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Relação Costa-Marcelo é de “progressiva amizade” apesar de cooperação intermitente

Estadia conjunta na República Dominicana retemperou a relação entre primeiro-ministro e Presidente da República

David Santiago e Margarida Gomes

Depois da tempestade vem a bonança e esta temperança chegou no Caribe. Este sábado, tanto António Costa como Marcelo Rebelo de Sousa fizeram por desinsuflar o balão de tensão que ambos alimentaram nos dias anteriores, com garantias de boa e saudável relação numa coexistência que primeiro-ministro e Presidente da República dizem ser para durar até 2026.

Juntos a propósito da Cimeira Ibero-Americana, que decorreu na República Dominicana, o Presidente da República esclareceu, este sábado, que não considera que o primeiroministro esteja cansado após mais de sete anos no poder. Pelo contrário. “O senhor primeiro-ministro tem uma energia que está à prova, como vêem. Portanto, pessoalmente não dá nenhum sinal de estar cansado”, disse Marcelo, citado pela Lusa.

Mais: o Presidente aproveitou também para clarificar as declarações feitas em entrevista ao PÚBLICO/RTP no início deste mês e em que se referiu à maioria absoluta socialista como “cansada” e “requentada”. Agora, com Costa ao lado e em pleno Caribe, Marcelo precisou que apenas se limitou a “enumerar as razões pelas quais [2022] foi um ano muito complicado”, com as “preocupações de política externa” a adiarem “respostas a temas de política interna”.

Um “desgaste inevitável” que Marcelo assume afectar o Governo, mas também a si próprio: “O Presidente também [se desgasta], à sua maneira.” Ouvidas estas palavras, o líder do executivo concluiu: “Em suma, saímos muito reconfortados.”

António Costa fez questão de garantir que, pelo seu lado, a divergência pública mantida na semana passada com o chefe de Estado “não abalou de forma alguma” a relação entre os dois. “Se mesmo quando não temos pontos de vista coincidentes na política interna a relação pessoal é boa, em matéria de política externa, onde as posições são absolutamente coincidentes, a relação só podia ser melhor ainda”, vincou.

Mais: o primeiro-ministro considera mesmo que desde 1974 nunca a relação entre chefe de executivo e Presidente foram tão boas, pessoal e institucionalmente: “Eu creio que nestes quase 50 anos de democracia não deverá ter havido algum momento em que as relações entre Governo e Presidente da República foram tão fluidas, tão escorreitas, tão normais, eu diria até com progressiva amizade.”

De resto, António Costa enquadrou as “divergências políticas sobre casos concretos” como algo “absolutamente normal”, que “tem a ver com as funções próprias de cada um”. Este sábado, numa conferência de imprensa conjunta com o Presidente da República, na Cimeira Ibero-Americana, o primeiro-ministro disse que

Uma “paz duradoura” sem falar da guerra

Os líderes ibero-americanos comprometeram-se na cimeira de Santo Domingo, que decorreu sexta-feira e sábado na capital da República Dominicana, a trabalhar por uma “paz duradoura”, mas, em sinal das divergências entre os seus Estados quanto à questão da guerra na Ucrânia, em nenhum momento se referiram ao conflito.

“Trabalharemos pela paz completa, justa e duradoura em todo o mundo com base nos princípios da Carta das Nações Unidas, incluindo os princípios de igualdade soberana e integridade territorial dos Estados”, refere a Declaração de Santo Domingo acordada pelos chefes de Estado e de governo. o Governo vai ponderar todos os contributos do debate público sobre as medidas anunciadas para a habitação, incluindo os do Presidente.

Foi mais um sinal no sentido de enterrar o machado de guerra entre Belém e São Bento, até porque, na véspera, Marcelo fizera já questão de elogiar o ministro das Finanças, Fernando Medina, pelas medidas anunciadas pelo Governo para mitigar os efeitos da inflação, considerando que são “bem tomadas, no momento adequado”.

Além dos elogios a Medina, o Presidente quis então desanuviar a tensão, frisando que, apesar dos “momentos mais intensos”, as suas relações “estão exactamente como sempre estiveram” e não vão mudar até 2026. A última semana foi um desses momentos, com Marcelo a criticar duramente as medidas do Governo para a habitação e o primeiro-ministro a justificar preferir o poder executivo porque “nas outras fala-se, falase, fala-se e nas funções executivas faz-se ou não se faz”.

Da República Dominicana, Marcelo e Costa seguiram para o Luxemburgo, onde o primeiro disse que as relações com o Presidente “são mais fortes” hoje do que no passado e o segundo garantiu que “nunca houve nenhuma zanga pessoal”.

Esta (nova) reviravolta no relacionamento institucional não parece convencer António Costa Pinto. “Dado o estilo político do Presidente da República, de intervenção quase diária, ora crítica, ora de suporte da actividade governativa — porque é isso que está em causa —, é perfeitamente natural que a dinâmica, ora de divergência, ora de compromisso, ora de concessão de parte a parte, exista”, declarou ao PÚBLICO o politólogo. É uma questão de aguardar pelos próximos episódios.

Política

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2023-03-27T07:00:00.0000000Z

2023-03-27T07:00:00.0000000Z

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