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Contentores XL e cantoneiros sem férias. Como Lisboa lidará com o lixo da jornada

É esperado um aumento de 30% a 50% na produção diária de resíduos durante a jornada. Junta de Santa Maria Maior contrata ex-reclusos e timorenses desempregados para assegurar limpeza

Samuel Alemão

A ordem é clara: durante a semana em que decorrer a Jornada Mundial da Juventude ( JMJ) 2023, entre 1 e 6 de Agosto, e nos dias imediatamente antes e depois do encontro que trará a Lisboa o Papa Francisco e mais de um milhão de peregrinos, os 65 funcionários do departamento de higiene urbana da Junta de Freguesia da Misericórdia não poderão tirar férias. Além disso, ocorrerá um incremento no valor relativo ao pagamento das horas extraordinárias dos trabalhadores adstritos a tais funções.

“Estamos a tratar estes dias de igual forma como lidamos com o mês de Junho e os santos [populares]. Vamos estar a operar a 200% e, por isso, não autorizo férias, nem gozo de folgas passadas”, diz Carla Madeira (PS), presidente da autarquia que gere um território onde se incluem locais tão emblemáticos do coração da capital portuguesa como uma parte do Chiado, o Bairro Alto, a Bica e o Cais do Sodré. “Todos temos a obrigação de contribuir na máxima força”, enfatiza.

Confirmando-se a chegada a Lisboa do anunciado número de peregrinos e acompanhantes, a produção de lixo conhecerá um significativo crescimento, durante o período da realização da JMJ e nos momentos anteriores e posteriores. O que vem complicar, ainda mais, o perene problema da manutenção dos padrões mínimos de salubridade relacionados com a higiene urbana da cidade, que tem sido agravado com o crescimento do turismo e é especialmente sentido no Verão. A Câmara de Lisboa espera um aumento de 30% a 50% na produção de resíduos, entre 31 de Julho e 6 de Agosto, em relação às 900 toneladas colectadas diariamente.

A recolha dos resíduos sólidos e a limpeza do espaço público nos locais onde ocorrerão grandes ajuntamentos de pessoas — em particular, na zona do Parque Tejo, no Parque das

Nações, e no Parque Eduardo VII, onde o chefe supremo da Igreja Católica presidirá a cerimónias — serão, certamente, um desafio. Mas, ainda assim, mais fácil de gerir pela concentração de pessoas em determinados locais. Uma realidade com que as autoridades têm lidado, nos últimos anos, sempre que ocorrem grandes eventos, como espectáculos musicais, desportivos ou manifestações.

O teste maior, porém, acontecerá através da conjugação desses momentos com a circulação e a estada de um tão grande número de indivíduos por amplas áreas do espaço público da capital, com a condizente produção de resíduos. Ainda para mais numa altura do ano em que as temperaturas elevadas sublinham a necessidade de uma pronta recolha do lixo indiferenciado, por uma questão de saúde pública. E também de gestão da imagem da cidade.

A pensar nisso, a Câmara Municipal de Lisboa está a preparar um sistema paralelo e temporário de deposição de resíduos através de contentores de grande capacidade, permitindo recolher entre 20 e 28 metros cúbicos de resíduos, e a serem distribuídos pela cidade para apoiar os eventos que irão decorrer. Esses equipamentos temporários serão instalados ou colocados em diversos locais, na semana de 24 a 28 de Julho e retirados na semana de 7 a 11 de Agosto.

Ao mesmo tempo, e de acordo com o plano de gestão de resíduos definido pela autarquia para a jornada, a direcção municipal de higiene urbana disponibilizará também às juntas de freguesia contentores para que estas possam depositar neles os resíduos que recolherem, nomeadamente nas imediações dos locais dos eventos de grande dimensão.

Serviço 24 horas por dia

“Irá igualmente ser disponibilizada contentorização de pequena dimensão, de 120 a 240 litros, na via pública, para apoio ao sistema de papeleiras, que certamente estará sob pressão”, explica a edilidade, avançando que, nessas datas, reforçará os serviços de limpeza urbana e remoção, os quais trabalharão “24 horas por dia”, nos sete dias da semana.

