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Pedro Nuno, o homem que sempre quis ser secretário-geral do PS

Ana Sá Lopes

Perde-se na noite dos tempos o desejo de Pedro Nuno Santos vir a liderar o PS. Já existia, pelo menos, desde 2011 — quando apoiou António José Seguro para a liderança do PS na disputa contra Francisco Assis. É possível que esse objectivo venha do tempo em que liderou a Juventude Socialista, entre 2004 e 2008. Ou até tenha nascido antes. António Costa soube sempre desta ambição do então jovem dirigente. A prova de que estava a par da vontade que Pedro Nuno Santos nunca disfarçou foi ter dito em público, durante uma paragem da campanha do PS em 2015 em São João da Madeira, terra natal de Pedro Nuno: “Passo-lhe agora a bola no jogo e depois passo-lhe no PS.” Estas palavras foram pronunciadas enquanto os dois jogavam à bola para efeitos de boneco televisivo. Ao contrário do que é habitual entre dirigentes do PS, António Costa e Pedro Nuno Santos sempre se trataram por “você”.

O país que assistiu via televisão à campanha eleitoral ouviu o secretário-geral do PS dizer isto àquele que viria a ser decisivo para a sua estratégia nos tempos que se seguiriam. Afinal, Pedro Nuno Santos tinha sido um apoiante de primeira hora de António Costa.

Pedro Nuno e o seu grupo de então “jovens turcos” (Pedro Delgado Alves, Duarte Cordeiro, João Galamba, Tiago Barbosa Ribeiro, entre outros) tinham tido um papel importante no desgaste da liderança de Seguro. Eram os novos “costistas”, que se iam juntar aos “velhos costistas”, como Eduardo Cabrita, Sérgio Sousa Pinto, Marcos Perestrello.

Pedro Nuno Santos e “sus muchachos” participaram activamente nas sessões na Aula Magna que Mário Soares fez contra o Governo Passos Coelho e o programa da troika, acontecimentos de que o secretário-geral do PS António José Seguro se afastou.

Em Janeiro de 2013, é um dos principais impulsionadores de uma candidatura de António Costa para retirar Seguro do poder — apesar de ter sido apoiante do então secretáriogeral, e não de Assis, como a maioria dos costistas e socráticos —, por essa altura Pedro Nuno já só via futuro para o PS com Costa na liderança. Há uma famosa Comissão Política no Largo do Rato em que Pedro Nuno entra convencido de que terá Costa como candidato, e sai furioso porque António Costa acaba a recuar à última hora.

No núcleo duro costista havia diversas opiniões: uma era que dividir o PS em ano de autárquicas, a que seguiriam em 2014 eleições europeias, podia ser negativo não só para o partido, como para as ambições do próprio António Costa.

Costa decide esperar pelas eleições europeias, quando o PS ficou à frente do PSD com 31%, resultado que considerou “poucochinho” para avançar. Enquanto Costa e Seguro assinam umas tréguas que ficaram conhecidas como o “Acordo de Coimbra”, Pedro Nuno Santos espuma — metaforicamente.

Na época, Pedro Nuno Santos era efectivamente jovem e o seu plano de sempre — pôr os vários partidos de esquerda a falar uns com os outros e obter maiorias, como já tinha feito Jorge Sampaio na Câmara de Lisboa em 1989 — iria dar um enorme jeito ao líder que, contra todas as previsões, fica atrás da coligação PSD/CDS, pese todas as cicatrizes da troika. Aliás, ainda antes das eleições, os discursos de Costa e de Pedro Nuno Santos sobre pontes à esquerda são nessa época muito parecidos. No discurso do congresso em que Costa é entronizado, é o próprio a rejeitar o bloco central e a lançar um discurso mais à esquerda, que faz Francisco Assis, hoje com Pedro Nuno Santos, abandonar o Congresso irritado com o tom esquerdista que ali se vivia.

Antes das eleições, quando as sondagens já previam a possibilidade da derrota do PS, as conversações à esquerda começam e Pedro Nuno é um dos pivôs das negociações ainda secretas. Naturalmente, é visto por António Costa como a pessoa certa para ocupar o cargo de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

As coisas correram bem entre Pedro Nuno e Costa nos primeiros tempos. A relação, até aí muito boa, estraga-se no Congresso de 2018. Pedro Nuno Santos decide entregar, com Duarte Cordeiro, uma moção sectorial ao Congresso da Batalha. O discurso de Pedro Nuno, um homem que visivelmente nasceu para mobilizar congressos e assembleias, arrebata os congressistas.

De repente, a sucessão de António Costa é colocada na mesa da sala. Pedro Nuno deixa-se inebriar pelo seu sucesso entre os congressistas e assume, com variadas formulações semânticas, que podem contar consigo para o futuro do PS. António Costa não gostou: no discurso de encerramento do Congresso declara que “não meteu os papéis para a reforma”. A partir daí, nada seria como antes entre os dois.

A pasta das Infra-Estruturas e Habitação, com o pelouro da TAP, é vista entre algum PS como “um presente envenenado” entregue a Pedro Nuno Santos por Costa em 2019. Pedro Nuno preferia a Economia, mas vai ter de lidar com o processo mais complexo e menos “esquerdista” do Governo: o plano de reestruturação da TAP, que teve de ser aprovado pela Comissão Europeia e que envolveu despedimentos e o gasto de milhões pelo Estado. A reestruturação da TAP, pese as polémicas recentes, revela-se um sucesso. A TAP é hoje uma empresa lucrativa.

Outras polémicas com o primeiro-ministro estragariam ainda mais a relação: o decreto do aeroporto que Pedro Nuno publica depois de o primeiro-ministro ter dito que queria consenso com o PSD e a polémica indemnização de Alexandra Reis que leva à sua demissão do Governo.

Seguem-se tempos difíceis, em que até o próprio duvida se esta polémica vai travar as suas ambições. Passa a maior parte do ano de 2023 com o mandato suspenso, regressa ao Parlamento em Julho. Se perder esta eleição, será uma surpresa tão grande como a maioria absoluta do PS em 2022.

Destaque Crise Política

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2023-11-19T08:00:00.0000000Z

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

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