Público Edição Digital

Nova crise política no Governo dos Açores a somar à do Governo de Costa

Começa hoje a discussão do Orçamento dos Açores para 2024. Iniciativa Liberal e Chega não vão votar a favor e comprometem o futuro do Governo Regional de José Manuel Bolieiro

Rui Pedro Paiva

Dos Açores chega-nos a crónica de um chumbo anunciado. A discussão do Plano e do Orçamento da região para 2024 arranca hoje, mas a reprovação dos documentos parece ser inevitável. As previsões para o arquipélago apontam para uma crise política em formação: a Iniciativa Liberal (IL) e o Chega, que aprovaram os outros três orçamentos, já anunciaram que não vão votar a favor. Contra todas as marés, o presidente do Governo Regional já se prontificou a apresentar um segundo Orçamento.

Em entrevista à Antena 1 e à RTPAçores, José Manuel Bolieiro, que em 2020 federou a direita para acabar com 24 anos de poder socialista na região, lembrou categoricamente que a reprovação do Orçamento não implica a saída de cena do governo. “De modo algum”, atirou, rejeitando a demissão e mostrando disponibilidade para apresentar um outro Orçamento em nome da “estabilidade”.

Nos últimos dias, o presidente do Governo Regional tem-se desdobrado em iniciativas públicas para enaltecer os feitos da sua governação e mostrar as virtudes do que classifica como o “melhor Orçamento de sempre”. Acusado de ser um documento eleitoralista pela oposição, a proposta orçamental para 2024 aumenta o valor dos apoios sociais, facilita a progressão das carreiras na função pública e integra 536 profissionais de saúde precários.

“Quem votou a favor do anterior [Orçamento] tem boas razões para votar a favor deste, desde logo na generalidade para depois apresentar as suas propostas de alteração e de aperfeiçoamento”, reforçou José Manuel Bolieiro na mesma entrevista, à Antena 1 e à RTP-Açores.

Contudo, nem a aprovação na generalidade parece possível. A IL já revelou que vai votar contra na primeira votação porque “não acredita no diploma” e porque o “frade não leva três em capelo”. “Nós já fizemos o nosso esforço durante três orçamentos e os orçamentos não foram cumpridos”, criticou o deputado liberal Nuno Barata.

Também o Chega anunciou que não vai votar a favor dos documentos, apesar de ainda manter um acordo de incidência parlamentar com os três partidos do governo (PSD, CDS

PP e PPM). “Nós não vamos votar favoravelmente este Orçamento. Se há coisa que eu gosto na vida, é ser coerente. O que eu disser hoje tenho de dizer amanhã”, atirou José Pacheco, também em entrevista à rádio e televisão pública.

Até aqui, o governo dos Açores tem conseguido a maioria no parlamento graças ao apoio de três deputados: o da IL, o do Chega e o independente Carlos Furtado, eleito pelo Chega. Este último já anunciou que vai votar a favor do Orçamento para 2024, mas de pouco servirá ao executivo de Bolieiro. Indo a contas: PSD, CDS-PP e PPM têm 26 deputados, a maioria consegue-se com 29.

O PAN, que até aprovou o Orçamento da região para 2023, acabou com a réstia de esperança que ainda podia sobrar. Ao mesmo tempo que na Madeira o partido dá a mão a Miguel Albuquerque, nos Açores força a demarcação do PSD. “Votar a favor nunca vai acontecer e a abstenção já está decidida”, afirmou Pedro

Neves, deputado do PAN no parlamento açoriano.

Mais uma crise para Marcelo

Este último Orçamento da legislatura açoriana seria sempre discutido num contexto diferente dos anteriores, uma vez que em Março a IL e o deputado independente denunciaram formalmente ao representante da República os acordos de incidência parlamentar firmados em 2020.

Depois de a primeira metade da legislatura ter sido marcada pelas ingerências nacionais promovidas pelas ameaças regulares de Ventura, o Governo Regional corre o risco de cair devido a diferendos regionais com os parceiros parlamentares.

Após o rompimento dos acordos, a coligação PSD, CDS-PP e PPM mudou de postura com a IL e até mesmo com o Chega (que formalmente não denunciou o documento escrito), tornando o ambiente político mais crispado, com acusações mútuas entre os partidos de governo e as outras forças de direita. O próprio José Manuel Bolieiro, conhecido pela retórica complacente e evasiva, tem vindo a ser mais directo nas acusações. “Do nosso lado, a responsabilidade (…) Os outros se entenderem fazer da politiquice a sua prioridade, estarão mais disponíveis para prejudicar o governo e a governação dos Açores e prejudicar a estabilidade política”, realçou o líder regional durante as jornadas parlamentares da coligação.

As palavras de Bolieiro são também a tentativa de o PSD puxar para si a liderança no interior da coligação do Governo Regional. Ao longo dos últimos anos, nem sempre o equilíbrio de forças entre PSD, CDS-PP e PPM tem sido fácil de gerir. Centristas e monárquicos, sabe o PÚBLICO, preferiam a demissão do executivo em caso de chumbo do Orçamento porque acreditam que poderiam retirar dividendos políticos de eleições antecipadas.

Prevê-se, então, mais uma crise política para Marcelo Rebelo de Sousa gerir, uma vez que só o Presidente da República pode dissolver a Assembleia Regional. Em caso de chumbo do Orçamento, o PS não se compromete com a apresentação de uma moção de censura. O presidente do partido nos Açores, apesar de ressalvar que os socialistas “não excluem qualquer instrumento”, já veio atirar as responsabilidades para os partidos de governo e para o Presidente da República.

“O senhor Presidente da República e o senhor representante da República depois de terem colocado toda a ênfase na questão da estabilidade que passava pela aprovação de orçamentos tem a seguir [ao Orçamento] de retirar as ilações”, alertou Vasco Cordeiro, que chefiou o Governo Regional entre 2012 e 2020. A confirmar-se a reprovação do Orçamento dos Açores, Marcelo Rebelo de Sousa vai ter de optar entre dar uma segunda oportunidade a Bolieiro ou avançar para a marcação de eleições antecipadas.

Política Chumbo Anunciado Do Orçamento

pt-pt

2023-11-20T08:00:00.0000000Z

2023-11-20T08:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281642489909058

Publico