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O herdeiro de Costa, que foi “segurista” e reabilitou a administração interna

São José Almeida

Ao apresentar a sua candidatura, José Luís Carneiro fez questão de elogiar António Costa e de se assumir como herdeiro do “legado” e da “vitalidade essencial do projecto político e programático” do Governo que integra, como ministro da Administração Interna. Assumindo a continuidade do projecto de Costa para o país, comprometeu-se a “aprofundar e aperfeiçoar” a aposta “no Estado social, numa gestão com contas certas, numa economia dinâmica e em respostas estruturadas”.

Costa sempre garantiu que não apoiaria sucessores, mas a ligação política entre o primeiro-ministro demissionário e o agora candidato a secretário-geral é grande. E, mesmo sem falar, António Costa fez questão de se levantar e de lhe dar um “abraço expressivo”, depois de Carneiro anunciar a sua candidatura à liderança e se preparar para sair da sala, na reunião da comissão política dos socialistas, relataram ao PÚBLICO dirigentes do partido presentes.

A importância que Carneiro tem adquirido dentro do PS de Costa e junto do próprio não é de hoje. E não é uma novidade que seja ele o candidato que se opõe a Pedro Nuno Santos na disputa pela liderança do PS, que se joga nas directas a 15 e 16 de Dezembro. Há meses que vários dirigentes socialistas e membros do Governo salientavam ao PÚBLICO o peso político que Carneiro estava a ganhar.

O sinal mais evidente do apreço político que Costa vinha solidificando em relação a Carneiro ficou evidente para muitos socialistas quando este foi escolhido pelo primeiro-ministro para encerrar o debate sobre o estado da nação, em Julho. Com uma intervenção política e programática de fundo, surpreendente para muitos, Carneiro fez, então, uma sólida defesa do projecto para o país e da estratégia de António Costa.

Nos dias seguintes houve mesmo, no Governo, quem comentasse com o PÚBLICO que se tratara de “um momento de apoio implícito” de António Costa a uma hipótese de sucessor. E quem considerasse que Carneiro aproveitaria a oportunidade para fazer uma intervenção que “foi um discurso de propositura de uma candidatura à liderança do PS”.

Desde que é candidato, tem vincado as suas posições de membro da corrente moderada do PS e assumido uma posição de independência estratégica do partido. Em entrevista à TVI, garantiu que não será por ele que “o Chega chega ao poder”, abriu a porta à viabilização de um governo do PSD e excluiu acordos com o PCP e o BE. Para sublinhar que a sua candidatura “representa uma autonomia que o PS não pode perder, porque é essa autonomia que permite ao PS não apenas dialogar com o centro-direita, mas também com a esquerda”. Ou seja, seguiu a linha política expressa pelo antigo ministro José António Vieira da Silva, na comissão política de quinta-feira, ao dizer: “Assim como somos contra o liberalismo desregulado, também somos contra os frentismos de esquerda.” Acrescentando que “há algo que é muito importante: o PS tem de garantir a sua autonomia estratégica”. No fundo, a mesma que António Costa segue desde 2019.

Ainda que visto, como o candidato herdeiro de Costa, nem sempre foi o que se chama um “costista”. Pelo contrário, há cerca de uma década era um proeminente “segurista”. Mas a aproximação política solidificou-se nos últimos oito anos. É membro do secretariado, tendo integrado este órgão, pela primeira vez, no início da liderança de António José Seguro (2011-2014) e saindo, em 2012, para se candidatar e ganhar a Federação do Porto, que liderou até 2016.

É ainda presidente da distrital, em 2015, quando Costa, procurando pacificar o PS, convida alguns apoiantes de Seguro. Entre eles, está Carneiro, que é nomeado secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (2015-2019), sob tutela do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Encarrega-se, então, de gerir pessoalmente o apoio aos portugueses e aos lusodescendentes na Venezuela, além de reorganizar a rede consular e introduzir o recenseamento automático dos emigrantes.

Entre 2019 e 2022, é Carneiro que Costa confia a gestão do partido, ao convidá-lo para secretário-geral adjunto. É com ele como responsável que se inicia a transição digital do partido e que se preparam as autárquicas de 2021, em que, no Governo, o PS baixa de 161 presidências de câmaras para 149, mas mantém uma significativa distância do PSD, que sobe de 98 para 114.

Foi através da vida autárquica que Carneiro começou a exercer cargos políticos, após ter sido chefe de gabinete de Francisco Assis, líder parlamentar de António Guterres. Cumpre oito anos como vereador da oposição e, em 2005, conquista para o PS a presidência da Câmara de Baião, cidade onde nasceu, em 1971. Preside ao município durante três mandatos, respectivamente eleito com 50,8%, 66,8% e 71,4%. Desde então não mais parou, nem voltou à sua vida profissional anterior, como professor universitário de Relações Internacionais e como jornalista de política internacional de O Independente.

Eleito deputado em 2005, 2015, 2019 e 2022, é neste ano que integra o terceiro governo de António Costa, como ministro da Administração Interna. Ao longo dos 20 meses à frente da pasta, José Luís Carneiro empenhou-se a recuperar a imagem e a autoridade do ministério.

Aprovou a Estratégia Integrada de Segurança Urbana, a Estratégia Integrada de Segurança Rodoviária e a Estratégia de Protecção Civil Preventiva. Tratou de reforçar as competências e os recursos do sistema de protecção civil e dos bombeiros voluntários para o combate aos incêndios rurais. Resolveu o problema do SIRESP, adjudicando um concurso público que decorreu com sucesso, permitindo uma poupança ao Estado de 11 milhões.

Parte do seu mandato foi ocupada com o fim do SEF.

No plano das forças de segurança, apostou no reforço salarial dos seus membros. E aprovou um plano de investimentos de 607 milhões de euros para equipamentos e infra-estruturas, com execução até 2026. E investiu na criação de habitações para agentes deslocados. Uma obra feita que poderá valorizar agora como candidato a líder.

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2023-11-19T08:00:00.0000000Z

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

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