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IPDJ contratou serviços de engenharia a filho de ex-deputado sem essa formação

Negócio de 926 mil euros para testes à covid-19 na mira da PJ. No centro das suspeitas está um deputado do PS, João Paulo Rebelo, que na altura dos factos era secretário de Estado do Desporto

Mariana Oliveira

O Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) contratou em Março de 2019 para prestar serviços de engenharia no âmbito do Programa de Reabilitação de Infra-Estruturas Desportivas o filho do antigo deputado socialista e ex-presidente da Federação Distrital de Viseu do PS, José Junqueiro, que não era então engenheiro. Agora, mais de quatro anos passados, L. Junqueiro aparece inscrito na Ordem dos Engenheiros como engenheiro civil estagiário.

Este é um dos contratos que estão na mira da Polícia Judiciária (PJ), que ontem realizou buscas ao IPDJ, ao Centro Hospitalar Tondela-Viseu, à Cruz Vermelha Portuguesa, ao grupo empresarial ALS e ao Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). Foram ainda alvo de buscas duas habitações (uma em Viseu e outra em Lisboa) do deputado socialista João Paulo Rebelo, que na altura dos factos era secretário de Estado da Juventude e Desporto, com a tutela do IPDJ. O antigo governante é o elo que liga várias pontas deste caso, mas ainda não foi constituído arguido.

Rebelo é actualmente deputado na Assembleia da República, onde coordena a comissão de assuntos europeus. Segundo o seu registo de interesses, o gestor de 49 anos possui ainda uma sociedade unipessoal dedicada à exploração agrícola, com sede em Viseu, círculo por onde foi eleito.

Também buscada foi a residência de L. Junqueiro, que prestou serviços ao IPDJ entre Abril de 2019 e final de Março de 2020, um contrato que lhe valeu 20.664 euros, já com IVA incluído.

Todas as diligências ocorreram no âmbito da Operação Arrangements, um inquérito que está a ser dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que delegou a investigação na Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ. Em causa estão suspeitas da prática dos crimes de participação económica em negócio, abuso de poderes por titular de cargo político e usurpação de funções.

Menos caricatos, mas mais significativos são os outros dois negócios sob suspeita, que envolvem o grupo ALS, uma multinacional que em Portugal está sediada em Tondela e que tem como presidente do conselho de administração João Cotta, que já desempenhou o cargo de vice-presidente da Assembleia Municipal de Viseu pelo PSD. Este fundou em Janeiro de 2014 com João Paulo Rebelo uma outra empresa, a Legenda Transparente, Lda (dona do Jornal do Centro). O deputado socialista renunciou em Outubro de 2015 aos cargos que tinha nesta empresa, passando a sua quota para as mãos de Cotta.

Negócios para testes à covid

É o próprio DCIAP que, numa nota divulgada ontem, dá conta da existência de “suspeitas de favorecimento de contratação pública respeitante a análises de testes do vírus SARS-COV-2”.

O negócio mais significativo, no montante de 926 mil euros, foi assinado entre a Controlvet (que depois de várias fusões assumiu o nome de ALS Life Sciences) e o Centro Hospitalar

de Tondela-Viseu, em Junho de 2020. Estranho é que uns meses antes, em Março, o centro hospitalar tinha celebrado um protocolo com a mesma Controlvet com a duração de seis meses para a realização de testes de despiste da covid-19, que previa a realização gratuita dos exames e só podia ser cancelado após um pré-aviso de 90 dias.

Apesar disso, noticiou o Jornal de Notícias em Agosto de 2020, em pouco mais de dois meses o protocolo cai por terra e o CHTV faz um outro por ajuste directo àquela empresa, válido por 90 dias e com um custo de 472.500 euros mais IVA, que implicava a possibilidade de serem realizados até 150 testes por dia a um custo de 35 euros cada.

Mesmo depois da notícia, o contrato foi prorrogado, só tendo sido dado como fechado em Março de 2021. No portal da contratação pública diz-se que a causa da extinção do contrato foi o não cumprimento integral do mesmo. Curioso é que o contrato refere que é feito na sequência de uma adjudicação datada de 9 de Junho de 2020, mas é assinado a 4 de Junho, ou seja, cinco dias antes. No portal da contratação, a data de assinatura que aparece no resumo do negócio é 18 de Junho.

Em investigação estará ainda outro negócio que envolveu aquele grupo privado igualmente contratado para realizar testes à covid-19 nos lares do distrito de Viseu. Em Maio de 2020, o JN noticiava que a escolha da ALS ocorreu após uma indicação de João Paulo Rebelo, o secretário de Estado que tinha ficado de acompanhar o combate à pandemia na região Centro.

A notícia falava de um email do então presidente da Câmara de Viseu, Almeida Henriques, em que este referia o envolvimento do então secretário de Estado, que, na altura, negou ter intervindo na escolha da empresa.

Mais tarde, Rebelo admitiu que sugeriu a empresa ligada ao ex-sócio como uma das possíveis para realizar os testes à covid-19, mas negou qualquer “interesse económico” em fazê-lo. Esta despistagem terá sido feita através da Cruz Vermelha Portuguesa, entidade que terá estabelecido um protocolo com uma empresa do grupo ALS. É por causa destes dois negócios que a PJ esteve no INSA, que validava os métodos científicos usados para a realização dos testes à covid-19 e que, por isso, contactou com o grupo de Tondela, que fez parte de uma lista alargada de laboratórios autorizados a realizar os testes.

“As diligências visam a obtenção de prova relacionada com factos susceptíveis de constituir crimes de participação económica em negócio e de abuso de poderes por titular de cargo político, bem como de usurpação de funções”, lê-se no comunicado do DCIAP.

Sociedade Justiça

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2023-11-29T08:00:00.0000000Z

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