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Graffiti nos comboios estão a aumentar. CP quer que sejam crime

Há um turismo de grafitagem que aproveita legislação mais branda em Portugal. Prejuízos já são de 320 mil euros

Carlos Cipriano

3 Janeiro de 2023. Quatro grafitters atacam automotoras paradas na estação de Tomar e deixam a sua marca. Pelo tipo de pinturas e assinaturas, a segurança da CP relaciona-os com o mesmo grupo que, dias antes, fizera outra operação de grafitagem nas oficinas do Entroncamento. Sabe-se que são três franceses e um português, este último referenciado por acompanhar estrangeiros neste tipo de acções.

4 de Outubro de 2023. No curto período de tempo em que um comboio suburbano parou na estação de Entrecampos, um jovem pintou uma grande parte das carruagens com uma lata de spray, à vista de toda a gente, antes de se pôr em fuga, misturado na multidão. Testemunhas garantiram que era um homem alto e louro, possivelmente estrangeiro.

7 Outubro de 2023. A PSP apanha, às 2h15 da manhã, um francês que estava a grafitar comboios estacionados na estação do Cais do Sodré.

7 de Outubro de 2023. Uma jovem sueca, passageira de um Alfa Pendular proveniente de Lisboa e com destino ao Porto, pinta o interior de duas carruagens depois de já o ter feito na casa de banho. Interpelada pelo revisor, diz que não tem bilhete e assume um comportamento tresloucado, gritando com toda a gente. Na estação de Pombal, é detida pela polícia e fica algumas horas na esquadra antes de pagar uma multa. Neste caso, tratavase de uma activista climática que, paradoxalmente, resolveu pintar o modo de transporte mais amigo do ambiente.

8 de Outubro de 2023. Também no Cais do Sodré, um russo e um ucraniano são apanhados a grafitar comboios. Em ambos os casos, os grafitters foram mandados para casa depois de identificados pela PSP, que apreendeu as latas de tinta.

8 de Outubro de 2023. Um grupo de grafitters é apanhado a pintar comboios no Cais do Sodré e põe-se rapidamente em fuga. Só um é apanhado: um holandês, que acaba detido. A investigação posterior revela que o resto do grupo era composto por um alemão, um espanhol e um português.

Assiste-se este ano a um pico de grafitagem dos comboios da CP como não se via há muito tempo. Desde Janeiro de 2023, já foram pintados 43.608 metros quadrados de superfície de comboios, o equivalente a sete campos de futebol. Ainda o ano não findou e constata-se que já foi grafitada mais 67% de superfície do que há dois anos.

Os custos são enormes. Entre Janeiro e Outubro, a CP já gastou cerca de 320 mil euros para remover os grafitti, devendo esse valor chegar aos 400 mil euros até ao fim do ano. Nesta contabilidade entram apenas a mão-de-obra e os produtos de remoção de pinturas. No longo prazo, emergem outros custos, como o dos danos provocados nas borrachas, nos vidros e na pintura original das carruagens.

E há ainda outro tipo de custos — o do tempo de imobilização dos comboios para poderem ser lavados. Isto numa empresa que, mercê de décadas de desinvestimento, luta com uma desesperante falta de material circulante. Em 2021, a CP contou 2897 horas médias de imobilização do material circulante para remover os grafitti, um valor que subiu para 3147 em 2022 e que já vai em 4845 até Outubro de 2023.

O facto de muitos grafitters serem estrangeiros, com predominância para os espanhóis, leva a administração da CP a acreditar que há um turismo de grafitagem em Portugal por se saber que a legislação portuguesa é mais branda face às dos outros países.

A lei prevê contra-ordenação para os autores de pichagens nos comboios, se bem que a jurisprudência de tribunais superiores não afasta a aplicação do crime de dano se se encontrarem preenchidos os seus requisitos. A CP costuma fazer participação criminal, alegando que, mais do que desenhos e manchas de tinta aplicadas nos comboios, está em causa a vandalização e danificação dos seus activos.

Mas, com um regime jurídico tão dúbio, torna-se difícil distinguir onde acaba a contra-ordenação e começa o crime. E como in dubio pro reo, grande parte dos grafitters acaba por não ser acusado do crime.

Com a situação a agravar-se, a CP vai pedir ao Governo uma alteração legislativa que extinga o regime de contra-ordenação e clarifique o acto de grafitar como um crime de dano. O objectivo é que uma legislação mais penalizadora dissuada a prática dos grafitti, sobretudo para os estrangeiros que, até agora, se sentem mais seguros em Portugal a pintar comboios do que nos seus países.

A menos que a Assembleia da República autorize o Governo a fazer um decreto-lei sobre esta matéria, o mais provável é que esta alteração legislativa passe pelo próprio Parlamento. Com a recente crise política instalada, não se sabe, porém, quando poderá este assunto ser discutido.

Casos de violência

Outra dificuldade é ao nível investigatório. Se não existir flagrante delito, dificilmente algum grafitter é condenado, mesmo que seja apanhado nas imediações de um depósito de material ferroviário com latas de tinta e equipado com um passa-montanhas. Em tribunal alegará que não pintou nada e, não havendo testemunhas, será mandado em paz. Por outro lado, mesmo as imagens das câmaras de vigilância podem revelar-se pouco úteis quando os assaltantes estão embuçados.

É por isso que os serviços jurídicos da CP têm um largo historial de arquivamentos por falta de indícios. Na verdade, há muitos mais arquivamentos do que acusações. O que só aumenta a frustração do departamento de segurança da CP, cujos responsáveis já acumularam um razoável conhecimento dos grafitters, do seu modus operandi, dos próprios desenhos e assinaturas, e até da sua identidade, pois muitos são “velhos conhecidos” apanhados vários vezes a pintar comboios.

Algumas acções de grafitagem assumem foros de operação militar. Obedecem a um planeamento que passa pelo reconhecimento de terreno e depois o assalto propriamente dito. Os parques de material ocupam centenas de metros e basta o vigilante estar no lado oposto para dar tempo para saltar a vedação e rapidamente pintarem um comboio inteiro. No exterior, há quem fique de vigília, preparado para dar o alerta.

Muita gente desconhece que estes grupos podem ser violentos. Vários vigilantes ao serviço da CP ou da IP já foram agredidos e tiveram de receber tratamento hospitalar.

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