Público Edição Digital

Américo Aguiar garante que Igreja não ficará “nem com um cêntimo” do lucro da JMJ

O novo bispo de Setúbal criticou ausência de notícias sobre estudo relativo a abusos sexuais que o Governo prometeu

Natália Faria

O novo bispo de Setúbal, D. Américo Aguiar, que tomará posse no dia 26 de Outubro, tem na sua linguagem directa uma das imagens de marca e, na conferência de imprensa de ontem, que se dedicava a falar sobre a sua nomeação para aquela diocese, não fugiu a falar dos abusos sexuais de menores para deixar uma crítica velada à ausência de informações quanto ao levantamento que o Governo se comprometeu a fazer daqueles crimes nos diferentes espaços de socialização das crianças.

“Quando recebemos os números das autoridades, vemos que, infelizmente, continuam a acontecer centenas de casos anualmente em Portugal. Isso significa que ainda não fizemos tudo para a tolerância zero”, disse, para considerar que a Igreja Católica portuguesa fez “e está a fazer” o seu trabalho “mais ou menos de boa vontade e de sorriso aberto”, mas que o mesmo não se pode dizer dos restantes sectores da sociedade.

“Gostava que tivéssemos noção [do que se passa] em todas as áreas da sociedade mais sensíveis a essa matéria, que soubéssemos que estão a trabalhar. Se calhar estão, mas era bom que isto fosse transversal”, declarou, dizendo desconhecer o que se passa relativamente ao levantamento que o Governo se propôs fazer sobre os abusos perpetrados nos principais locais de socialização das crianças, nomeadamente a família e as escolas.

Em Março passado, e ainda no rescaldo da divulgação do relatório que estimou que pelo menos 4815 crianças terão sido vítimas de abuso no seio da Igreja Católica portuguesa desde 1950 até à actualidade, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, referiu que o estudo alargado à sociedade em geral iria avançar, dando assim cumprimento a uma das recomendações do relatório Dar Voz ao Silêncio, e que a investigação seria coordenada pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças, presidida por Rosário Farmhouse.

Desde então, nada mais se disse sobre o assunto. “Confesso que não sei qual foi o seguimento dessa recomendação, mas até nas minhas novas responsabilidades tenho obrigação e contexto para questionar e para sensibilizar e para ser um catalisador para que isso aconteça”, afirmou. “Estou convencido de que nas escolas se tem feito um trabalho muito importante, mas não se ouve”, alertou, dizendo ser muito importante a divulgação deste trabalho, para que todos se convençam de que “a tolerância zero” é para vigorar dentro e fora da Igreja.

O futuro bispo de Setúbal, que tem um bilhete de avião para Roma, onde, no consistório do próximo dia 30, vai ser elevado a cardeal, revelou ainda que abandonará as suas funções como presidente do Conselho de Gerência do Grupo Renascença Multimédia antes de assumir a liderança da nova diocese.

Américo Aguiar garante que o dinheiro será aplicado em projectos em prol da juventude

Quanto ao seu trabalho enquanto presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude ( JMJ) 2023, adiantou que continuará a trabalhar para “fechar contas e processos” e aproveitou para enfatizar que, do valor que a fundação conseguiu arrecadar, como superavit, a Igreja não ficará “nem com um cêntimo”. “Todo esse dinheiro será aplicado em projectos em prol da juventude de Lisboa e de Loures”, garantiu, sem precisar montantes.

Quanto ao retorno económico da JMJ para o país, Américo Aguiar diz acreditar que o valor se situará entre os 411 e 546 milhões de euros no valor acrescentado bruto (VAB) estimado por um estudo feito pela consultora PwC a pedido da organização do evento. “A jornada não correu mal nem deu prejuízo, parece-me que correu bem e deu lucro”, sublinhou, adiantando que a fundação está por estes dias a fazer os últimos pagamentos relativos à alimentação, mais concretamente aos cerca de dois mil operadores da restauração aos quais a JMJ terá de pagar um montante global de 18 milhões de euros. “Gostava de que até ao final de Outubro, início de Novembro, fosse possível apresentar as contas finais da semana da jornada”, disse.

De autarca a cardeal

À beira de completar os 50 anos, Américo Aguiar chegou a ser apontado como candidato ao lugar deixado vago pelo cardeal-patriarca de Lisboa emérito Manuel Clemente (lugar entretanto ocupado por Rui Valério, que transitou das Forças Armadas). Mais recentemente, surgiram notícias dando conta da possibilidade de liderar o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida no Vaticano, em Roma. Mas, questionado pelos jornalistas, o futuro cardeal negou sentir-se desiludido. “Se tinha gosto de ir para Roma para um dicastério? Se calhar, tinha, mas depois, pensando melhor, a resposta é que nem por isso, em razão do meu perfil de fazedor”, reagiu, dizendo-se preparado para assumir a nova função “em full time”.

Composta por 57 paróquias, a diocese de Setúbal estava há quase dois anos sem bispo — desde que José Ornelas transitou para Leiria-Fátima.

A poucos dias de chegar, Américo Aguiar predispôs-se a honrar a memória de D. Manuel Martins, o primeiro bispo da diocese de Setúbal (entre 1975 e 1998), como ele nascido em Leça do Balio, concelho de Matosinhos, prometendo copiar-lhe o “caminho de entrega, de fidelidade”.

Nascido em 12 de Dezembro de 1973, Américo Manuel Alves Aguiar entrou no Seminário Maior do Porto em 1995, isto é, com 22 anos, já depois de se ter licenciado em Teologia, a que se seguiu um mestrado em Ciências da Comunicação. Para trás deixou uma curta actividade como deputado municipal pelo PS em Matosinhos, onde terá chegado pela mão de Narciso Miranda. Em 2001 foi pároco de Campanhã, uma das freguesias mais carenciadas do Porto, antes de ser escolhido como chefe do gabinete de informação da Diocese do Porto, onde esteve entre 2002 e 2015.

No Patriarcado de Lisboa, para onde foi chamado pelo cardeal-patriarca emérito D. Manuel Clemente, dirigiu o jornal diocesano e o departamento de comunicação do patriarcado. Acabou por ser nomeado bispo em Março de 2019.

Sociedade

pt-pt

2023-09-22T07:00:00.0000000Z

2023-09-22T07:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281736979066601

Publico