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Ameaçado pela Justiça, Trump interrompe ímpeto de DeSantis

A 20 meses das presidenciais de 2024, o ex-Presidente aumenta a vantagem sobre aquele que é, para já, o seu principal rival, o governador da Florida

Isaac Stanley-Becker,Hannah Knowles,Isaac Arnsdorf

Perante o clima triunfante em Waco, Texas, o conselheiro de campanha Boris Epshteyn referiu que o “Presidente Trump não está a ganhar: já ganhou esta corrida. A corrida acabou”

Os incansáveis ataques de Donald Trump contra Ron DeSantis e os seus recentes ganhos nas sondagens, em relação ao seu principal rival no Partido Republicano, estão a incomodar alguns aliados do governador da Florida. De acordo com pessoas que conhecem a situação, estão também a moderar as suas expectativas em relação às primárias para escolher o candidato dos republicanos às presidenciais do próximo ano.

Especialistas em sondagens e estrategos atribuem o recente impulso ao facto de os apoiantes de Trump terem voltado ao activo — esquecendo a sua insatisfação com as derrotas nas eleições intercalares do ano passado e relembrando aquilo de que gostavam quando ele estava na presidência. As sondagens mostram que Trump tem uma vantagem de dois dígitos sobre DeSantis, ao mesmo tempo que os seus ataques ao governador ganham eco nos republicanos, como mostram alguns grupos de foco organizados pela estratega republicana antiTrump Sarah Longwell.

A corrida para 2024 está apenas no começo e as dinâmicas podem mudar quando DeSantis se assumir como candidato oficial. Mas os dados iniciais do apoio público mostram que Trump está a construir a sua força política entre acusações criminais, incluindo uma possível acusação do procurador distrital de Manhattan.

O antigo Presidente tem usado uma linguagem cada vez mais ameaçadora, a lembrar a sua linguagem antes do ataque ao Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021. Na sexta-feira, avisou para “o potencial de morte e destruição” se for acusado e já antes tinha apelado a um “PROTESTO” contra a sua possível detenção.

Sábado, Trump realizou o primeiro megacomício da campanha para 2024, em Waco, Texas, 30 anos depois da operação mortal da polícia federal que ali alimentou o crescimento do movimento de milícias antigoverno. Os seus assessores garantiram que a escolha da data e do local não está relacionada com o aniversário do cerco ao rancho de uma seita religiosa. Explicam que a escolha se deveu ao desejo de atrair os eleitores evangélicos, que têm esta semana uma conferência na vizinha Universidade Baylor.

“Quando eles me perseguem, estão a perseguir-vos a vocês”, disse Trump a uma multidão de milhares durante um discurso de hora e meia em que procurou apresentar-se como a vítima de “uma investigação fabricada atrás de outra”. Atrás de si, os apoiantes exibiam cartazes onde se lia “Caça às Bruxas”.

No longo ataque a DeSantis, Trump imitou-o em tom de gozo, a implorar pelo seu apoio nas primárias da Florida. Mas a audiência pareceu mais animada quando atacou alvos que unificam as bases republicanas — o Presidente Biden, as “fake news”, a “ideologia de género”. Trump referiu-se a “forças demoníacas” e repetiu um refrão sombrio: “Para os que foram enganados e traídos… eu sou a sua vingança.”

“Não há como negar que o ex-Presidente tem uma organização pronta e que está muito bem colocado e em caminho ascendente”, disse Jimmy Centers, republicano do Iowa que não está alinhado com nenhum candidato. Centers sublinha que muitos eleitores das primárias neste estado continuam abertos a outras candidaturas.

Quatro sondagens nacionais de grande credibilidade mostram que Trump aumentou a sua liderança sobre DeSantis nos últimos meses, mas as sondagens do início das primárias são voláteis e a história recente das primárias republicanas está cheia de exemplos de candidatos que lideraram numa primeira fase e nunca chegaram aos boletins de voto das presidenciais. Ainda assim, as duas equipas rivais estão a adaptar-se a esta mudança, com a campanha de Trump a projectar confiança e a de DeSantis em modo de espera e a preparar-se para uma corrida longa.

Vinte meses

“O que prejudica DeSantis é ter ido por um caminho onde está a tentar dizer ‘Eu vou ser Trump, mas não sou Trump’, e a maioria dos eleitores dizem: ‘Queremos Trump’”, diz John McLaughlin, que trabalha em sondagens para a campanha de Trump. “O meu único problema é que ainda faltam 20 meses para as eleições.”

Alguns aliados de DeSantis dizem que o governador continua numa posição forte e que terá tempo mais do que suficiente para apanhar Trump. Uma pessoa em contacto

DeSantis está a descobrir depressa que consolidar o voto anti-Trump numas primárias republicanas é como cruzar uma auto-estrada de várias faixas

Caroline Wren Angariadora de fundos pró-Trump

com a equipa de DeSantis explica que eles sempre tiveram consciência dos desafios de enfrentar Trump. Outra pessoa próxima disse que DeSantis tem uma grande capacidade de resistência e ridicularizou a ideia de que se “vergaria face a campanhas de difamação tolas”.

