter uma pensão baixa e não ser pobre, porque as pensões têm que ver com os descontos que fez. Pode não ter descontado ou ter descontado pelo valor mínimo e ter feito uma fortuna em simultâneo”, destaca Paulo Pedroso.

Daí o CSI não contabilizar apenas o valor da pensão, mas incluir outros rendimentos que o beneficiário possa ter, incluindo propriedades. E ter também em conta o rendimento dos filhos do eventual beneficiário, desde que estejam acima do 3.º escalão do IRS — uma medida polémica e que foi criticada num relatório da OCDE, de 2019, por estabelecer a ideia de que era socialmente justo obrigar os filhos das pessoas com pensões mais baixas a ajudar os pais.

Paulo Pedroso também discorda desta inclusão do rendimento dos filhos, que leva a que “os pais sejam excluídos, mesmo que não haja solidariedade por parte dos filhos, desde que estejam acima do 3.º escalão”.

O CSI comporta outro problema que pode ter implicações numa eventual tentativa de melhorar a vida dos idosos mais pobres apenas por via do aumento deste complemento. “Temos aqui o que se chama no takeup, que basicamente é um conjunto de pessoas que são elegíveis para receber o CSI, mas que não estão a aceder à medida. E devemos procurar perceber a fundo porquê”, afirma Elvira Pereira. Francisco Branco alerta: “Não há dados rigorosos que permitam apurar de quantos casos estamos a falar, mas a OCDE chama a atenção para um conjunto de pessoas que seriam elegíveis e não beneficiam desta prestação social. Seja por falta de formação ou por haver receios infundados ou devido à complexidade do processo. Esta matéria, o no take-up, diz-nos que não podemos olhar para os números e achar que eles reflectem todos os que necessitam desta medida.”

Paulo Pedroso insiste: “Não nos podemos esquecer que há mais idosos pobres nas estatísticas do que os que recebem o CSI, por efeito do no take-up, aqueles que seriam elegíveis e não se candidatam.” Por isso, mesmo com as dúvidas sobre se quem recebe uma pensão muito baixa é, de facto, pobre, defende: “A medida que garante mais dignidade e qualidade de vida é aumentar a pensão social e a mínima do regime contributivo.”

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