— Julgava que não sabias ler — disse o marido da Esperança.

Ela ficou à espera. Ele pegou no livro, tirando-lho das mãos, a Esperança pensou: é agora, vai-me bater, vai entregar-se, vai ser punhos cerrados e pontapés, vai ser gritos, vai ser um homem como deve ser. A Esperança até chegou a levantar um pouco o braço para proteger a cabeça, caso fosse necessário, isto vai doer, pensou. O marido, parando junto dela, pôs os óculos, leu o título do livro em voz alta, depois leu a sinopse da contracapa, enquanto a Esperança ficava cada vez mais tensa.

— Se quiseres — disse, devolvendo-lhe o romance —, posso ajudar-te a ler, aconselhar-te alguns autores mais...

A Esperança levantou-se e atirou o livro ao chão. Correu para o quarto, fechou a porta com estrondo e caiu na cama a chorar.

Esses primeiros meses não foram fáceis, disse a Esperança à São, não percebia nada, agora vejo-o melhor, foi como se tivesse posto uns óculos para ver o que se passava, antes não via como eram as coisas, mas que pode a gente fazer? a vida é assim, não fomos todas feitas para isto. Eu nunca tinha visto um homem destes, dos parados, que não se atira às mulheres como um boi, quer dizer, também é sôfrego, é verdade, mas não anda aos murros a tudo, aos pontapés a tudo.

Duas semanas depois, a Esperança perguntou à São se ela tinha um namorado. Ando indecisa entre dois, respondeu. Um deles é um grande mentiroso.

— Não te metas com mentirosos — aconselhou a Esperança —, nunca dizem a verdade.

— Mas — contrapôs a São — é boa pessoa, gosto dele, parece-me de confiança.

— Mas então não era mentiroso? Agora é de confiança?

A São repetiu que ele era boa pessoa, mas com a voz a tremer. Sem que tivesse consciência disso, temia perdê-lo depois de se envolver, como sempre acontecia na sua vida.

— Às vezes vale a pena a gente atirar-se de cabeça — disse a Esperança —, a vida não é feita de certezas, não é como as contas da mercearia. E o outro?