António Costa questionou o aumento das taxas de juro, anunciado por Christine Lagarde, como medida para travar a inflação. Defendeu Costa que as causas desta inflação são distintas das causas habituais e que, por isso, a solução também não deve ser a tradicional.

Há aqui matéria para discussão. O Banco Central Europeu defende interesses e podemos ter a certeza de que não são os das pessoas ou, como agora se diz tanto, os das famílias. Para quem tem dúvidas: reparem que ainda na semana passada, e enquanto anunciava o aumento das taxas de juro, Lagarde apelava ao fim dos apoios governamentais às famílias e às empresas.

A inflação que atinge as famílias que mais beneficiam de apoios sociais é a dos bens alimentares e a da energia. Acontece que esta inflação específica é um fenómeno da oferta e não da procura. As pessoas estão a comprar menos comida e a consumir menos energia e os preços continuam a aumentar. Foi um aumento que aconteceu apesar da diminuição da procura e, já agora, um aumento que justifica os lucros extraordinários das empresas deste sector.

Como retirar os apoios sociais a quem já está a consumir menos e, mesmo assim, a ter de lidar com o aumento dos preços daquilo que não pode deixar de comprar ou consumir? Não é só uma medida cruel, é também uma medida ineficaz. Isto porque a inflação que pode ter origem em fenómenos da procura — por exemplo, a correspondente aos pacotes de viagem e aos bilhetes de avião — não está a ser provocada por quem recebe apoios governamentais. Não será um corte nos rendimentos de quem recebe apoios sociais que fará baixar a procura em pacotes de viagens ou em bilhetes de avião. Sejamos claros.

Há aqui crueldade.

É sabido que o aumento dos salários não acompanhou o aumento da inflação. É igualmente sabido que os apoios sociais visam sobretudo pessoas de classes socioeconómicas mais baixas. Se acrescentarmos a isto a ineficácia da medida, uma vez que são pessoas cujos consumos não estão a contribuir para o aumento da inflação, temos nesta proposta uma demonstração de total insensibilidade social.

Foi por isso reconfortante que — no mesmo dia do anúncio do último aumento das taxas de juro e deste apelo de Lagarde para o fim dos apoios sociais que visam