Público Edição Digital

Instituto da Conservação da Natureza reconhece destruição de habitat em Sines

Apesar do conteúdo das escutas reveladas na investigação criminal, Nuno Banza diz que não tenciona demitir-se

Ana Henriques

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) admite que as obras destinadas à construção do centro de dados de Sines, um empreendimento sob investigação judicial, destruíram um habitat protegido, em concreto um charco temporário. Na sequência de uma fiscalização realizada entre 13 e 17 de Novembro, o ICNF divulgou ontem um comunicado no qual anuncia que deu conta das conclusões desta acção à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, entidade responsável pela instrução e decisão dos processos contra-ordenacionais relativos aos incumprimentos detectados.

Foi erguido um equipamento em cima de uma zona protegida, revela a nota de imprensa: “A condição de garantir a integridade do charco temporário identificado no primeiro parecer do Instituto da Conservação da Natureza, relativo à construção do primeiro pavilhão do centro de dados em área fora da Zona Especial de Conservação da Costa Sudoeste, não foi cumprida, estando o edifício construído em cima da área identificada”.

Por outro lado, um dos dois locais identificados como contendo vegetação a transferir foi parcialmente aterrado, não tendo sido apresentado ainda o necessário Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução por parte do promotor, enquanto o segundo, “devido provavelmente a alterações ambientais, se encontra invadido por espécies exóticas”, adianta o instituto, explicando que, apesar de os dois charcos temporários identificados nos terrenos do projecto terem sido classificados como degradados pelos especialistas, da respectiva declaração de impacte ambiental constava uma medida de compensação da perda de habitat que previa a transferência de exemplares de uma espécie de urze chamada Erica ciliaris.

Escutas levadas a cabo pelos investigadores da Operação Influencer

mostram que, depois de ter avisado que iria dar parecer desfavorável ao projecto do centro de dados de Sines, por causa das espécies e dos habitats prioritários ali existentes, o presidente do ICNF acabou por aceitar que ele fosse erguido numa zona que a lei protege por causa da existência de exemplares de falcões-peregrinos e outras espécies ameaçadas, bem como por via dos habitats da flora e da fauna, nomeadamente as charcas. Diz o Ministério Público que Nuno Banza sucumbiu às investidas de João Galamba e do então chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária.

Ouvido pelo PÚBLICO, Nuno Banza garantiu que não tenciona demitirse. E recusa-se a comentar o teor das escutas em que foi ouvido pelas autoridades, primeiro a resistir, e depois a ceder às pressões dos arguidos.

Numa conversa que manteve com o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, o agora arguido Nuno Lacasta, Nuno Banza foi avisado por este de que no que dizia respeito à primeira fase do empreendimento o assunto estava sanado: “Nós estamos já completamente organizados com o promotor, há um ano e tal. Eles têm sete módulos, desses sete módulos estão agora a construir dois, foram isentados de Avaliação de Impacte Ambiental. Já está resolvido esse tema, percebes? Há um compromisso do promotor que depois fará uma Avaliação de Impacte Ambiental para o resto da coisa, mas são sete módulos, é uma coisa gigante, são não sei quantos hectares, portanto isso está tudo resolvido, está tudo feito, está tudo tratado, está tudo tranquilo”.

O presidente do ICNF bem tenta argumentar: “Aquilo tem lá umas espécies prioritárias e uns habitats prioritários...” Mas o seu interlocutor insiste: “E tu não consegues fazer uma espécie de compensação (…) ali perto?” Banza responde-lhe que não: “Tu consegues fazer isso para os habitats da directiva, desde que não sejam prioritários. Aquela merda é quase intocável, ’tás a ver? Vou ter de dar parecer desfavorável.”

Horas depois, o mesmo dirigente recebe um telefonema do então secretário de Estado da Energia João Galamba durante o qual já se mostra aberto a viabilizar o projecto: “Tens que me ajudar a meter na cabeça desta gente que a solução não é eu ir perguntar nada a Bruxelas. A solução é eu fazer o processo de avaliação de impacto ambiental, e, se houver necessidade, propor as medidas compensatórias, fechar o processo, licenciá-lo e deixar lá estar a Zona Especial de Conservação na maior, ’tás a ver?...”

“Cumprimos a lei”

Ao PÚBLICO Nuno Banza assegura não existirem razões para se demitir, uma vez que não é arguido nem foi alvo de buscas. “Não demos tratamento privilegiado a nenhum processo”, declara, “e tudo isto pode ser comprovado através da respectiva documentação”. Afirmando-se disponível para colaborar com as autoridades, que garante não o terem ouvido sobre o assunto, o presidente do ICNF recorda que neste organismo ninguém decide sozinho: “Quando um pedido dá entrada é analisado pelos técnicos. Os dirigentes tomam as decisões finais com base nesse procedimento administrativo. Não há nenhum processo que seja decidido por uma só pessoa”.

“Cumprimos a lei”, diz ainda o mesmo dirigente. “Quanto ao conteúdo das escutas nem o conheço oficialmente, até porque o inquérito judicial está em segredo de justiça”, acrescenta.

Os resultados da fiscalização levada a cabo pelo ICNF nos últimos dias foram ainda transmitidos à Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território. E também à Agência Portuguesa do Ambiente, a entidade cujo presidente foi constituído arguido.

Sociedade

pt-pt

2023-11-29T08:00:00.0000000Z

2023-11-29T08:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281779928882150

Publico