“Durante o dia, iremos fazer a manutenção do espaço público, através do despejo permanente das papeleiras, e, durante a noite, iremos proceder à remoção, limpeza e lavagem das vias com recurso a equipamentos mecânicos pesados”, informa o vereador Ângelo Pereira, responsável pelo pelouro da Higiene Urbana, em resposta escrita enviada ao PÚBLICO.

Cientes da enorme pressão, também os presidentes das juntas de freguesia onde se espera uma maior circulação de pessoas tentam preparar o melhor que podem o confronto com o “tsunami” de visitantes na cidade. “Vai obrigar-nos a uma grande logística e a uma grande coordenação entre todos. Vamos ter aqui dias muito trabalhosos”, admite Vasco Morgado (PSD), presidente da Junta de Freguesia de Santo António, território que abarca áreas como a Avenida da Liberdade e as encostas que a ladeiam e o Marquês de Pombal.

Para que as coisas corram bem, sobretudo a 3 e 4 de Agosto, quando o sumo pontífice presidir, no Parque Eduardo VII, à cerimónia de acolhimento e à via-sacra com os jovens, respectivamente, aquela junta procederá ao reforço das suas equipas.

50% Espera-se um aumento de 30% a 50% na produção de resíduos, entre 31 de Julho e 6 de Agosto, em relação às 900 toneladas recolhidas diariamente

Aos 51 funcionários dos quadros, acrescerão duas dezenas de pessoas pagas à tarefa, as quais, admite Vasco Morgado, poderão vir a manter-se ao serviço da autarquia depois da JMJ. Até porque as normais exigências de higiene urbana durante o resto do ano o justificam.

As equipas de limpeza serão ainda reforçadas na sua acção, durante aquele momento, por uma centena de voluntários do dispositivo de protecção civil da freguesia. Eles sinalizarão as situações a precisar de uma intervenção mais expedita, nomeadamente naquilo que o presidente da junta antevê como a maior dor de cabeça, o “lixo espalhado pelo chão”.

A cooperação com os comerciantes no que se refere à correcta deposição dos resíduos nos contentores será uma das peças-chave para que operação corra bem. Mas a junta ainda conta com outra ajuda. “Iremos autuar, sempre que necessário”, avisa o autarca, garantindo que a junta “estará à altura” da exigência do momento.

A Junta de Santo António não sentiu, todavia, a necessidade de congelar as férias dos funcionários da higiene urbana, tendo optado pela sua sensibilização para que não metam férias nesta altura. O que terá sido suficiente. “Na junta, somos como uma família. Mostrámos a necessidade maior de estarmos todos”, explica Vasco Morgado.

Contratações temporárias

Abordagem idêntica tomou o seu homólogo da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, que administra um território coincidente com bairros e zonas tão icónicas como Alfama, Mouraria, Castelo, Baixa e parte do Chiado. Às seis dezenas de funcionários do quadro foi pedido que se mantivessem ao serviço durante a JMJ, embora não se tenha enveredado pelo bloqueio da possibilidade de se marcarem férias. Uma atitude que Miguel Coelho (PS), presidente da autarquia, justifica com a necessidade de “garantir a normalidade” da vida quotidiana do pessoal.

Precisamente para que, todos os anos, os funcionários desfrutem do descanso sazonal sem restrições, a junta procede a recrutamentos temporários, visando suprir as indisponibilidades por férias. A diferença é que, este ano, em parte por causa da JMJ, se optou por lançar um concurso para tentar captar o dobro de pessoas do que é usual. Mas que não obteve a adesão desejada.

Para resolver a questão, a Junta de Santa Maria Maior teve de recorrer à contratação extraordinária de ex-reclusos, através de uma associação que os representa, e de cidadãos de Timor-Leste que se encontram em busca de trabalho. Este efectivo garantirá assim à junta um continactivo, gente de três a quatro dezenas de trabalhadores temporários.

Com esses meios humanos, a que se adiciona a aquisição de duas viaturas, Miguel Coelho espera garantir uma “maior continuidade” no serviço, com especial atenção ao esvaziar das papeleiras. Além disso, e durante os fins-de-semana do Verão, manter-se-á uma “intensidade” na limpeza similar à dos dias úteis e apostarse-á numa mais frequente lavagem das ruas.

