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Problema de embraiagem

Mário Nogueira

Na comunicação social, a notícia passou repetidamente: Ministério da Educação acaba com as quotas de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira dos professores. Contudo, não é o que acontece com as medidas apresentadas pelo ministério a cujo conjunto os governantes chamam “acelerador”, destinado a corrigir os “efeitos assimétricos internos à carreira decorrentes do período de congelamento”.

Se olharmos para o universo abrangido (docentes em funções desde 30/8/2005, primeiro dia do primeiro congelamento) verificamos que ficam de fora os que entraram na profissão nos últimos 18 anos, apesar de só serem necessários 16 anos de serviço para progredir ao 5.º escalão, o primeiro que está sujeito a vagas.

Outro requisito exigido é que tenham sido cumpridos os 3411 dias de congelamento (9 anos, 4 meses e 2 dias). Ou seja, são eliminados todos os que nos períodos de congelamento estiveram algum tempo sem colocação, nem que fosse um dia, bem como os que foram contratados para um horário temporário ou incompleto, nem que fosse por uma hora.

Os professores que estavam nos primeiros anos da profissão no dobrar do milénio, como se sabe, fazem parte da geração que viveu os mais duros anos do desemprego docente. As políticas dos governos de Sócrates e de Passos Coelho visavam reduzir o número de docentes nas escolas, tendo sido tomadas medidas (alterações nos horários de trabalho, alterações curriculares, amento do número de alunos por turma, encerramento de escolas, entre outras) que condenaram milhares de professores ao desemprego e fizeram disparar horários incompletos atirados para a contratação. Perante a situação criada, os governantes chegaram a recomendar a emigração aos docentes. Vítimas das políticas de então, esses estão agora no imenso lote de excluídos do dito acelerador ministerial.

Para os abrangidos, uma das medidas será a recuperação do tempo em que ficaram a aguardar vaga no 4.º e no 6.º escalão. A dúvida é se também serão considerados os que, não tendo integrado a lista de espera, perderam meses a aguardar pelo dia 1 de janeiro do ano seguinte para progredir, o que deveria ter acontecido no primeiro dia do mês seguinte ao que cumpriram os requisitos. Se não abranger, serão mais uns milhares que se juntam aos excluídos de qualquer medida, caso se encontrem no 5.º ou no 6.º escalão. Se já estiverem no 7.º recuperarão um ano, mas para a maioria destes a perda foi superior a esse ano.

Dos que estavam para progredir a escalão sujeito a vagas, muitos prescindiram da totalidade ou parte dos 2 anos, 9 meses e 18 dias recuperados pela esmagadora maioria dos docentes, com o objetivo de não serem atirados para a lista de espera… ficam agora a saber que se tivessem optado por recuperar esse tempo, recuperariam agora o da espera, assim, não recuperam qualquer deles, criando-se mais uma assimetria.

Dentro do universo geral estabelecido, ficam dispensados de vaga os que estiverem entre o 1.º e o 6.º escalão. E surge mais uma discriminação, a dos docentes que cumpram os requisitos gerais, mas ainda se encontram com contrato a termo.

Por fim, o ministério refere que aos docentes que estiverem acima do 6.º escalão e não tenham ficado a aguardar vaga será reduzido um ano de duração no escalão. Mesmo admitindo-se que, para quem estiver a menos de um ano de progredir, a redução terá efeitos em dois escalões, a dúvida é se este ano é dos mais de 6,5 que se mantêm congelados, ficando docentes com tempos diferentes por recuperar. Porém, considerando o universo de docentes a abranger, estes são os que em 2007 e 2009 perderam anos de serviço na transição entre diferentes estruturas de carreira. Como tal, o ano de redução apenas atenuará, de forma ligeira, essa perda, não sendo recuperado um único dia dos que se mantêm congelados.

Se esta proposta fosse um acelerador, como lhe chamam os governantes, os condutores teriam de substituir o disco de embraiagem para não acelerarem em falso. A luta será a peça fundamental para corrigir o defeito.

Secretário-geral da Federação Nacional de Professores

Sociedade

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2023-03-27T07:00:00.0000000Z

2023-03-27T07:00:00.0000000Z

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