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Polícia e ONG israelitas chamam a atenção para violações no ataque do Hamas

ONG recolhem testemunhos e vêem imagens dos ataques. Há sinais em alguns corpos e relatos de sobreviventes que assistiram a ataques sexuais violentos

Maria João Guimarães

A polícia israelita anunciou na última terça-feira a abertura de uma investigação a crimes de natureza sexual levados a cabo pelo Hamas durante os ataques de 7 de Outubro em Israel, quando várias especialistas se juntaram numa organização não governamental para chamar a atenção para esta faceta do ataque que dizem estar a receber pouca atenção.

A escala e natureza do ataque do Hamas a 7 de Outubro fizeram com que a prioridade absoluta fosse identificar corpos e prepará-los para que as famílias pudessem fazer um funeral, mas, dado o estado de muitos deles, essa missão era difícil — ainda há pouco mais de uma semana as autoridades israelitas reviram o número de mortos para 1200 e não 1400, o número inicial.

Mas logo na própria manhã de 7 de Outubro, enquanto o ataque estava ainda a decorrer, foi possível ver um caso de uma violação, já que, entre os vários vídeos gravados pelos próprios membros do Hamas e transmitidos ao vivo nas redes sociais, havia um, no festival de música, que mostrava uma mulher a ser violada, disse Cochav Elkayam-Levy, presidente de uma comissão criada para chamar a atenção para os crimes de 7 de Outubro contra mulheres, numa conferência de imprensa em vídeo para os media internacionais organizada pelo Clube de Imprensa de Jerusalém.

Houve ainda relatos de sobreviventes dos festivais que descreveram violações a que assistiram. Um deles foi mostrado pela polícia de Israel na terça-feira, quando anunciou que iria abrir um processo dedicado aos casos de violência sexual de 7 de Outubro.

A testemunha relata ter visto uma mulher a ser violada por vários homens, ser mutilada ainda viva, e morta a tiro durante a violação. “Uma pessoa é curvada e percebo que está a ser violada, é passada a outra pessoa”, descreveu a sobrevivente, cujo testemunho foi gravado em vídeo, confirmando que a vítima estava viva, de pé e a sangrar das costas, durante o ataque. É morta enquanto decorre a última violação. O testemunho, que tem detalhes violentos, foi também referido na CNN.

Mirit Ben Mayor, responsável de comunicação da polícia, disse, citada pelo Times of Israel, que a polícia conseguiu identificar o caso descrito nesse testemunho.

O chefe da polícia Kobi Shabtai afirmou que as investigações que decorrem mostraram já “provas indicando violações [e] amputação de órgãos”, cita o mesmo jornal.

A investigação não será feita como numa investigação de um caso individual de violação, já que a recolha de provas dos corpos não pode ser feita pela escala das mortes e pelo estado de muitos cadáveres, diz Ben Mayor, acrescentando que há “provas circunstanciais” que serão “suficientes para uma acusação”.

“O estado dos corpos que chegaram, corpos no campo, as histórias que as pessoas contam, a condição dos corpos que chegaram a Shura”, a morgue improvisada onde foi feita a identificação dos corpos, “dizemos que houve violações, que houve ataques sexuais”, concluindo: “não há espaço para dúvidas sobre esses acontecimentos.”

Em declarações à emissora France 24, a especialista em crimes de guerra Céline Bardet, fundadora da ONG Not a Weapon of War, diz que, embora a falta de elementos forenses seja um problema, não é uma parte essencial para uma acusação, já que em muitos conflitos do mundo também não há estes elementos e há outros meios de prova, de testemunhos directos ou indirectos, a vídeos, como aconteceu no Ruanda.

Cochav Elkayam-Levy disse que há, além dos testemunhos do festival e de imagens vídeo, o estado em que alguns corpos foram encontrados: “Vimos imagens de mulheres sem roupa da cintura para baixo, de pernas afastadas, mutiladas, corpos queimados, parcialmente queimados”, diz.

Num vídeo feito para mostrar a jornalistas sobre o que aconteceu a 7 de Outubro, baseado em imagens do próprio Hamas, em que alguns membros levaram câmaras para documentar o ataque, estavam imagens de mulheres nuas da cintura para baixo, algumas só com roupa interior, uma sem nada.

Elkayam-Levy também refere que as equipas de socorro que chegaram primeiro ao local encontraram sinais de violação, citando o testemunho de um paramédico que descreve ter encontrado num dos kibbutzim duas

adolescentes deitadas de costas, uma no chão e outra em cima da cama, uma sem as calças e com vestígios de sémen nas costas, e um tiro na cabeça, a outra com várias nódoas negras no corpo.

“Houve ainda trabalhadores forenses que detalharam ter encontrado corpos com sinais de violação com tanta brutalidade, com sangramento vaginal, com ossos partidos, incluindo da pélvis”, disse Elkayam-Levy na conferência de imprensa.

Finalmente, acrescentou ElkayamLevy, houve alguns membros do Hamas que, em interrogatórios em Israel, admitiram que parte da sua missão era “profanar” as mulheres. Um deles, quando questionado sobre o que queria dizer “profanar”, disse que era “violar”.

Na conferência do Clube de Imprensa de Jerusalém, Yifat Bitton, presidente do Centro Contra a Discriminação, uma organização que apoia mulheres que sofreram crimes sexuais, explicou que estes casos são difíceis porque porque a necessidade de recolher testemunhos de casos de violência sexual “tem de andar a par com a necessidade de tratar as pessoas [que os relatam] como quase vítimas” pelo que viram.

Há ainda outra questão: o objectivo da investigação legal “não é apresentar provas ao público, mas recolhê-las de modo que seja possível serem usadas pela polícia, pela procuradoria”, para que haja processos. “Há de certo modo um conflito entre as pessoas terem necessidade de ver provas e o interesse de que seja feita justiça.”

A falta de elementos forenses não é uma parte essencial para haver uma acusação

Membros do Hamas admitiram que parte da sua missão era “profanar” as mulheres

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2023-11-19T08:00:00.0000000Z

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