“Vamos também estar atentos ao lixo que a câmara deveria recolher e não recolhe”, diz o presidente da junta, sobre os sacos deixados, sobretudo pelos restaurantes, junto aos contentores do lixo, cuja recolha é uma competência do município. “Temos de garantir os mínimos. Se esses sacos não são recolhidos, depois, o lixo espalha-se. Se não fossem as juntas a fazê-lo, teríamos uma realidade mais complicada”, diz.

Também Carla Madeira reclama para a Junta da Misericórdia um papel fulcral na manutenção dos mais elementares padrões de limpeza. “Faço um esforço enorme, que o resto da cidade não faz”, afirma, aludindo à grande pressão turística sentida naquela zona da capital. A autarca gostaria de contar, por isso, com mais funcionários para tais funções. “Era necessário, mas não temos verbas para mais, estamos no limite”, diz Madeira, suspeitando de que os “meios disponíveis na cidade não serão suficientes” para enfrentar o que aí vem.

Visão diferente tem João Costa (PSD), secretário da Junta de Freguesia de Arroios com o pelouro da higiene urbana, garantindo ao PÚBLICO “estar tudo preparado”. Com cerca de 80 funcionários no

Vamos estar a operar a 200% e, por isso, não autorizo férias, nem gozo de folgas passadas Carla Madeira Presidente da JF Misericórdia

a todos eles foi pedido que não gozassem férias, mas sem os proibir de o fazer.

Nesses dias mais intensos, dois carros andarão constantemente a girar pela freguesia a apanhar o lixo que esteja fora dos contentores. Especial atenção será dada às imediações dos hostels e na Alameda Dom Afonso Henriques, onde decorrerá programação cultural associada à JMJ 2023. “Nos sítios mais críticos, haverá lavagem de ruas”, diz o responsável, confiando na forte cooperação entre a junta e os serviços municipais de limpeza.

Pior no Parque das Nações

O mesmo espera Carlos Ardisson (CDS-PP), presidente da Junta de Freguesia do Parque das Nações, local da cidade onde se concentrará a parte mais significativa do programa da jornada, com as alocuções papais do fim-de-semana de 5 e 6 de Agosto, no Parque Tejo. “Desde que assumimos funções, em Outubro de 2021, sabíamos que íamos receber a jornada. Mas só vamos ter a noção exacta da real dimensão do desafio quando as pessoas começarem a chegar”, admite o autarca.

Esse desafio será abraçado por uma equipa de quase meia centena de funcionários, contratados pela junta em Abril passado, depois de ter rescindido o contrato com a empresa que assegurava os serviços de higiene urbana. O Parque das Nações era, de resto, a única freguesia da cidade que tinha os serviços de limpeza subcontratados, herança da gestão muito particular do território onde se realizou a Expo98, pela extinta Parque Expo. A autarquia não tinha um quadro de pessoal de higiene urbana. Teve de o criar.

Alguns dos funcionários passaram da empresa que ali prestava serviço para os quadros da junta. “Metade deles já estava a trabalhar aqui e conhecia este território. Por isso é que foram convidados”, afirma Carlos Ardisson, salientando que os trabalhadores, por estarem agora a começar do zero, foram informados de que não poderiam gozar férias este Verão. A essa equipa poderá ainda juntar-se a da divisão de jardinagem, caso venha a ser necessário. Do dispositivo farão ainda parte três máquinas de varredura.

Ao PÚBLICO a Câmara de Lisboa informou que se tem reunido regularmente com a Valorsul — empresa que assegura o tratamento dos resíduos sólidos urbanos de vários municípios — sobre esta matéria, nomeadamente para “garantir a articulação necessária para a entrega dos resíduos urbanos produzidos na cidade”, durante a JMJ. “O tema que tem suscitado maior preocupação são as acessibilidades à incineradora da Valorsul, sita na Bobadela, que não poderão estar limitadas de forma alguma”, sublinha a câmara.

Iremos autuar, sempre que necessário. A junta de freguesia estará à altura do momento Vasco Morgado Presidente da JF Santo António

Local Milhares Estarão Na Capital De 31 De Julho A

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