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O menestrel maldito que desafiou a ditadura brasileira

Cantor e humorista chegou a viver exilado em Portugal, onde se incompatibilizou com o regime de Salazar

Gustavo Zeitel e Henrique Artuni Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

O cantor e comediante Juca Chaves, o menestrel maldito da música brasileira, morreu anteontem, aos 84 anos. Estava internado há 15 dias no Hospital São Rafael, em Salvador, na Bahia, com problemas cardiorrespiratórios.

Unindo humor à música, Juca Chaves notabilizou-se, nos anos 1960, por incomodar a ditadura militar com suas modinhas e trovas. Entre as suas composições mais conhecidas, estão Caixinha, obrigado!, Take me back to Piauí e A cúmplice. Exilado do Brasil na década de 1970, o artista estabeleceu-se em Portugal, onde também desagradou ao regime político da época.

Num espectáculo no Teatro Tivoli, em Lisboa, irritou as autoridades portuguesas, fazendo uma piada sobre o ditador António de Oliveira Salazar. Os órgãos da repressão não concordaram com a sua arte liberal, e Chaves rumou a um novo exílio, agora na Itália.

Nascido no Rio de Janeiro numa família judaica, Jurandyr Czaczkes Chaves teve formação em música erudita, compondo aos 12 anos a sua primeira modinha. Ainda na infância, mudou-se para São Paulo e passou a frequentar o Clube Pinheiros. Ali conheceu Ana Maria, musa a quem dedicou várias canções.

Sempre acompanhado do seu alaúde, ganhou do poeta Vinicius de Moraes o apelido de menestrel maldito. No início da carreira, novamente no Rio de Janeiro, montou um circo nos arredores da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde recebia empresários, políticos e moradores de uma favela vizinha.

Vinte anos depois, fez sucesso, apresentando a sua obra em programas de rádio e televisão. Na mesma época, fundou a sua própria editora. Ficou conhecido pelos bordões; entre eles, o mais famoso era “vá ao meu show e ajude o Juquinha a comprar o seu caviar”.

Dele chegou a proclamar o popular romancista Jorge Amado que era “a voz mais livre do Brasil”.

Em 2006, o músico tentou aventurar-se na política. Foi candidato ao Senado pelo Partido Social Democrata Cristão (PSDC) e fez poemas para tentar angariar votos. “Desta vez baiana gente/ baiano de toda cor/ o seu voto inteligente/ com justiça com amor/ não será voto comprado/ se tivermos no Senado/ Juca Chaves senador”. Acabou a corrida em quarto lugar.

Nove anos depois, Juca Chaves voltou aos holofotes, satirizando a política brasileira e defendendo a Operação Lava-Jato. Morava há duas décadas em Itapuã, em Salvador. Durante a carreira, sempre ironizou com os media, mantendo uma relação tensa com a imprensa. Em dado momento, chegou a ser boicotado por jornais e revistas.

Desde 1975, era casado com Yara Chaves. Deixa duas filhas, Marina Morena e Maria Clara. O seu corpo foi ontem cremado no Cemitério Bosque da Paz, na capital baiana.

Ciltura

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2023-03-27T07:00:00.0000000Z

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