Ruído branco
O segundo filme da actriz Olivia Wilde é uma série B simpática mas confusa, com coisas boas mas sem arcaboiço para a sua ambição. Jorge Mourinha
Não Te Preocupes Querida Don’t Worry Darling
De Olivia Wilde
Com Florence Pugh, Harry Styles, Olivia Wilde
Em sala
Com tanta coisa interessante que se podia (pode) dizer a propósito da segunda longa da actriz Olivia Wilde depois de Booksmart, toda a gente preferiu debruçar-se sobre as intriguinhas de bastidores que parecem ter posto Wilde e a sua actriz principal, Florence Pugh, de candeias às avessas, mais o facto da realizadora estar a dirigir o namorado Harry Styles (dos One Direction) e que atingiram o seu píncaro na “tabloidização” da estreia de Não te Preocupes
Querida no Festival de Veneza.
Nada disto tem a ver com cinema, claro, e o único resultado desta febre mediática foi radiografar à exaustão um filme que quer falar de muitas coisas ao mesmo tempo mas não parece saber bem como. A série B de género sobre uma utopia patriarcal decalcada da suburbia americana dos anos 1950, cujo “futuro radioso” parece esconder algo de mais sinistro que começa a perturbar uma das mulheres que vivem em Vitória, é o elemento mais conseguido de Não te Preocupes Querida.
É na gestão da tensão entre aparência e realidade nesta comunidade perfeita no meio do deserto que Olivia Wilde está melhor: no modo como tudo está minuciosamente gerido e apresentado. Mas o grito de revolta da mulher submissa (Florence Pugh, bem mas longe do desespero de Lady Macbeth)contra a tirania doméstica dos maridos — e as dimensões perturbantes que isso implica — articula-se de modo confuso com o resto da narrativa. Os cordelinhos da história acabam por estar mal atados, e as pistas que o filme abre sem verdadeiramente as seguir são mais fascinantes do que o caminho que Wilde e a sua argumentista Katie Silberman seguem.
A ideia de um filme que encaixe a sua abordagem às questões fracturantes contemporâneas sob a forma de um exercício de género não é nova, mas a verdade é que Wilde deixa-se levar pela sedução visual da sua utopia (que, aqui entre nós, é deslumbrante — mestre Matthew Libatique à fotografia e Katie Byron à cenografia) e depois descuida o resto. Mas isso não torna Não te Preocupes Querida no desastre que muitos se apressaram a anunciar. Apenas numa série B sem arcaboiço para tanta ambição e demasiado frágil para o brilho dos holofotes. Ou por outras palavras: ruído branco a afogar um filme simpático.
Cinema
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2022-09-23T07:00:00.0000000Z
2022-09-23T07:00:00.0000000Z
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