Outros apoiantes expressam confiança. “Se ele anunciar, penso que veremos um salto”, disse o ex-congressista republicano Lou Barletta, da Pensilvânia, um apoiante de Trump em 2016 que agora está com DeSantis. “Em muitos estados as pessoas estão só a começar a conhecê-lo e as campanhas são longas.”

No entanto, a preocupação com as consequências dos ataques de Trump está a aumentar entre a equipa de DeSantis, de acordo com duas pessoas familiarizadas com as conversas — uma delas diz que Trump está “a tentar matá-lo à nascença”.

Nos últimos tempos, o governador tem-se demarcado mais fortemente de Trump. Criticou a sua gestão da pandemia numa entrevista com o comentador conservador Piers Mor

gan e numa conferência de imprensa destacou as circunstâncias do processo de Manhattan, que envolve o pagamento de 130 mil dólares a uma antiga actriz de filmes pornográficos para manter em silêncio uma relação extraconjugal. Estes ataques desencadearam uma reacção violenta nos

media de direita e entre as figuras mais conhecidas do país MAGA — do

slogan Make America Great Again.

“DeSantis está a descobrir depressa que consolidar o voto anti-Trump numas primárias republicanas é como cruzar uma auto-estrada de várias faixas”, disse Caroline Wren, uma angariadora de fundos próTrump. “Cada posição que ele assumir será vista como uma ruptura com Trump ou como se estiver a seguir Trump, e acabará por alienar certas facções do partido.”

A dada altura, a multidão aplaudiu ruidosamente um comentário homofóbico do guitarrista Ted Nugent, que disse que não aprovava enviar dinheiro para um “homossexual esquisito” na Ucrânia — aparentemente atacando o Presidente ucraniano, Volodomyr Zelensky, que uma parte dos republicanos tem tentado vilanizar. Zelensky é casado com uma mulher.

Mesmo antes de Trump falar, os apoiantes levaram as mãos ao coração para ouvir uma canção que Trump gravou com o “Coro da prisão J6” — detidos acusados de crimes nos motins pró-Trump de 6 de Janeiro de 2021, atacando o Capitólio quando o ex-Presidente queria anular a sua derrota eleitoral. E Trump encerrou o discurso com uma música considerada um hino do QAnon, movimento extremista fundado com base numa teoria da conspiração.

As constantes críticas de Trump a DeSantis no sábado surgem quando se espera que o ex-Presidente recorra a ataques cada vez mais desagradáveis, tendo em conta o seu historial. Alguns dos críticos de DeSantis em Tallahassee, capital da Florida, começaram a chamar-lhe “JebSantis”, de acordo com lobistas e ex-congressistas. A alcunha pretende ligar DeSantis a Jeb Bush, o antigo governador da Florida cuja candidatura às presidenciais de 2016 tinha grande força financeira e parecia inevitável quando foi derrubado por Trump. Bush escreveu e falou elogiosamente sobre DeSantis e esteve na sua tomada de posse, em Janeiro.

Depois da sua reeleição em Novembro, com uma vitória esmagadora, DeSantis atraiu muitos republicanos que querem ver terminada a era Trump, mas ainda não é claro se consegue aproveitar isso para benefício próprio. Em grupos de foco recentes com eleitores republicanos, Longwell refere ter notado a existência de sinais que considera preocupantes para o governador da Florida. Alguns participantes, diz, estão a começar a falar de DeSantis usando expressões que integram os ataques de Trump, o que sugere que os esforços para o definir através desses ataques estão a ter sucesso.

“Ele [DeSantis] tem toneladas de eleitores curiosos, mas está a tentar construir a imagem de lutador, e as pessoas terão de o ver lutar”, afirma Longwell. “Não há como contornar Trump, é preciso passar por ele.”

“As únicas sondagens a que devemos dar importância são as do Iowa, New Hampshire, Nevada e Carolina do Sul por volta de Dezembro, Janeiro de 2024”, disse Dave Kochel, veterano estratega republicano.

A mão de Deus

Aproveitando o clima triunfante que se instalou entre os apoiantes de Trump, o conselheiro de campanha Boris Epshteyn foi ao podcast do exestratega da Casa Branca Steve Bannon, o palco mais MAGA de todos, dizer aos fiéis que o “Presidente Trump não está a ganhar: já ganhou esta corrida. A corrida acabou.”

Oficialmente, um dos porta-vozes da campanha de Trump, Steven Cheung, foi mais moderado — mas apenas ligeiramente. “O Presidente Trump vai voltar para a Casa Branca, esse é o único desfecho”, disse.

Em Waco, no sábado, o presidente do Partido Republicano no condado de McLennan, Brad Holland — que diz esperar “uma batalha aqui no centro do Texas” entre Trump e DeSantis —, disse que a possibilidade de acusações iminentes contra Trump só “aqueceram o entusiasmo” para o comício.

Por todo o comício, apoiantes obstinados descreveram Trump como uma figura quase religiosa da direita. “Jesus é o meu salvador, Trump é o meu salvador”, lia-se nas suas bandeiras e camisolas.

“Estou aqui porque Deus me deu um sonho de que o renascimento está a chegar à América”, disse Lindy-Ann Hopleu, de 37 anos, que acrescentou estar confiante de que Trump vai resistir às múltiplas investigações sobre a sua conduta porque “tem a mão de Deus sobre ele”.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

Mundo O Ex-chefe De Estado Abriu A Pré-campanha Em

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