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“Não é certo que um acordo resulte numa normalização da situação” nos hospitais

Decisão quanto ao trabalho extraordinário está nas mãos de cada um dos médicos do Serviço Nacional de Saúde

Daniela Carmo

Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares

Foram 19 meses de negociações entre os sindicatos dos médicos e Governo, que terminaram com um acordo apenas com uma das organizações sindicais, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), relativamente à revisão da grelha salarial. Se Novembro se perspectivava dramático (e, de facto, obrigou a reorganizações nas urgências e constrangimentos em vários hospitais), não se espera um Dezembro fácil. E o acordo parcial agora assinado não é sinónimo de que os médicos retirem as minutas de recusa para trabalhar além das 150 horas a que estão obrigados por lei e que tem provocado vários constrangimentos em hospitais por todo o país pela dificuldade que gera para completar as escalas.

É disso que o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, deu conta ontem, em declarações ao PÚBLICO, antes de as negociações terem sido fechadas. “Ainda que aconteça um acordo, é pouco provável que ele vá totalmente ao encontro das reivindicações dos sindicatos e não é certo que um acordo que fica aquém daquilo que os sindicatos pretendiam resulte numa mudança de posição por parte de uma parte significativa dos médicos”, explica. Ou seja, a decisão está nas mãos de cada um dos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

“É possível que se chegue a um acordo e que, mesmo assim, uma parte significativa dos médicos não queira fazer mais do que as 150 horas extraordinárias. Não é certo que um acordo resulte numa normalização da situação”, reflecte ainda o representante dos administradores hospitalares.

Perante este cenário, Xavier Barreto, à semelhança do bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, perspectiva, aliás, que o mês que está prestes a iniciar-se “seja ainda mais difícil que Novembro”.

“É difícil fazer uma previsão exacta de quais são os serviços que vão estar encerrados e que, por causa disso, vão ter de encaminhar doentes [para outros hospitais]”, ressalva. Tratando-se de um mês de festas, férias e de frio (algo que, tendencialmente, costuma aumentar a pressão nos serviços de urgência hospitalar), há já hospitais a negociar com os seus médicos a possibilidade de remarcação de férias — o que não constitui uma novidade.

Também o recrutamento de prestadores de serviços que possam ajudar a completar as escalas hospitalares está em curso, num “processo dinâmico”.

Um mês (mais) difícil

Contudo, apesar de as duas situações constituírem atenuantes à falta de profissionais para garantir as escalas, Xavier Barreto assegura que, também em Dezembro, se trabalhará com um plano de contingência, à semelhança do que tem sucedido nas últimas duas semanas, algo que “implicará encaminhar utentes entre urgências”. “Será sempre uma resposta aquém daquilo que gostaríamos de ter e que coincidirá muito também com o aumento das infecções respiratórias e com uma maior procura dos serviços de urgência”, reflecte.

Já o bastonário da Ordem dos Médicos recorda que esta fase do ano já era esperada e poderia ter sido preparada: “Ciclicamente temos o Inverno, ciclicamente temos um período de frio que acaba por ter impacto na saúde das pessoas, com infecções respiratórias e agravamento das doenças crónicas. Era algo completamente esperado e previsível.”

E é por isso que defende que o Ministério da Saúde (MS) tem o dever de “resolver os problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS)” em vez de considerar “normal a situação de o SNS não ter capacidade de resposta”.

“Vejo com grande preocupação esta forma de o MS olhar para o SNS. Sem querer resolver os problemas, sem dar condições aos médicos para poderem tratar os seus doentes, sem dar uma resposta com qualidade e segurança nos hospitais, nos serviços de urgência, nas enfermarias. O acordo é absolutamente obrigatório”, defendia o bastonário horas antes de ser conhecido o desfecho daquela que foi a última reunião destas negociações entre os sindicatos do sector e a tutela.

Para Carlos Cortes, “o país está paralisado” e o “cenário é catastrófico”. “Em Dezembro, a situação ainda se vai agravar mais: com mais médicos a não querer ultrapassar as centenas de horas extraordinárias que já fizeram, com um conjunto de valências das urgências a não conseguirem dar resposta, algumas delas, conseguindo, não dão uma resposta de qualidade porque estão muito abaixo daqueles que são considerados os números mínimos para poder dar uma resposta com segurança. E tudo o resto está a falhar, com camas que estão a fechar nos cuidados intensivos e vias verdes AVC e coronárias que não estão a ser asseguradas. Anuncia-se, verdadeiramente, um mês muito difícil.”

Seja o que for que decidam os médicos que entregaram as recusas, facto é que em Janeiro se inicia um novo ano e estas horas extraordinárias (150 são o número legalmente obrigatório) trabalhadas pelos médicos começam a contar, novamente, do zero. Para Xavier Barreto, esse factor tem de ser gerido de forma séria e racional.

“Esta é uma conversa muito difícil, principalmente se for feita num período pré-eleitoral, em que localmente a saúde é utilizada como arma de arremesso. O erro que não podemos cometer é o de fazer de conta que nada aconteceu e regressar ao modelo antigo em que todas as urgências estão a funcionar em pleno, consumindo esse plafond de 150 horas rapidamente. Isso levar-nos-ia a que em meados do ano voltássemos a ter este problema”, reitera o representante dos administradores hospitalares.

Mesmo com um acordo, uma parte significativa dos médicos pode não querer fazer mais de 150 horas extras

Destaque Serviço Nacional De Saúde

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2023-11-29T08:00:00.0000000Z

2023-11-29T08:00:00.0000000Z

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