Público Edição Digital

“São situações extremas.” Um quinto das crianças vive numa família pobre

No Dia Universal dos Direitos da Criança, a Pordata traça um retrato das crianças e jovens que vivem em Portugal. Hoje, são cerca de 1,3 milhões, menos um milhão do que há 50 anos

Cristiana Faria Moreira

Portugal é o país da União Europeia onde mais crianças entre os três e os seis anos passam 30 ou mais horas por semana no infantário. Se, no país, essa percentagem chega aos 87,2%, a média dos países da União Europeia (UE) fica-se pelos 53%. Pode haver várias explicações que justifiquem este cenário, mas, para a directora da Pordata, Luísa Loura, há uma ligação directa com a longa jornada de trabalho dos pais, as baixas remunerações e a necessidade de trabalhar mais para conseguir fazer face a todas as despesas.

O retrato à pobreza, ao contexto familiar e ao percurso escolar das crianças e jovens que vivem em Portugal, que a Pordata publica hoje a propósito do Dia Universal dos Direitos da Criança, sublinha que essas dificuldades se reflectem no facto de um quinto das crianças e jovens até aos 15 anos que viviam em Portugal em 2021 estarem em situação de pobreza.

Quer isto dizer que estas cerca de 266 mil (19%) crianças, das quais 76 mil com menos de seis anos, viviam numa família com rendimentos abaixo do limiar de pobreza. Isso significa, por exemplo, um agregado de quatro pessoas (pais e dois filhos) viver com menos de 1156 euros mensais líquidos, já após prestações sociais.

Para Luísa Loura, este valor é muito mais revelador das verdadeiras dificuldades das famílias. “Isto significa 1156 euros para quatro pessoas. Para mim, este número é mais preocupante do que propriamente os 19%. É esse número que me diz que as pessoas vivem mesmo com muitas dificuldades. São situações extremas. Portugal tem dos limiares de pobreza mais baixos da Europa. Em Espanha, por exemplo, ronda os 1750 euros e o custo de vida não é assim tão mais elevado do que aqui”, observa.

O retrato que a Pordata, base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, traça aos 1,3 milhões de crianças e jovens até aos 15 anos que, em 2022, viviam em Portugal lembra ainda que são menos um milhão do que há 50 anos. São apenas 13% do total da população, o que coloca o país entre os dois Estados-membros da UE — só atrás da Itália — com menor proporção de crianças e jovens na sua população. Em 50 anos, deverão ser apenas um milhão.

Entre estas crianças e jovens, mais de 65 mil têm nacionalidade estrangeira, com destaque para a brasileira (45%), angolana (8%) e chinesa (4%). Cerca de 12 mil já nasceram em Portugal.

Saúde dentária

Essas situações de pobreza reflectem-se, por exemplo, no acesso a cuidados médicos. “Em 2021, 1,7% das famílias afirmaram que as suas crianças não conseguiram aceder a cuidados médicos (valor abaixo da média europeia, de 3,6%), mas esta percentagem sobe para 6,6% nas famílias que estão em situação de pobreza (e, aqui, o valor é superior aos 5% da média europeia)”, observa a Pordata.

E isso é particularmente visível ao nível dos cuidados dentários, já que 6,4% das famílias dizem não ter acespré-escolar. so a estes cuidados (a média europeia é de 4,4%), sendo que a proporção sobe para 17,7% nas famílias em situação de pobreza — quase o dobro da média europeia. Isso coloca Portugal no quinto lugar entre os países da UE onde há maior proporção de crianças sem acesso a cuidados dentários — o primeiro, quando falamos de crianças em situação de pobreza.

“Está tudo interligado. Com estes mínimos de subsistência, os cuidados médicos, as idas a dentistas, deixam de ser prioritários para as famílias”, sublinha a directora da Pordata.

Como se sabe, a fragilidade económica que estas enfrentam tem também um forte impacto na transmissão intergeracional da pobreza e, por consequência, no futuro das crianças. O último relatório “Portugal e o Elevador Social: Nascer pobre é uma fatalidade?”, um complemento ao estudo “Portugal, Balanço Social”, que analisa indicadores referentes à pobreza e às condições socioeconómicas das famílias que vivem em Portugal, concluía que uma em cada quatro pessoas que cresceram numa família com baixos recursos permaneceu nessa situação de pobreza.

Esse contexto mais desfavorecido tem também impacto no percurso escolar das crianças e dos jovens. Luísa Loura lembra que, apesar de os resultados nas edições anteriores do PISA (uma grande avaliação internacional à literacia dos alunos de 15 anos dos países da OCDE nas áreas das Ciências, Matemática e Leitura) terem trazido melhores resultados para Portugal, era “muito claro que a desigualdade de resultados consoante o meio socioeconómico era muito acentuada”. “E estou em crer que não se terá conseguido dar resposta a esse problema”, frisa a directora da Pordata.

Ainda antes da entrada no 1.º ciclo do ensino básico, 89% das crianças frequentavam, em 2021, o ensino É um valor ligeiramente acima da média europeia, que é de 88%. Em alguns países como a Hungria, Suécia, Espanha, Países Baixos ou Bélgica, essa percentagem chega aos 98%.

Em Portugal, menos de metade das crianças até aos 3 anos (48%) estavam enquadradas em serviços de educação na primeira infância, um valor que é superior à média da UE (36%). Olhando para o contexto europeu, “apenas em sete países da UE27 se verifica que mais de metade das crianças estavam nestes serviços educativos formais, com destaque para a Dinamarca e os Países Baixos, onde mais de 70% das crianças frequentam a creche”, realça a Pordata.

A deficiente cobertura de creches é, de resto, uma dificuldade reconhecida no país, já que o número de lugares disponíveis na rede solidária não chegava para acolher metade das crianças até aos três anos.

Sociedade Pobreza Infantil

pt-pt

2023-11-20T08:00:00.0000000Z

2023-11-20T08:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281694029516610

Publico