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Só um terço dos alunos da Universidade de Lisboa vai para as aulas motivado

Inquérito a quase 8 mil alunos identificou 15,3% em risco de burnout e 25% com níveis muito severos de stress

Joana Gorjão Henriques

Só cerca de um terço dos 52 mil alunos de todas as faculdades da Universidade de Lisboa (UL) vai para as aulas com motivação para estudar, mostra um inquérito desenvolvido por aquela instituição.

Executado entre 18 de Abril e 10 de Junho de 2022, e com 7756 respostas, foi o primeiro questionário sobre saúde mental com esta dimensão feito pela UL a alunos de todos os níveis de ensino das 18 faculdades, segundo a pró-reitora com o pelouro do bem-estar, Maria José Chambel.

De acordo com os resultados divulgados ao PÚBLICO, só 36,4% dos alunos reporta “engagement académico” pelo menos uma vez por semana — que a equipa que desenvolveu o estudo define como “estado psicológico de bem-estar cognitivoafectivo positivo”. E só 14,5% diz sentir este bem-estar na maior parte do tempo. O engagement foi medido por uma escala com nove itens que avaliam o entusiasmo e a dedicação em relação ao trabalho académico. Por exemplo, perguntando: “Quando acordo de manhã, sinto-me bem para ir para as aulas ou estou entusiasmado com os meus estudos?”, explica Maria José Chambel.

“Estudantes com elevado engagement trabalham duro (vigor), estão profundamente envolvidos (dedicação e felizes (absorção) com o seu trabalho. São proactivos, sentem as actividades académicas como um desafio e têm uma motivação forte para as realizarem”, lê-se no resumo do inquérito.

O trabalho teve como objectivo avaliar “dois aspectos da saúde mental dos alunos”: indicações de perturbação e de entusiasmo. E os dados sobre este último aspecto deixaram os responsáveis apreensivos. “Não pensámos que a larga maioria dos nossos estudantes, que tem entre 18 e 23 anos, tivesse um nível de engagement tão baixo face ao que era desejável”, acrescenta Maria José Chambel, esclarecendo que ainda não analisaram as motivações que poderão estar por detrás destas respostas.

A universidade não forneceu o documento com todos os resultados por defender que se trata de material de trabalho interno. Também não quis desagregar resultados por faculdades por considerar que “poderia ter um efeito de contágio”. Maria José Chambel sublinha que as diferenças não são muito grandes, à excepção da Faculdade de Motricidade Humana, onde os resultados são mais positivos.

Porém, especificou que a probabilidade de ter um nível mais baixo de engagement é mais saliente nos estudantes que não se identificam com os termos dicotómicos para a definição de género, que frequentam uma licenciatura ou mestrado integrado, que estão a ter acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, ou que manifestam essa necessidade. Pelo contrário, quem está a fazer doutoramento e é aluno estrangeiro, tem menor probabilidade de reportar um nível mais baixo de engagement.

Já em relação ao burnout,são 15,3% os estudantes identificados como estando em risco. Esta é “a forma mais frequente de stress no contexto académico”, lê-se no documento. A percentagem refere-se aos estudantes que disseram ser diariamente, ou algumas vezes por semana, confrontados com sintomas associados àquele estado de exaustão.

Burnout pode ser definido como um estado psicológico de exaustão física (sentimento de fadiga extrema e ausência de energia), cognitiva ou mental (dificuldades de concentração e raciocínio) e relacional (dificuldade de relação com os outros com desinvestimento interpessoal), conforme sintetiza o relatório.

Além do burnout, 25% dos estudantes apresenta níveis severos ou muito severos de stress, 26,4% apresenta níveis de ansiedade e 25,2% de depressão — factores mais acentuados nos alunos com o perfil referido anteriormente, e nos alunos portugueses deslocados da sua área de residência. Neste caso, os estudantes do género masculino, que frequentam um doutoramento e que consideram que com o rendimento do seu agregado familiar é confortável têm menor probabilidade de reportar níveis elevados de stress, ansiedade ou depressão.

Consultas aumentam 300%

Em termos médios, a percentagem geral apurada de nível de ansiedade é considerada “moderada” e o nível de depressão, “baixo”, refere o mesmo documento.

Os números em relação a perturbações de saúde mental não são “considerados alarmantes” pela universidade, afirma a pró-reitora, “tanto mais que vários estudos internacionais têm vindo a reportar valores de aproximadamente 50% para as situações de de perturbação o mental nos estudantes do ensino superior”. “Obviamente que o objectivo é ter 0% de pessoas com problemas de saúde mental”, ressalva, para acrescentar: “O que importa é desenvolver cada vez mais estratégias preventivas e respostas de intervenção.”

Segundo a pró-reitora, os serviços de apoio psicológico cresceram cerca de 300% entre 2015, quando asseguraram 1813 consultas, e 2021, ano em registaram 4158. E nestas o stress e a ansiedade constituíram as problemáticas mais frequentes (55%) e a seguir a depressão (22%).

O centro médico da universidade tem dez psicólogos que realizam consultas diariamente e que servem todas as faculdades; além disso, em nove das faculdades, há gabinetes de apoio ao estudante onde há psicólogos “que fazem acções de prevenção”.

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2023-11-19T08:00:00.0000000Z

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