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Do resgate das lontras do Alasca à visita de Bill Gates ao oceanário

João Falcato É o presidente executivo do Oceanário de Lisboa, que recebeu 28 milhões de visitantes em 25 anos. Reflecte sobre o papel do oceanário em revelar o que se esconde no oceano

Filipa Almeida Mendes Texto Daniel Rocha Fotografia

O ex-líbris da Expo-98: assim se poderá classificar o Oceanário de Lisboa, que celebra agora 25 anos. Eleito três vezes como melhor aquário do mundo pelo Travellers’ Choice do Tripadvisor, já recebeu 28 milhões de visitantes, de mais de 200 nacionalidades.

Mais de duas décadas depois da sua abertura, continua a encantar miúdos e graúdos com os cerca de 8000 animais e plantas que alberga — nomeadamente, as lontras, os pinguins, os tubarões e o peixe-lua, os mais queridos do público. Mas mais imperioso que isso: continua a sensibilizar para a mudança de comportamentos e para a importância da conservação das espécies.

Se as paredes (e os animais) falassem, contar-nos-iam várias histórias curiosas sobre o Oceanário de Lisboa. No Dia Mundial dos Oceanos, que se assinala hoje, vale-nos o seu presidente executivo, João Falcato, que trabalha no aquário desde 1997 e que, em entrevista ao PÚBLICO, reflecte sobre o papel do oceanário em revelar o que esconde o oceano e o que temos de preservar. Mas esta é também uma conversa sobre visitas importantes e o futuro.

Qual é o balanço que faz destes últimos 25 anos?

Se olharmos para trás, é um percurso de sucesso que começa ligado à Expo-98. O oceanário foi pensado como um equipamento-âncora para garantir que existiam grandes fluxos de visitantes depois da Expo e eu acho que está aos olhos de todos nós. É o caso de maior sucesso do pós-Expo de que há conhecimento.

Um equipamento como o oceanário ter-se mantido e ter sido nomeado o melhor aquário do mundo em 2015 — passados tantos anos da Expo — é muito bom e difícil de repetir. Diria que, em

Portugal, contam-se pelos dedos as instituições que conseguem chegar a ser as melhores do mundo. No oceanário conseguimos três vezes — só houve ranking quatro vezes porque, caso contrário, se calhar podíamos ter conseguido mais.

Já tivemos 28 milhões de visitantes. Outra das nossas alegrias é conseguir sensibilizar cada vez mais pessoas. Temos sempre aquela ideia de que os portugueses são um povo marítimo, mas não são. Os portugueses adoram estar na praia a olhar para o mar e a beber uma cerveja, mas a maior parte de nós tem medo daquilo que está lá debaixo, quando está a nadar. O oceanário permite perceber o que é que está lá debaixo, a sua beleza e aquilo que nós temos de preservar porque o facto de nós não vermos não quer dizer que não esteja ameaçado. A realidade é que está [ameaçada] e é responsabilidade de todos nós contribuirmos para que o que lá existe continue a existir para os nossos filhos e netos. Em retrospectiva, quais diria que foram os melhores momentos do oceanário?

Os melhores momentos são muitos porque o que o oceanário sempre tentou foi fazer de forma diferente. O próprio oceanário, quando foi criado, era o maior aquário da Europa. Diria que ter mantas, numa primeira fase, também foi único na Europa. Depois, em 2011, fizemos uma expansão que nos permitiu ganhar alguma dimensão.

Nos últimos tempos, tivemos as florestas submersas do Takashi Amano — é o maior Nature Aquarium do mundo e quase nenhum aquário o tinha feito nesta dimensão.

Ainda somos, hoje, o único aquário que eu conheço no mundo em que 99% dos produtos que vendemos são sustentáveis e esse é um compromisso que assumimos a partir de 2018.

Isso é o que nos move. Diria que as grandes histórias do Oceanário de Lisboa são aquelas coisas que nós conseguimos fazer e que nunca tinham sido feitas no mundo.

Falando de histórias... Que histórias emblemáticas sobre o Oceanário de Lisboa nos pode contar?

Estas lontras que temos aqui hoje [Odi e Kasi], por exemplo, são animais muito especiais porque, se não fossem equipamentos como o Oceanário de Lisboa, estariam mortos. Não se sabe muito bem porquê, mas, desde 2014, a quantidade de lontras-bebés que começaram a ser abandonadas pelos pais no Alasca é muito grande. Normalmente, isto quer dizer que o ambiente não está bom, que a probabilidade de haver comida suficiente para elas sobreviverem é baixa e, como tal, os pais abandonam-nas. E, quando as abandonam, o que vai acontecer é que elas vão durar muito pouco tempo. O Alaska SeaLife Center é um centro de reabilitação que faz a monitorização de todos estes animais e, quando aparecem alguns com alguma possibilidade de sobrevivência, recolhem-nos e tentam recuperá-los. Normalmente, quando se faz isto, é impossível trazer [os animais] de volta para a natureza porque eles não aprenderam com os seus pais como se devem comportar. O Oceanário de Lisboa financiou toda essa recuperação destas duas lontras do Alasca e depois fizemos o transporte até ao oceanário, onde elas sensibilizam uma grande quantidade de pessoas todos os anos para a necessidade de termos cuidado com pequenas coisas sobre as quais nós, às vezes, nem pensamos.

