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Pescadores de Viana querem compensações “dignas” por parques eólicos

Ainda sem leilões de eólicas no mar, os pescadores já estão preocupados com a “sobrelotação das áreas de pesca” na região

Ana Brito

O Governo ainda não lançou os leilões para os novos parques eólicos na costa portuguesa, mas os pescadores de Viana do Castelo já se estão a mobilizar para fazer ouvir as reivindicações de quem acha que terá “um prejuízo muito grande” quando os gigantes do vento invadirem as suas águas.

“Queremos compensações dignas para toda a gente”, disse ao PÚBLICO o presidente da Associação de Pescadores Ribeirinha de Viana do Castelo, António Coimbra, uma das quatro associações de pesca do Alto Minho que no mês passado foram recebidas em audiência na Assembleia da República, para se queixarem de que ninguém quis saber a sua opinião sobre a instalação de parques eólicos na costa e manifestarem receio quanto ao impacto que a exploração de energia poderá ter na actividade piscatória.

“Nós nunca fomos ouvidos, quando soubemos dos leilões, as zonas já tinham sido definidas”, afirmou António Coimbra, cuja associação representa cerca de 50 embarcações, que podem ter cada uma “três ou cinco pessoas ou mesmo oito”. Dizendo que é preciso “diálogo” entre os pescadores e as autoridades, Coimbra não tem dúvidas de que os parques eólicos “vão trazer lucros de milhões às grandes companhias” e pôr em perigo a sobrevivência da pesca local.

“Estamos dependentes de pessoas que têm um poder muito grande e comparados com as grandes companhias somos muito pequenos”, afirmou o pescador.

O Governo anunciou a meta de atingir 10 Gigawatts (GW) de potência instalada na costa portuguesa até 2030 (o equivalente, com a tecnologia actual, a espalhar mais de 600 torres eólicas no mar), mas pretende que esse objectivo seja alcançado de forma faseada até ao final da década.

Para este ano, prevê-se o lançamento de um primeiro leilão que possa atribuir até quatro lotes de 500 Megawatts (MW), que, segundo o anúncio do Governo na conferência organizada recentemente pela Associação de Energias Renováveis (Apren), sobre energias limpas oceânicas, deverão ser distribuídos por Viana do Castelo (500 MW), Figueira da Foz (1 GW) e, eventualmente um quarto lote, a sul de Sines (mais 500 MW), sendo certo que as zonas a Norte são tidas como as que têm maior potencial eólico em Portugal.

Para os pescadores, a ocupação do espaço marítimo com estas construções — e a criação de zonas de exclusão onde é interdita a pesca — significa que as embarcações maiores deixarão de poder trabalhar nessas águas e têm de vir “mais para terra, pescar em cima das embarcações mais pequenas”, gerando situações de “sobrepesca”, que cedo ou tarde terão consequências: “Mais dez anitos e acabou a pesca artesanal”, vaticina António Coimbra.

Os receios são partilhados pelo presidente da Associação de Pescadores Profissionais do rio Minho e Mar (Caminha), Augusto Porto, que representa perto de 60 embarcações, com 200 homens. São os impactos da construção dos parques nos movimentos migratórios de espécies como o salmão, o sável e a lampreia e “a sobrelotação das áreas” que podem ser “a machadada final na pesca na zona do Alto Minho”, refere.

Já em 2019, a instalação das três torres flutuantes do Windfloat (projecto liderado pela EDP, que marcou o início da exploração eólica offshore em Portugal) ao largo de Viana “deu uma luta muito grande, que até teve de meter advogado”, refere António Coimbra, recordando que se negociaram compensações com apenas algumas embarcações (“aves de rapina que fizeram segredo” disso, acusa o pescador), o que obrigou os barcos mais pequenos a “fazer muito ruído” para conseguirem contrapartidas consideradas justas pela diminuição das áreas de pesca.

Chegou a haver ameaça de boicote às festas de Nossa Senhora da Agonia, em Agosto, que tem como um dos pontos altos a procissão marítima.

“Foi um processo muito mal conduzido pelo Governo”, concorda Augusto Porto, dizendo esperar que se tenham retirado lições do que se passou com o Windfloat. Explicando que a associação já manifestou à Direcção-geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) a posição de que os parques eólicos devem ficar “mais para norte e o mais afastados possível da costa”,

Augusto Porto frisa que os pescadores “sabem que as eólicas são o futuro”, mas querem que seja tido em conta o seu impacto “na vida destas pessoas que não sabem fazer mais nada”.

É preciso que “esses prejuízos sejam pensados” e incluídos nos contratos dos futuros parques, disse ao PÚBLICO.

Pescadores já ameaçaram, no passado, boicotar festas de Agosto em Viana do Castelo

Nada, “tirando o marisco”

As áreas pensadas para receber os parques estão a ser alvo de uma avaliação ambiental estratégica e só depois poderão ser incluídas no novo plano de ordenamento costeiro, a aprovar em Conselho de Ministros. Por outro lado, qualquer futuro parque eólico terá de passar por um processo de avaliação ambiental quando estiver em fase de licenciamento.

António Coimbra sublinha que os pescadores não têm conhecimento de nenhuma análise ao efeito do funcionamento das torres eólicas na pesca, mas sabem o que vêem com o Windfloat: “Quando ele está activo, tirando o marisco, não há ali nada. Passado uma semana de estar parado, o peixe começa a voltar”, diz ao PÚBLICO. Por outro lado, considera “uma aberração” a ideia, que já ouviu, de que desta vez se poderá navegar entre as torres e “pescar no meio”. “Trabalhamos com correntes de água, ventos e nevoeiro, é um perigo”, resume.

Umas milhas abaixo, na Figueira da Foz, também há receio sobre o que possa vir a passar. O presidente da Centro Litoral, Nuno Lé, diz que a organização de produtores de peixe também “não foi ouvida nesta matéria tão sensível para o sector”.

Numa declaração enviada ao PÚBLICO, Nuno Lé, à frente de uma organização que reúne “60 embarcações e 700 pessoas”, nota que “qualquer tomada de decisão por parte do Governo central afecta de sobremaneira o sector das pescas, que é um dos (ainda) maiores motores da economia nacional, para além da forte presença nas economias locais um pouco por todo o país”.

Em Viana do Castelo, os pescadores “sentem-se lesados pela operação lá concretizada [o Windfloat]”, por isso, “se calhar não seria pior afastar mais as eólicas da costa, para cerca de cem quilómetros”, sugere Nuno Lé, queixando-se de que a Centro Litoral “não foi convidada” a participar na consulta pública sobre as localizações dos futuros parques eólicos, “o que demonstra a falta de cuidado em ouvir todas as partes, nomeadamente aquela que é mais representativa do sector”.

Quando o Windfloat está activo, tirando o marisco, não há ali nada. Depois, o peixe volta António Coimbra Pescador

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2023-06-08T07:00:00.0000000Z

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