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É preciso falar sobre Swarm, a série que não é sobre Beyoncé (mas é)

Nova criação de Donald Glover foca-se no fanatismo descontrolado, compondo uma história de terror que não colhe unanimidade em torno de uma fã... e serial killer

Joana Amaral Cardoso Stonehouse Instável

Dominique Fishback encarna Dre, a protagonista desta série — o seu desempenho tem sido um dos aspectos mais elogiados pela crítica

Ninguém nega que Dre, a protagonista da nova série da Amazon Prime Video, é superfã de uma cantora inspirada em Beyoncé. Swarm, aliás, começa logo por avisar que não constitui uma obra de ficção e que todas as semelhanças com pessoas reais são intencionais. Donald Glover, um dos criadores, é amigo de Beyoncé e sabe-se que tudo está bem no reino dos artistas e das gigantescas plataformas de streaming que tudo filtram por um chorudo coador de advogados. Posto isto, estamos perante uma ficção sobre uma assassina em série negra em que se questiona o que é hoje ser fã, o que projectamos nos nossos ídolos e a toxicidade das colmeias que se formam online em torno das estrelas.

É uma série boa? É uma série má? É uma série do meio? É uma série para discutir. Dre, uma rapariga introvertida e complexada, tem duas certezas na vida: o seu amor pela meia-irmã e a devoção a Ni’Jah, cantora de Houston, no Texas, casada com um músico famoso. Os filhos gémeos deste power couple e o escândalo no qual o par se verá envolvido por causa de uma agressão em família num elevador estão entre as tais semelhanças com a realidade que não são mera coincidência. Os bilhetes para os concertos de Ni’Jah custam balúrdios, o seu estrelato é planetário, os seguidores são ferozes. E se, na vida real, a rainha Bey (diminutivo que se pronuncia da mesma forma que a palavra “bee”, ou seja “abelha”) tem a sua BeyHive (um jogo de palavras a partir do termo inglês para colmeia, “beehive”), Ni’Jah tem um “Swarm”, ou seja, um enxame, de admiradores devotos.

Nenhum, porém, é tão devoto como Dre, personagem que uma magnífica Dominique Fishback põe no ecrã nesta série tudo menos unânime — mas que tem suscitado reflexões significativas sobre o estado actual da cultura pop. Dre, a ultrafã, mata quem ofende Ni’Jah. Para Donald Glover e Janine Nabers (autora que trabalhou em Watchmen e que Glover trouxe da sua Atlanta), a ideia de pôr uma mulher negra no papel de uma assassina foi só o princípio. Glover, que além de actor e realizador é também o rapper Childish Gambino, é amigo de Beyoncé, como já se referiu. Janine Nabers andou no mesmo liceu que a cantora. Em toda a sala de argumentistas da série, só uma pessoa nunca conheceu a autora de Formation.

Os objectivos desta ficção orgulhosamente distinta de tudo o que está actualmente nos ecrãs (e há tanta coisa...) eram ambiciosos: a partir de uma cantora de pele mais escura do que a estrela em que se inspirou, os criadores queriam mostrar o outro lado da febre das séries e documentários de “true crime”, fazer sátira social à moda de Jordan Peele e dar trabalho a muitos profissionais negros numa indústria que continua a marginalizá-los, mas também a novas vozes inesperadas — Malia Ann, co-autora de um episódio, é Malia Obama, filha do ex-Presidente e de Michelle. E queriam também surpreender ao colocar a cantora Billie Eilish no papel da líder de um culto inspirado no muito real e recente grupo NXVIM.

Dominique Fishback (que já víramos em Judas e o Messias Negro, The Deuce) torna-se aqui o rosto de um fenómeno online conhecido como

“stan” — a paixão descontrolada por uma figura pública ou personagem que se idolatra, termo que por seu turno vem da canção homónima de Eminem sobre um homem que se diz ser o seu maior fã. Mas é uma versão tragicómica do “fandom”, capaz da maior violência em episódios que são quase, como em Atlanta, capítulos desgarrados de uma mesma história. A actriz não estudou o fenómeno, mas disse à revista

Hollywood Reporter que pediu um psicólogo nas filmagens para apoiar outros membros da equipa.

Para Donald Glover, esta é “uma série da pós-verdade”. Nesta sua primeira produção no âmbito de um acordo com a Amazon, quis tentar fazer algo que ele próprio quisesse ver, e com actores jovens. Janine Nabers pretendia por sua vez complicar a representação das mulheres negras no ecrã, criando figuras “tão grandes e subversivas quanto as personagens brancas” que viu em centenas de séries e de filmes.

Entre o que eles quiseram fazer e o que fizeram haverá uma margem que se mede em elogios e desilusões. A crítica não se decide quanto a

Swarm, salvo nos obrigatórios elogios a Fishback. “É o tipo de série em que nos questionamos se o final vai ter uma revelação que nos diga que não tínhamos percebido bem, mas depois Swarm cambaleia sobre a linha da meta, tão inerte e proibitiva como o foi [ao longo da temporada]”, critica o jornal britânico The Guardian. “Vale bem a pena prestar atenção ao zunzum sobre Swarm”, aconselha o IndieWire, com a

HollywoodReporter a apontar o essencial: esta é “uma série de escolhas delirantemente bizarras”.

“Swarm não é para todos”, resume o crítico Brian Lowry na CNN, “mas o tema com que esta série lida é suficientemente significativo” para justificar que seja vista. Os seus sete episódios estão disponíveis desde dia 17 na Amazon Prime Video.

Hoje

As notas de piano do genérico da série de Jesse Armstrong já se ouvem. Logan, Kendall, Shiv, Roman, Connor, Tom e o primo Greg preparam-se para mais um round. A dinastia Roy tem de encontrar um sucessor e deveria reunir-se na festa de aniversário do seu rei-sol, Logan, o astro em torno de quem tudo e todos giram. Porém, os miúdos não estão OK e não comparecem. Os dez últimos episódios desta dança, agora na sua quarta temporada, chegam hoje.

RTP2

Desejo Duplo: O Mestre e a Sua Musa

Amanhã, 23h25

Neste documentário de Nathalie Labarthe conta-se uma história que se mede em 40 anos e oito filmes: a da relação de trabalho “ardente e apaixonada” entre o cineasta Pedro Almodóvar e a sua musa masculina, o actor Antonio Banderas.

FILMIN

Amanhã

Se a dose de Matthew Macfadyen como Tom em Succession não chegar, esta semana estreia-se também a minissérie em três partes que o actor britânico protagoniza. Stonehouse inspira-se na ascensão e queda do deputado John Stonehouse, que fingiu a sua própria morte, trabalhou como espião para a ex-Checoslováquia e adoptou múltiplas identidades nos anos 1970. Com argumento de John Preston (A Very English Scandal) a série também conta com Keeley Hawes (Os Durrells), a sua mulher na vida real.

NETFLIX

Quinta-feira

Esta série de oito episódios é protagonizada por Rob Lowe, no papel de Ellis Dragon, um empresário da biotecnologia excêntrico e narcisista que se encontra emocionalmente em mau estado. O seu filho, Jackson, é o contrário mas quer salvar tudo: a empresa, a relação com o pai e o próprio pai.

Guia Ecrãs

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2023-03-27T07:00:00.0000000Z

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https://ereader.publico.pt/article/281960317004767

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