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Alteração de critérios fez a Católica deixar de ser “a melhor universidade”

Ranking do Times Higher Education reviu a forma como media a produção científica e a instituição caiu mais de 600 posições. Coimbra tem agora a melhor representante nacional

Samuel Silva

Durante quatro anos, a Universidade Católica Portuguesa (UCP) foi a “melhor universidade” nacional no ranking do Times Higher Education (THE), um dos mais conceituados a nível global. Mas os critérios usados para medir a produção científica das instituições foram sempre contestados por vários especialistas, entre os quais o antigo presidente da agência de avaliação portuguesa Alberto Amaral. A publicação britânica aceitou, este ano, rever a sua fórmula. Resultado: a Católica passou de primeira para décima entre as representantes nacionais. A Universidade de Coimbra é quem agora lidera.

A Católica entrou no ranking do THE em 2018. Na altura, ocupava uma posição entre os lugares 601 e 800 — a partir do 200.º lugar, as instituições são agrupadas em intervalos. Era a oitava colocada a nível nacional. Um ano depois, tinha escalado até ao intervalo 351 a 400 — por onde se manteve nos quatro anos seguintes.

O resultado fazia desta a “melhor universidade” portuguesa, como a própria instituição foi anunciando sempre que saía um novo ranking. Na lista de 2024 — cujos resultados foram divulgados no final de Setembro —, a Católica perdeu mais de 600 posições a nível global.

A UCP ocupa agora o intervalo entre a 801.ª e a 1000.ª posição. No mesmo patamar estão as universidades públicas do Algarve e de Trás-osMontes e Alto Douro.

Numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO, a reitoria, liderada por Isabel Capeloa Gil, não esconde que “os rankings são importantes instrumentos de marketing”. Nesse sentido, pior notícia do que perder centenas de posições a nível global foi mesmo a queda, também acentuada, a nível nacional. Aquela universidade passou da primeira para a décima posição entre as representantes portuguesas.

No ranking do THE deste ano, a melhor instituição nacional é a Universidade de Coimbra. Está no intervalo entre as posições 401 e 500, a mesma em que também estão as duas maiores universidades nacionais, as de Lisboa e Porto. À frente da Católica estão igualmente a Universidade Nova de Lisboa (501-600) e as universidades de Aveiro, Beira Interior e Minho, bem como o Iscte

— Instituto Universitário de Lisboa, todas entre o 601.º e 800.º lugar.

“Citações” decisivas

O que explica esta queda da Católica? Uma mudança na própria metodologia do ranking do THE. Para entendê-lo é, porém, necessário recuar novamente a 2019.

A subida da UCP ao topo das representantes nacionais nesta lista global foi “impulsionada por uma melhoria nos indicadores relacionados com a investigação, como o número de citações”, explicava então Tomasso Grant, da publicação britânica. A universidade tinha uma pontuação de 94,6 em 100 pontos possíveis no indicador de “citações”.

Nos outros indicadores, os resultados eram mais moderados. A UCP era apenas a 10.ª instituição nacional em qualidade do ensino; a oitava no que toca à relação com a indústria; e a antepenúltima no índice de internacionalização.

Houve quem estranhasse, por isso, o resultado final, que colocava a Católica como a “melhor universidade” do país. Foi o caso do então presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, Alberto Amaral, que, logo na altura, escreveu um artigo no PÚBLICO em que punha em causa o critério usado para avaliar a produção científica. “A questão que se coloca é a de saber até que ponto esse indicador é fiável para apontar a excelência de uma universidade como instituição de investigação”, questionava.

Amaral não escreveu apenas este artigo. Contactou também o próprio THE para pôr em causa a metodologia usada. “Confesso que não percebo como é que não tinham achado estranho que um indicador que pretendia medir a relevância da investigação colocasse instituições desconhecidas do Sri Lanka, da Jordânia ou do Egipto à frente de Harvard,

MIT, Oxford ou Cambridge”, comenta agora o também antigo reitor da Universidade do Porto.

Na prática, o critério usado pelo THE para medir a produção científica fazia com que quanto menos uma instituição publicasse, maior fosse o seu desempenho no indicador, porque dividia o impacto de cada artigo pelo total de trabalhos publicados pelos seus investigadores. “Um completo disparate”, afirma Alberto Amaral.

Quatro anos depois, a publicação britânica deu-lhe razão. Entre várias mudanças metodológicas recentemente introduzidas nos rankings feitos pelo THE, está uma redução, para metade, do peso do indicador de “citações”, o tal que fazia disparar o resultado da Católica.

“As conclusões foram excessivamente semelhantes: era hora de reformular a nossa metodologia, especialmente na categoria que avalia a qualidade da investigação”, justifica, em resposta escrita, fonte do THE. Tal como Alberto Amaral, também outros actores do meio académicos e científico questionaram a metodologia: “Incluindo os nossos fornecedores de dados, outros observadores e, não menos importante, os membros do nosso Conselho Consultivo [nomeado em Março do ano passado].”

Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica, não esconde que os rankings são instrumentos de marketing importantes

Universidade desvaloriza

Esta “nova abordagem metodológica” do THE “teve um impacto na classificação” da UCP, “já que a sua estratégia de desenvolvimento científico aposta no incentivo aos investigadores para publicação em revistas de elevado impacto”, justifica a reitoria da universidade.

A instituição desvaloriza as consequências desta mudança: “Nada na reclassificação da universidade significa perda de valor, mas apenas a indicação de que o modelo de instituição valorizado pelo ranking se está a adaptar a novas realidades comerciais a nível geoestratégico, face à crescente guerra pelo talento.”

Nas posições cimeiras do ranking quase não há mexidas. A Universidade de Oxford, no Reino Unido, continua a ser a melhor, seguida da Universidade de Stanford (EUA), do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em terceiro, de Harvard em quarto e de Cambridge em quinto lugar.

A Católica ocupa agora o intervalo entre a 801.ª e a 1000.ª posição, onde está Algarve e Trás-os-Montes

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2023-11-19T08:00:00.0000000Z

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

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