A maior ameaça aos oceanos são as alterações climáticas. É por causa da subida da temperatura que estas lontras foram provavelmente abandonadas e quem causa a subida de temperatura somos nós através das nossas escolhas diárias de consumo e de acções. Por isso, ao olharmos para elas, podemos pensar em como podemos fazer a diferença na vida destes animais, apesar de estarem tão longe de nós.

Um outro caso engraçado, [que

O oceanário permite perceber o que é que está lá debaixo, a sua beleza e aquilo que temos de preservar

aconteceu] há pouco tempo, tem que ver com os cavalos-marinhos do Tejo. Um pontão ia ser demolido e sabíamos que havia uma população de cavalos-marinhos a viver ali que ia certamente morrer. Então, o ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas] pediu ao Oceanário de Lisboa para ir lá recolher essa população. Quando os trouxemos para cá, eram 20 e tal cavalos-marinhos [machos] e cerca de 30 ou 40 fêmeas. Este ano, já começámos a reintroduzir [na natureza] mais de 200, porque eles se reproduziram cá e acabámos por pôr no meio natural muito mais do que aqueles que fomos buscar.

Que visitas marcaram a história do oceanário nos últimos 25 anos?

Muitas. Uma que me marcou pessoalmente foi uma visita do Bill Gates, que esteve duas horas e meia comigo nos bastidores [em 2006]. Foi provavelmente a visita com a pessoa mais curiosa que eu fiz. Ele queria perceber como é que tudo funcionava, como é que as coisas eram organizadas.

Diria que a última mais importante foi, durante a Conferência dos Oceanos das Nações de 2022, do Presidente [Emmanuel] Macron que, na sua visita ao Oceanário de Lisboa, comprometeu a França a apoiar o fim da mineração do mar profundo, uma medida essencial para a conservação.

Mas, ao longo dos anos, já tivemos visitas do imperador do Japão, do próprio Putin e do rei Carlos III [entre outros].

Em 2018, tinham anunciado um plano de expansão do oceanário. Em que pé está esse projecto?

Todos esses planos pararam. A covid-19 fez-nos perder toda a nossa capacidade de investimento e financeira. Estamos agora a recuperar essa capacidade e não temos, neste momento, qualquer plano de avançar com a expansão. Não quer dizer que, daqui a alguns anos, não possa fazer sentido

voltar a pensar nessa possibilidade. Mas, neste momento, está em pleno stand-by.

Estamos exactamente a delinear a estratégia de futuro do Oceanário de Lisboa — perceber o que é que vamos fazer, onde e como, para nos mantermos na linha da frente. Antes de avançarmos para fazer algo mais, temos de manter aquilo que já temos no topo mundial. Por isso, vamos focar-nos, nos próximos dois ou três anos, a renovar aquilo que temos. Quem sabe se, a seguir, voltaremos a pensar outra vez numa expansão.

Tendo em conta que faz parte da equipa desde o início, qual foi o impacto do oceanário nestes últimos anos da sua vida?

O impacto que tem [para mim] é vir para cá todos os dias. É quase a minha segunda casa.

Há 26 anos, comecei como biólogo marinho no Oceanário de Lisboa. Depois, passei a tratar dos próprios animais, depois a gerir as pessoas que tratam dos animais e, finalmente, a gerir a empresa como um todo a partir de 2006. É um enorme privilégio.

Quando isto começou, ninguém sabia se ia ter sucesso no futuro. Estimávamos que o Oceanário de Lisboa viesse a ter, se corresse tudo muito bem, 800 mil visitantes por ano — o que nos deixava sempre a pensar se isto seria financeiramente viável.

Passados estes anos todos, sabemos que é financeiramente viável, que aplica todo o seu dinheiro numa missão e que realmente tem impacto. O que o oceanário diz, as pessoas acreditam que é verdade, porque não temos uma agenda política.

Cerca de 1,4 milhões de pessoas — ou 10% da população europeia — visitam o aquário todos os anos e estão durante cerca de duas horas a ver a beleza daquilo que temos para mostrar e a ouvir aquilo que temos para dizer.

Também há aqui um papel relacionado com a literacia, nomeadamente das crianças...

Sim, o nosso programa educativo já deu aulas a mais de 1.600.000 crianças, ao longo dos 25 anos. Em 2019, demos aulas a 214 mil crianças. Entretanto, a covid-19 teve um impacto enorme nas escolas.

