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Faculdade de Medicina de Lisboa é a que recebe mais pedidos

A Faculdade de Medicina do Porto é a segunda mais requisitada. Recebeu 224 pedidos em 2021/2022, período em que aprovou 85

Alexandra Campos

Reconhecimento

plicado. Raquel Pinto, 45 anos, anestesista que chegou a Portugal em Outubro de 2019, enfrentou sem dificuldade a prova de português, mas chumbou por duas vezes consecutivas no exame escrito, que não poderá repetir. “São 120 perguntas, de medicina interna, pediatria, ginecologia-obstetrícia, saúde pública, e outras áreas, a que temos de responder em três horas.”

Para um profissional que já se formou há anos, é como voltar à estaca zero. Com dois filhos pequenos e obrigada a arranjar um emprego para poder sobreviver em Portugal, Raquel não conseguiu “arranjar tempo nem concentração para estudar” de novo a matéria. “Sou anestesista desde 2007, só lia artigos da especialidade.” No início deste ano, começou a tratar da documentação para tentar ir para Espanha, seguindo o exemplo de um médico amigo, também venezuelano, cirurgião. Christian de Abreu, 39 anos, “fugiu” igualmente da crise que assolou a Venezuela em 2019, em Maio, e ainda passou seis meses em Itália, país que facilitou a entrada de médicos estrangeiros durante a pandemia de covid-19.

Acreditando que conseguiria homologar o seu diploma facilmente, voltou para Portugal, onde ainda trabalhou durante um ano na construção civil para se sustentar. Inscreveuse na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, diz que pagou “900 euros” pela papelada e pelo processo, mas nem chegou a comparecer no exame, por estar de baixa naquele dia. Em Espanha, onde se inscreveu igualmente mais tarde, em Dezembro de 2019, o processo também foi demorado, mas recentemente acabou por conseguir o reconhecimento do diploma, sem ter de fazer exames. “Espanha facilita, é o Ministério das Universidades que trata de tudo, e o processo é menos burocrático e muito menos caro”, explica.

Christian começou a trabalhar em Novembro passado na “área sanitária de Pontevedra”, na Galiza, onde faz “urgências” em “puntos de atención contínua” em vários centros de saúde, que ali estão abertos também durante a noite. Continua a viver em Braga, de onde se desloca para o trabalho apenas alguns dias por semana, uma vez que assegura turnos num total de 160 horas por mês. Mas “a falta de médicos em Espanha é brutal” e faz muitas horas extraordinárias. “No mês passado, trabalhei 190 horas e ganhei 6600 euros.”

Em Portugal, a maioria dos médicos estrangeiros que estão inscritos na Ordem não têm a especialidade reconhecida, pelo que não podem candidatar-se aos concursos para preenchimento de vagas em centros de saúde e hospitais que ficam, frequentemente, desertos. Acabam por ter que ficar a trabalhar à tarefa, como clínicos gerais, sobretudo nas urgências hospitalares mais desfalcadas.

A Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) é, de longe, a que mais pedidos de validação de cursos estrangeiros tem recebido desde 2018, ano em que foram definidas novas regras para o reconhecimento de graus académicos e diplomas de ensino superior em Portugal, através do Decreto-Lei n.º 66/2018, que uniformizou os procedimentos e pretendeu tornar o processo mais simples e transparente, removendo “obstáculos à mobilidade” e “procedimentos burocráticos desnecessários”, ainda que mantendo “intactos o rigor, a exigência e a qualidade”.

Logo à partida, a FMUL tem despachado um elevado número de processos instruídos no âmbito do acordo bilateral entre a Universidade de Lisboa e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, que dispensa procedimentos de avaliação desde 2018.

Este reconhecimento é automático, os médicos estão dispensados de provas, e o número de processos instruídos e concluídos no âmbito deste acordo tem vindo a aumentar. Nos dois anos lectivos afectados pela pandemia de covid-19 (2019/2020 e 2020/2021), dos 262 processos instruídos, 183 ficaram concluídos. Nos dois anos lectivos subsequentes, o número disparou. Em 2021/2022, a FMUL instruiu 342 processos e concluiu 357 (alguns vinham de anos anteriores), enquanto no actual ano lectivo instruiu 420 e já concluiu 340.

Quanto aos 220 pedidos de reconhecimento de cursos estrangeiros instruídos à data do início dos procedimentos de avaliação em 2021/2022, aprovou apenas 31, 21 dos quais vinham do ano anterior, indeferiu 52 também transitados do ano anterior, e contabilizou 155 desistências. Em 2022/2023, dos 201 pedidos, 118 foram já indeferidos ou os candidatos desistiram. Os restantes processos ainda estão em curso, uma vez que as provas clínicas se realizam habitualmente em Abril ou Maio. Nos dois anos lectivos afectados pela pandemia, dos 421 pedidos, reconheceu 47.

A Faculdade de Medicina da Universidade do Porto é a segunda com mais pedidos. Recebeu 224 em 2021/2022, período em que atribuiu 85 reconhecimentos, enquanto 128 transitaram para o actual ano lectivo, em que deram entrada mais 254 pedidos. Nos anos lectivos afectados pela pandemia, validou 46 casos dos 141 instruídos.

As outras escolas médicas têm menos procura. A Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, por exemplo, tratou de 21 novos pedidos em 2021/2022 e de mais 15 que vinham do ano anterior. Destes, nove foram reconhecidos, nove foram indeferidos, e houve uma desistência. A Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (Nova Medical School) reconheceu 18 dos 70 pedidos instruídos entre 2019/2020 e 2020/2021 e apenas um dos apresentados em 2021/2022.

Após o reconhecimento dos cursos, os médicos que não falam português ainda terão, de novo, de realizar uma prova de comunicação (feita pelo Instituto Camões, no âmbito de uma parceria com a Ordem dos Médicos) para se poderem inscrever. Só depois podem exercer. No entanto, se tiverem concluído recentemente o curso, precisam ainda de completar um ano de internato, o chamado ano comum, em que trabalham sem autonomia, supervisionados por especialistas. Os que tiverem dois anos consecutivos de prática ficam dispensados desta etapa.

Sociedade Muitos Ficam Pelo Caminho E Não Consegue

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2023-03-27T07:00:00.0000000Z

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