Quanto precisa um partido para eleger, de certeza, um deputado em Lisboa e em Évora? 2% e 25%
Mais desertificada, a faixa interior do país é a que menos representação tem na Assembleia da República
Maria Lopes
O caminho dos votos
Não há regras nem tabelas de Excel com certezas; mas há contas, muitas contas e expectativa, sobretudo porque tudo depende da taxa de abstenção. No entanto, tendo em conta o historial da afluência às urnas, o número de listas concorrentes a cada distrito, o número de eleitores e de mandatos à Assembleia da República que cada círculo elege, é possível estimar patamares mínimos para um partido conseguir, com certeza, eleger deputados.
Nas estimativas do politólogo Pedro Magalhães com base num método de conversão de votos em mandatos criado pelo estónio Rein Taagepera, um partido que obtenha pelo menos 2% dos votos no distrito de Lisboa (que elege 48 deputados) conseguirá com certeza eleger um deputado, e tem uma probabilidade de 50/50 de o conseguir a partir de uma votação de 1,7%. Em Évora, distrito que só elege três deputados, os valores disparam: o investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa estima que a certeza aparece no patamar dos 25%, mas a probabilidade começa nos 11,8%.
Os valores de 2% (Lisboa) e 25% (Évora) são o chamado limiar de exclusão, ou seja, a percentagem de votos suficientes para eleger. Estes limiares mostram que “quanto menor o círculo, maior a percentagem de votos que um partido precisa para ter hipótese de eleger [limiar efectivo], e ainda mais para ter a certeza que elege [limiar de exclusão]”. No entanto, em Évora, se o partido mais votado chegar aos 38% como em 2019, a capacidade de eleger dos restantes será significativamente reduzida e o terceiro poderá já não conseguir um deputado.
Quando, logo à noite, se apurarem os resultados dos 20 círculos eleitorais do continente e ilhas (os internacionais só são apurados a 9 de Fevereiro), há contas que se voltarão a fazer e lamentos que se repetirão como em todas as eleições legislativas: várias centenas de milhares de votos não contarão para a eleição de nenhum deputado. Em 2019 terão sido cerca de 700 mil e estima-se que desde 1975 o acumulado dos votos válidos “desperdiçados” atinja já os 7,6 milhões.
Com um terço dos círculos a eleger apenas dois ou três deputados cada um, a grande fatia dos mandatos eleitos acaba por se concentrar nos maiores partidos. Os votos “desperdiçados” são aqueles que os eleitores dão a partidos que não conseguem eleger nenhum deputado nesse círculo. Tanto se está a falar de partidos que não conseguem eleger deputados em todo o país como daqueles que elegem apenas em alguns distritos.
Os dois maiores partidos, que elegem em quase todo o país — o segundo maior por vezes falha um ou dois distritos —, são os menos atingidos por esta situação. Um cenário que se regista sobretudo nos círculos mais pequenos (com menos população e, por isso, menos eleitores e proporcionalmente menos deputados a eleger), onde a bipolarização é a norma. Por exemplo, em 2019, em Portalegre, o menor círculo do país, o PS elegeu os dois deputados, o que significa que os restantes 26.388 votos nos 16 partidos restantes não serviram para nada.
Como atribiur mandatos
Tal como em diversos países europeus — incluindo Espanha, Dinamarca ou Finlândia —, em Portugal a atribuição dos mandatos dos círculos é calculada segundo o método de Hondt, o matemático belga que no final do século XIX criou um mecanismo proporcional de atribuição de mandatos.
Voltemos ao exemplo de Évora, que elege três deputados, e onde, em 2019, concorreram 19 forças políticas, que podemos identificar com letras. A A teve 28.400 votos, a B 14.000, a C 13.000 e a D 6600. O primeiro passo das contas é construir
Viana do Castelo
Braga
Vila Real
Bragança uma tabela em que se coloca o total de votos de cada partido e acrescentam-se linhas onde se vai dividindo esse total por 2, por 3, por 4 (e assim sucessivamente no caso dos círculos com mais mandatos). Depois, atribuem-se os mandatos por ordem decrescente do resultado dos cálculos. O que significa que o partido A elegeu dois e o B um. Se o distrito elegesse cinco deputados, pegando na mesma votação, o partido A ficaria com o primeiro, o segundo e o quinto mandatos, o partido B ficaria com o terceiro e o C com o quarto.
“Apesar de o método de Hondt ser a menos proporcional das fórmulas proporcionais de conversão de votos em mandatos, o grande problema em Portugal não é o método, mas a dimensão dos círculos”, aponta o politólogo Pedro Magalhães. O país tem muitos círculos eleitorais, sendo apenas dois deles gigantes (Lisboa e Porto elegem 40% dos deputados) e três médios (Aveiro, Braga e Setúbal, com entre 16 e 19 deputados cada). Dez dos 22 círculos elegem cinco ou menos deputados. Neste caso está toda a faixa interior do país e o Alentejo, que têm sucessivamente perdido cadeiras no plenário da Assembleia da República, reflexo da desertificação.
Nestes círculos mais pequenos gera-se uma “grande desproporcionalidade na conversão de votos em mandatos, e qualquer voto que não seja num dos grandes partidos não serve para eleger ninguém”, acrescenta.
Qual a solução para aproveitar esses votos? Pedro Magalhães afirma que seria preciso “diminuir o número de círculos, aumentando o seu tamanho” — por exemplo, fundindo círculos como Vila Real, Bragança, Guarda e Castelo Branco, ou juntando Portalegre, Évora e Beja — e, em paralelo, “criar um círculo que permitisse compensar o desperdício de votos nos círculos pequenos”. Esta última ideia nem seria inédita em Portugal: nas legislativas regionais dos Açores há um círculo de compensação que elege cinco dos 57 deputados que compõem o parlamento regional. Mas, avisa Pedro Magalhães introduzir estas mudanças tem custos: “Corrigir a desproporcionalidade significaria aumentar a fragmentação do Parlamento. Não há sistemas perfeitos.” Na prática, isso deveria levar a que mais forças políticas se sentassem no hemiciclo, obrigando a mais diálogo para conseguir a tão desejada governabilidade para todo o ciclo político.
O grande problema em Portugal não é o método de Hondt, mas a dimensão dos círculos eleitorais
Pedro Magalhães Politólogo
Legislativas 2022
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2022-01-30T08:00:00.0000000Z
2022-01-30T08:00:00.0000000Z
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