Público Edição Digital

Metro vigia redes sociais de activistas contra estação no Jardim da Parada

Empresa monitorizou quem se tem oposto publicamente ao projecto de expansão da Linha Vermelha. Visadas vão apresentar queixa judicial. Constitucionalista diz que vigilância “é bizarra e ilegal”

Samuel Alemão

O Metropolitano de Lisboa tem vigiado, desde 2022, a actividade nas redes sociais de três activistas contra a construção no Jardim da Parada da estação de Campo de Ourique, inserida no plano de expansão da Linha Vermelha entre São Sebastião e Alcântara.

Susana Morais, Suzana Marques, Margarida Vicente, que são membros do Movimento Salvar o Jardim da Parada, fundado com o propósito específico de contestar o traçado proposto para a obra, foram alvo de uma acção especial de vigilância por parte da empresa de transportes devido ao seu protagonismo nesta luta. Isso mesmo é referido no Plano de Comunicação deste projecto, incluído na documentação do Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução (Recape), em consulta pública até 5 de Dezembro.

A acção de monitorização, feita pelo metropolitano, faz parte do referido plano de comunicação, no qual a contestação dos grupos de activistas ao traçado e impacto previsto são considerados como “ameaças” no âmbito de uma análise comparativa.

A descoberta desta vigilância por parte da empresa pública apanhou de surpresa as três activistas, que consideram tal acção como ilegítima, ilegal e uma “afronta à liberdade de expressão”. Razão pela qual irão apresentar ao Ministério Público e à Comissão Nacional de Protecção de Dados queixa contra o Metropolitano de Lisboa. Ouvido pelo PÚBLICO, o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia considera o procedimento do metro como “uma coisa bastante bizarra, que certamente é ilegal e tem relevância criminal”.

Dizendo-se chocadas com a vigilância de que têm vindo a ser alvo, as cidadãs exigem agora explicações formais por parte da empresa pública de transportes. “Fiquei surpreendida, de olhos em bico, ao saber disto. É revelador que tal suceda no ano em que se comemoram 50 anos da democracia e sejamos sujeitas a vigilância apenas por exercermos os nossos direitos cívicos”, afirma Margarida Vicente, 74 anos, que tem participado em diversas reuniões e acções de protesto em nome desta causa.

“O mais estranho é que isto seja feito por uma entidade que está sob

As três activistas pela defesa do Jardim da Parada salientam que a sua actuação tem sido sempre realizada dentro do quadro legal

“Cresci na África do Sul, sob o apartheid, e jamais pensava que estaria agora” a passar por isto

tutela de um ministério. Estanho sermos três as pessoas visadas, quando a contestação ao projecto é ampla. Não temos nada a esconder”, frisa.

“É surreal saber isto. Cresci na África do Sul, sob o regime de apartheid, e jamais pensava que estaria agora a ser surpreendida por uma notícia destas. Não imaginava que o metro de Lisboa chegasse a este ponto”, diz Suzana Marques, 54 anos, salientando que todo o seu envolvimento e das colegas de activismo se fez à luz da legalidade. “Exijo saber qual a legitimidade disto e até que ponto vasculharam a minha vida”, afirma Susana Morais, de 43 anos. “Nasci em liberdade, depois do 25 de Abril, mas isto só me faz lembrar actuações do género da PIDE”, comenta.

O traçado e os contornos da obra de expansão da Linha Vermelha do metro da capital, que actualmente liga o Aeroporto a São Sebastião, foram anunciados em Janeiro de 2022. Prevendo estações em Campolide/Amoreiras, Campo de Ourique, Infante Santo e Alcântara, o projecto foi logo alvo de contestação pelo impactos patrimoniais que os trabalhos de construção teriam em dois pontos do percurso projectado: no Baluarte do Livramento, fortificação militar do século XVII situada junto a Alcântara, e no Jardim Teófilo Braga, ex-líbris do bairro de Campo de Ourique e mais conhecido como Jardim da Parada. O corte de árvores previsto, se bem que com promessas de replantação de diversos espécimes, e a descaracterização da vivência do jardim têm sido os principais motivos de contestação.

Poucos meses passados sobre a revelação do projecto, um grupo de moradores e frequentadores daquele espaço criou o Movimento Salvar o Jardim da Parada, que, em pouco tempo, conseguiria recolher nove mil assinaturas numa petição por si dinamizada contra a obra. O movimento apoiaria ainda, em Novembro desse ano, uma providência cautelar contra a empreitada interposta pela associação Fórum Cidadania LX, a Quercus — Associação Nacional de Conservação da Natureza e a Casa de Goa — Associação de Goa, Damão e Diu.

As “mais activas”

Os fundamentos da acção judicial acabariam por ser rejeitados, na primeira instância, pelo Tribunal Central Administrativo de Lisboa (TCAL), em Junho de 2023. Decisão que, após recurso, viria a ser confirmada pelo Tribunal Central Administrativo

do Sul (TCAS), em Junho passado.

No âmbito do referido plano de comunicação do Recape, foram analisadas as páginas de vários grupos no Facebook: Movimento Salvar o Jardim da Parada, Fãs de Campo de Ourique, Nascemos Felizes em Campo de Ourique, Campo de Ourique, Vizinhos de Alcântara, Comissão Moradores Bairro Azul e Associação de Moradores do Bairro do Alto do Parque.

“Estes grupos são monitorizados por estarem relacionados com as zonas onde o traçado do projecto incide”, é referido no documento. Sobre o facto de Susana Morais, Suzana Marques e Margarida Vicente serem incluídas num grupo de “pessoas analisadas”, é explicado porque as mesmas “foram escolhidas por serem as pessoas mais activas nos grupos/páginas contra a construção da estação no Jardim da Parada”.

Ante tal realidade, as três mulheres mostram indignação e prometem agir judicialmente contra o Metropolitano de Lisboa, em nome da preservação dos seus direitos de cidadania.

“Temos sido elogiadas pela nossa persistência, em vários dos fóruns onde temos ido expor a nossa posição, mas depois ficámos a saber que estamos vigiadas”, comenta Margarida Vicente.

“Não fizemos nada para ser considerados uma ameaça. Somos cidadãos a exercer os nossos direitos. Por isso, exigimos transparência”, pede Suzana Marques. “Sinto-me completamente exposta, com o meu nome ali colocado sem minha a autorização”, diz Susana Morais.

Tudo isto leva Jorge Bacelar Gouveia a considerar que se está perante um “claro cercear da liberdade individual”. O constitucionalista afirma: “Estamos a falar de uma actividade de vigilância que ultrapassa o âmbito da acção da empresa, entrando no foro pessoal.”

Bacelar Gouveia é, por isso, inequívoco. “Trata-se de algo muito estranho e inadmissível. Pensava que já tinha visto tudo, mas isto é novo. É bom que o conselho de administração do metro se explique rapidamente”, diz.

O PÚBLICO tentou obter um comentário do Metropolitano de Lisboa, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.

Local Obras Em Campo De Ourique, Lisboa, Têm Sido

pt-pt

2024-11-19T08:00:00.0000000Z

2024-11-19T08:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281762749796042

Publico