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Netanyahu demite ministro da Defesa por avisos sobre o “perigo” da reforma judicial

“Nunca antes se tinha visto a dimensão destes sentimentos de raiva, desilusão e medo”, alertou Yoav Gallant

Sofia Lorena

Israel

Benjamin Netanyahu não desiste da reforma judicial que a oposição considera pôr em causa a democracia em Israel: depois das primeiras críticas de um membro do seu Governo, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, que alertou para “uma ameaça clara, imediata e tangível à segurança do Estado”, alguns colunistas escreveram que talvez fosse este o “abanão” de que precisava para repensar os seus planos. Não foi. Netanyahu demitiu o ex-general menos de 24 horas depois.

Gallant afirmara concordar com o conceito desta reforma, mas apelara aos seus colegas do Likud e dos outros partidos na coligação governamental para travarem a reforma, abrindo um novo período de debate para tentar encontrar um consenso com a oposição. Isto porque, defendeu, há uma profunda divisão no país com esta proposta, que afectou as Forças Armadas — muitos reservistas já recusaram servir se a lei for aprovada.

“Isso representa uma ameaça clara, imediata e tangível à segurança do Estado”, afirmou Gallant, num discurso em horário nobre enquanto centenas de milhares de pessoas se manifestavam, uma vez mais, contra o projecto de lei, no sábado à noite. “Não vou participar nisto”, acrescentou. “Nunca antes se tinha visto a dimensão destes sentimentos de raiva, desilusão e medo.”

“A segurança do Estado de Israel foi e será sempre a missão da minha vida”, escreveu Gallant no Twitter, depois de o gabinete do primeiroministro ter anunciado a demissão — oficialmente, uma “transferência”, não se sabe para onde. Netanyahu, escreve o jornal The Times of Israel, citando um responsável próximo, decidiu afastá-lo por causa da sua “resposta fraca contra as recusas nas IDF”, as Forças de Defesa de Israel.

O líder da oposição e ex-primeiroministro Yair Lapid descreveu a demissão como “um novo mínimo para um governo anti-sionista que está a prejudicar a segurança nacional e a ignorar os avisos das principais figuras da segurança do país”: na semana passada, o director do Shin Bet (secreta interna), Ronen

Bar, apresentou a Netanyahu um relatório preocupante sobre as consequências da aprovação desta reforma, alertando para a combinação de ameaças à segurança e contestação às medidas que pode levar o país a uma “situação perigosa”. Gallant pedira a Netanyahu que reunisse o Governo para discutir estes avisos.

“O primeiro-ministro de Israel é um perigo para o Estado de Israel”, acusou Lapid. “Em vez de ouvir [Gallant], Netanyahu escolheu o caminho de todos os ditadores — silenciar vozes”, reagiu, por seu turno, Avigdor Lieberman, líder do partido Yisrael Beitenu (Israel Nossa Casa) e ex-ministro da Defesa.

As palavras de Gallant provocaram muitas críticas entre a direita no poder, mas também alguns apoios, tímidos, dos deputados Yuli Edelstein e David Bitan (que já defendera uma pausa para “acalmar o país”), do Likud, apesar de Edelstein ter garantido que votará a favor. Segundo os media israelitas, o ministro da Agricultura, Avi Dichter, também terá pedido a suspensão da votação, mas arrependeu-se e voltou a garantir o seu apoio e o seu voto a Netanyahu. Dichter, escreveu o Jerusalem Post, pode ser uma alternativa a Gallant para a pasta da Defesa.

Já Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional e líder do Sionismo Religioso, o partido de extremadireita que foi o terceiro mais votado em Novembro, exigiu a demissão do antigo general. “Gallant cedeu com chantagens e ameaças aos anarquistas que utilizam as Forças Armadas como ferramenta de negociação. Foi eleito com os votos da direita e, na prática, promove uma agenda das esquerdas”, afirmou Ben-Gvir.

Na última quinta-feira, o Parlamento ratificou o que o diário Haaretz

chamou “a primeira lei do golpe judicial”, que limita as situações em que um chefe do Governo pode ser declarado inapto, isto quando Netanyahu teme que a procuradorageral possa declará-lo inapto por causa do processo por corrupção.

Outras leis fundamentais da reforma judicial — que diminuiu o Supremo Tribunal para reverter leis que considere inconstitucionais (em violação do conjunto de leis básicas que funciona como a Constituição que o país não tem) e aumenta o controlo da maioria governamental na nomeação de juízes — pode ser votada já esta semana.

Os líderes da coligação querem aprovar um conjunto de emendas antes da interrupção dos trabalhos do Knesset (Parlamento) para as celebrações da Páscoa, escreve o diário Haaretz. O Comité da Constituição, Lei e Justiça estará reunido este domingo, e o seu presidente, Simcha Rothman, do Sionismo Religioso, quer terminar de debater as últimas (milhares) de reservas colocadas pela oposição à lei.

Na rua, os protestos não deverão abrandar. A oposição convocou uma semana de greve e os líderes dos protestos consideraram que esta é “a semana mais decisiva da História de Israel”, face a um Governo que “está a partir a nação em dois e a desmantelar o Exército e a economia”. No arranque da semana, reservistas protestaram ontem perto da casa de Ben-Gvir, em Kiryat Arba, e diante das casas de Dichter e de outros ministros e deputados do Likud.

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2023-03-27T07:00:00.0000000Z

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