Público Edição Digital

Sindicato agiu de má-fé, acusa colégio arbitral

Dirigentes do Sindicato dos Funcionários Judiciais indicaram todos os trabalhadores para serviços mínimos

Ana Henriques

Para evitar cortes salariais...

O PÚBLICO sabe que, devido ao forte impacto do primeiro mês da greve, houve juízes da família e menores que estavam a pensar começar a fazer estes despachos de forma mais frequente. Apenas não o fizeram porque o próprio SFJ introduziu uma nova alínea nos casos abrangidos pelos serviços mínimos que passou a incluir a maior parte dos processos desta jurisdição.

Um procurador da comarca do Porto acredita que a situação verificada na primeira fase da greve não podia subsistir, sobretudo os adiamentos em série nos processos de regulação, alteração ou incumprimento das responsabilidades parentais, os de maior volume nesta área.

“Entre a entrega da petição inicial e o caso estar em frente ao juiz não demora normalmente mais de três semanas. Mas houve casos em que as diligências foram adiadas duas vezes. Não é sustentável”, afirma o magistrado do Ministério Público, lembrando, por exemplo, que muitas vezes as separações são alturas dramáticas na vida das pessoas.

A advogada Jéssica Ramos realça que os processos para arbitrar as responsabilidades parentais implicam que haja um conflito entre os pais. “A sua existência já é delicada, se a decisão demorar mais tempo, torna o atrito que já existe ainda maior”, considera a defensora, que actua na área da Grande Lisboa. Diz ainda que deu entrada de cinco acções durante a greve e que em nenhuma delas a outra parte foi sequer citada. Afirma ter um caso em que não há acordo entre os pais sobre o estabelecimento de ensino em que a criança deve ser inscrita que, com os atrasos, corre o risco de não ter desfecho a tempo das matrículas do próximo ano lectivo.

Outro colega, o advogado Miguel Marques Oliveira, ficou até escandalizado com alguns efeitos da greve. E exemplifica com um caso que afectou um rapaz de 11 anos, não tramitado nos tribunais de família, mas nos criminais. “O jovem foi vítima de crime de violência doméstica e ia prestar declarações para memória futura. É uma situação sensível, que implica uma preparação psicológica e até a presença de um perito. Mas chegouse lá e a diligência foi adiada e remarcada para dali a mais de um mês.”

A agenda dos magistrados da área da família vai ficar muito complicada nos próximos tempos. “Até às férias judiciais do Verão, vamos ter de recuperar tudo o que não fizemos, mas isso vai obrigar a um grande esforço por parte de todos”, afirma o procurador da comarca do Porto. Um outro da comarca de Aveiro já sente os efeitos da recuperação. “Na semana passada tivemos três dias de intensas diligências e esta semana estivemos a fazer tudo sem problemas”, afirma o procurador de Santa Maria da Feira, que garante que no seu tribunal não houve adiamentos nos processos de promoção e protecção.

Ocolégio arbitral que se pronunciou sobre os serviços mínimos decretados para a greve do Sindicato dos Funcionários Judiciais considerou que esta estrutura actuou de má-fé.

Em causa está o facto de o sindicato em causa ter indicado para cumprirem os serviços mínimos relativos à paralisação que começou em meados deste mês, todos os funcionários judiciais em greve – e não uma pequena parte deles, como é habitual que suceda.

“Propor, como meios para os serviços mínimos, todos os oficiais de justiça a exercer funções (…) corresponde, na prática, a não propor quaisquer serviços mínimos, não se procurando evitar prejuízos externos e injustificados do exercício do direito à greve mas sim evitar que esse exercício interfira com a remuneração de cada funcionário em greve, o qual estaria, simultaneamente, adstrito à realização dos serviços mínimos”, observa o colégio arbitral, que integra, além do juiz presidente, um representante da entidade empregadora e outro das organizações sindicais.

O colégio arbitral faz notar que, estando em causa uma greve a determinadas tarefas, se esta pretensão do sindicato fosse autorizada, “todos os funcionários estariam em greve, mas, simultaneamente, seriam responsáveis pela prestação de serviços mínimos, sendo isso uma contradição nos próprios termos não admissível pelo Código do Trabalho e pelo Código Civil”.

Os árbitros recordam ainda que no protesto que antecedeu o actual, que foi de idêntico teor e decorreu entre 15 de Fevereiro e 15 de Março, o Sindicato dos Funcionários Judiciais tinha indicado determinado número de trabalhadores por cada departamento dos tribunais e do Ministério Público para cumprimento rotativo dos serviços mínimos, “de modo a evitar prejuízos externos e injustificados do exercício do direito à greve e sem colidir com o princípio da boa-fé”.

Já a proposta que os dirigentes sindicais apresentaram para a paralisação em curso, apesar de se revelar “adequada e proporcional”, “é contrária ao princípio da boa-fé”. Ou seja, violadora da lealdade negocial que a lei exige que exista nos conflitos laborais entre patrões e trabalhadores. Afinal, faz notar o mesmo colégio arbitral, os serviços mínimos não visam assegurar a normalidade da actividade dos tribunais, mas sim evitar prejuízos extremos e injustificados decorrentes da paragem total dos serviços.

Em sua defesa, os dirigentes sindicais tinham argumentado que a lei não proibia que os serviços mínimos abrangessem a totalidade dos funcionários judiciais ao serviço e que nem sequer seria possível aos árbitros reduzir aquilo que tinham proposto nesta matéria.

Já o patronato, representado pela Direcção-Geral da Administração da Justiça, qualificou como fraudulenta a pretensão do sindicato: “A serem os serviços mínimos assegurados por todos os oficiais de justiça, tal corresponde a uma abrangência desproporcional dos meios necessários para assegurar os serviços mínimos, o que redundará na violação de direitos fundamentais, pois é uma greve que tende a contornar os efeitos legais que da mesma decorrem, violando desta forma as disposições legais, designadamente os efeitos remuneratórios dela decorrentes.”

Depois de o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República ter declarado esta greve ilegal e de este entendimento ter sido homologado pelo Ministério da Justiça, tornando assim vinculativo o seu parecer, o Sindicato dos Funcionários Judiciais vai realizar plenários de trabalhadores na semana que vem para decidir como reagir à situação. A paralisação mantém-se entretanto.

Conselho consultivo da PGR declarou esta greve ilegal

Destaque Greve Dos Funcionários Judiciais

pt-pt

2023-03-27T07:00:00.0000000Z

2023-03-27T07:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281535115242463

Publico