Agora, em 2023, esperamos ultrapassar as 100 mil para depois voltar a educar cada vez mais crianças e inspirá-las.

É engraçado porque, muitas vezes, quando contratamos novos colaboradores, eles dizem que foi o oceanário que os fez seguir aquela carreira. Sentimos que, na realidade, a visita e a existência de um equipamento como o nosso tem mesmo impacto nas pessoas.

Quais são os planos para o futuro?

O que temos hoje vai certamente ser melhorado e evoluir. O que vai continuar a crescer cada vez mais é o desenvolvimento do conhecimento.

Para além daquilo que o público vê, há muito trabalho que fazemos nos bastidores como, por exemplo, a avaliação do risco de extinção das espécies através da Lista Vermelha dos Peixes de Portugal. Começámos esta actividade em 2018 porque percebemos que mais de metade das espécies que tínhamos no Oceanário de Lisboa não estava avaliada. Ou seja, nós não sabíamos (nem ninguém) se elas estavam realmente ameaçadas e, hoje, estão praticamente todas avaliadas.

Os aquários, geralmente, têm um

know-how único e diferente das universidades e das organizações

Para além daquilo que o público vê, há muito trabalho que fazemos nos bastidores como, por exemplo, a avaliação do risco de extinção das espécies

não governamentais no que diz respeito ao conhecimento das espécies. Ninguém sabe como é que se fecha o ciclo de vida da maior parte das espécies, como é que elas se reproduzem.

Quando pensamos na probabilidade de um grande número de espécies se extinguir daqui a 20, 30 ou 40 anos, se nós nem soubermos como é que elas se reproduzem, a probabilidade delas se manterem no nosso planeta é muito baixa e esse é um dos trabalhos que o oceanário está a fazer cada vez mais. Também começámos a trabalhar em criopreservação de gâmetas, de esperma e óvulos, para se houver alguma necessidade.

Estamos também a fazer um estudo com a Fundação Champalimaud sobre o cérebro das larvas e outro com o Instituto Superior Técnico sobre as bactérias que existem nos corais.

Temos feito cada vez mais trabalho para aumentar o conhecimento sobre as espécies e para, no futuro, se for necessário, intervir de alguma forma.

Em termos de espécies, há alguma que gostasse que o oceanário viesse a acolher nos próximos anos?

A escolha das espécies é muito ponderada. Quando escolhemos uma espécie para ter aqui no Oceanário de Lisboa, essa espécie tem de ter alguma missão ou razão de ser — pode ser uma mensagem especial que nós queremos que o público perceba ou a espécie pode estar ameaçada e precisamos de saber mais sobre ela para a sua conservação.

Iremos certamente ter novas espécies. Estamos a falar de uma população de 8000 animais e os ciclos de vida variam — há animais (normalmente aqueles que vivem em água quente ou crescem muito depressa) que vivem entre cinco e oito anos, mas também temos animais, como os tubarões, que estão aqui desde 1998 ( já chegaram adultos e agora têm entre 40 e 50 anos). As novas atracções normalmente são as novas exposições. Nisso, sim, estamos a começar agora a trabalhar e daqui a dois anos, provavelmente, vamos ter uma nova exposição temporária. As galerias, que são aquelas áreas entre os habitats, também vão ser todas renovadas.

O oceanário é mais do que um aquário? Porquê?

Eu diria que é uma experiência. Quando entramos neste edifício, em primeiro lugar, vamos ali a uma exposição que nos acalma que se chama Florestas Submersas —o batimento cardíaco das pessoas vai baixar certamente e queremos que comecem a descolar um pouco daquela correria do dia-a-dia.

A seguir, vamos à exposição One,

cujo objectivo é que as pessoas percebam que nós e a natureza somos um só e que está tudo ligado. Depois, vemos os animais, a beleza do mar e aquilo que temos de proteger através da exposição permanente. Por fim, terminamos numa experiência de consumo sustentável, porque não basta falar.

Acreditamos que a quantidade de informação a que somos sujeitos todos os dias é tão grande que dificilmente muda qualquer coisa. [Para haver mudança] é através das emoções. Diria que, mais do que um aquário, é uma viagem emocional à natureza em que nos sentimos parte dela e, ao sermos parte dela, percebemos que a temos de proteger também.

Como gostaria de encontrar o oceanário daqui a 25 anos?

Gostava que o oceano estivesse tão bem ou melhor do que está hoje — porque isso queria dizer que havia resultados práticos do nosso contributo, que é uma pequena parte, certamente, de tudo o que é necessário fazer.

Hoje em dia, prever o que será o nosso mundo daqui a cinco anos — com inteligências artificiais e essas coisas todas — é quase impossível. O mais importante é [o oceanário] continuar a ser relevante, a ter um papel importante na sociedade e um contributo e um impacto cada vez maior na conservação do oceano.

Ciência E Ambientetheomjeaédoa Dabiaermturnadqiaul

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2023-06-08T07:00:00.0000000Z

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