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Os Mars Volta ensanduíchados entre a pop e o r&b

internacionalmente na sua plataforma. Mas é mais do que evidente, desde a primeira imagem do filme, que Athena é fita feita a pensar no espectáculo do ecrã grande, devido à sua dimensão deliberadamente imersiva, ao virtuosismo giratório dos seus longos planos-sequência com steadycams e drones, à música coral que sublinha permanentemente a tragédia que se desenrola diante dos nossos olhos.

E aqui chegamos ao cerne da questão: a tragédia de Athena não é forçosamente aquela que parece ser, que é a de três irmãos de um mesmo subúrbio parisiense chorando a morte do quarto, mais novo, que, atribuída à polícia, se torna numa gota de água que faz transbordar a revolução social. Não: a tragédia de Athena é que o debate (perfeitamente válido) sobre questões de lei, ordem, pertença, revolta, dor, família, sangue seja afogado desde o princípio por uma louca correria de câmaras que estão sempre à procura da beleza no caos, do deslumbre no apocalipse.

Tudo em Athena é fogo de vista que desvia a atenção do que realmente interessa, espectáculo que quer engajar questões centrais da sociedade francesa mas se deslumbra de tal modo com o seu próprio virtuosismo que se fica pelos símbolos mais superficiais, mais legíveis, do “cinema social”. É mais do que inevitável olhar para Athena e ver aqui uma espécie de versão XX de Os Miseráveis — cujo autor, Ladj Ly, é aqui co-argumentista e co-produtor — mas à qual faltasse a alma e a urgência que propulsionavam aquele filme, substituída por um statement formalista, indubitavelmente poderoso mas que parece existir independentemente da história que conta.

A tragédia grega era suposta gerar o horror e a piedade pelas suas personagens, Athena parece querer apenas dizer “olhem que bem que eu filmo”. E é verdade: Romain Gavras filma muito bem, mas convém filmar com o argumento e não apesar dele.

Um regresso alimentado pelo conflito entre a vontade de cortar amarras com o passado e saltar sem medo para o futuro. Gonçalo Frota

The Mars Volta The Mars Volta Cloud Hills

E foi quando Cedric Bixler-Zavala decidiu aderir à Igreja da Cientologia que o caldo começou a entornar — ou que, dito de outra forma, os Mars Volta começaram a acabar. Segundo o grupo tem contado em entrevistas, Bixler-Zavala juntou-se à Cientologia convencido de que estava a inscrever-se em algo semelhante “a uma aula de ioga ou um grupo de auto-ajuda” (The Guardian), em 2009, esperançado em controlar a relação intensa com um consumo de erva que lhe fumava também a conta bancária em grandes baforadas. Aos poucos, a igreja que seduziu tanto nome chorudo do meio artístico norte-americano começou a afastar o músico do seu círculo social habitual — nomeadamente de Omar Rodríguez-López, o homem com quem formara os At the Drive-In e que o acompanhara na guinada para uma nova vida enquanto The Mars Volta. E foi assim que, passados quatro anos sobre a cerimónia iniciática de Bixler-Zavala na sua nova religião, os Mars Volta puseram fim à sua trip de rock esquizóide herdado de Frank Zappa e com tangentes frequentes à demência estilística dos Mr. Bungle.

Na altura da separação, Bixler-Zavala não pouparia Rodríguez-López, acusando-o publicamente — através de uma correnteza de tweets, que é assim que se faz hoje — de falta de interesse pelos Mars Volta e dizendo-se indisponível para assumir o papel de “dona de casa progressista” que “não se importa que o seu companheiro ande por aí a foder outras bandas”. E isto porque, à medida que esfriava a relação entre os dois (pessoal e artística), Omar preferiu aplicar a sua energia na banda Bosnian Rainbows, que entretanto formara com Teri Gender Bender (dos Le Butcherettes). Mas, na verdade, e apesar da lavagem de roupa suja que Bixler-Zavala resolveu tratar nas redes sociais, a relação entre ambos não azedou por completo e, em 2014, estavam já a chamar Flea (dos Red Hot Chili Peppers) para um outro e novo projecto chamado Antemasque. Agora, em 2022, e depois de já se terem também reunido para ressuscitar uma segunda vez os At the Drive-In, não hesitam em culpar a Cientologia pelo fim dos Mars Volta. Conclusão facilitada pelo radical afastamento de Bixler-Zavala, neste momento em contencioso judicial com a instituição — uma vez que a sua mulher é uma de quatro acusadoras de abusos sexuais sofridos no interior da bolha cientologista.

Os Mars Volta estão, portanto, de volta. E não é necessário um par de binóculos para perceber à distância que, ao longo dos anos, os dois músicos de origem latino-americana que se cruzaram em El Paso, Texas, foram percebendo que nenhum dos

Música

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2022-09-23T07:00:00.0000000Z

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