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Drexler exorciza a pandemia cantando “o amor”

Nuno Pacheco

Em Novembro de 2019, quando actuou pela última vez em Portugal antes da pandemia de covid-19, o cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler apresentava-se sozinho, num concerto (Silente) que valorizava o silêncio como reacção ao excesso informativo. A pandemia impôs outro tipo de silêncio, e a resposta de Drexler chegou em forma de música: Tinta y Tiempo, um novo álbum, que recorre a todos os sons possíveis. É esse disco que Drexler traz amanhã a Portugal, num concerto único no CCB, em Lisboa (às 21h), integrado numa digressão que o há-de levar de seguida, e até Setembro, a palcos no México, Peru, República Dominicana, Equador e Espanha, com uma data avulsa em Inglaterra, no Barbican Center de Londres, no dia 1 de Maio.

“[Tinta y Tiempo] resulta do relacionamento pendular que eu tenho com a densidade de informação”, diz Drexler ao PÚBLICO. Tal como o anterior, mas em sentido inverso: “Se fiz um trabalho centrado na economia de meios, como Silente, no seguinte eu teria de trabalhar com todas as cores possíveis. Quis que o disco tivesse tudo: orquestra, coros, baixo, bateria, groove.”

Este espectáculo estreou-se em Maio de 2022, no Grand Rex de Buenos Aires, com seis concertos esgotados, e o naipe de músicos que o acompanhou nessas noites é o mesmo que traz agora a Portugal, três homens e três mulheres: Borja Barrueta (bateria), Javier Calequi (guitarra e vozes) e Carles “Campi” Campón (baixo e programação); Meritxell Neddermann (teclados e vozes), Alana Sinkëy e Miryam Latrece (vozes). “Já fizemos 40 concertos, corremos Brasil, Chile, Colômbia, Uruguai, Porto Rico, Estados Unidos, Espanha. A grande novidade desta tournée é a inclusão, em número igual, de mulheres e de homens no palco, o que produz uma dinâmica musical nova.”

No disco, Jorge Drexler tem vários convidados: Rubén Blades, cantor panamiano com carreira nos EUA, o rapper espanhol C. Tangana, a cantora israelita Nora Erez e o cantor uruguaio Martín Buscaglia. “Não foi uma estratégia”, explica Drexler. “Cada um desses convites surgiu por coincidências determinadas pela música. No caso do Rubén Blades, eu fiz uma música que incluía uma parte escrita em décimas, no meio [El Plan maestro]. E pensei incluir um género de décimas que existe no Panamá e se chama ‘mejorana’. Falei para o Blades, que não faz folclore panamiano, mas aceitou. E trouxe uma equipa de música para tocar um instrumento que se chama também ‘mejorana’ e que surge como um interlúdio folclórico dentro dessa peça.” Quanto a C. Tangana, foi a pandemia que os uniu. “Coincidiu estarmos em Madrid, no isolamento, e juntámo-nos em Junho de 2020 e trabalhámos juntos. Tenho uma grande admiração por ele e foi muito valiosa, para mim, essa interacção [em Tocarte, com 15,8 milhões no Spotify, que fala sobre “a impossibilidade do contacto” ditada pelas precauções da pandemia].

A ligação com Nora Erez foi também feita durante a pandemia. “Escrevi-lhe uma mensagem, ela respondeu, combinámos uma sessão por Zoom e assim fizemos a música [Oh, algoritmo!]. Com Martín Buscaglia, foi a última que escrevi. Admiroo muito,e como foi ao Uruguai visitar a minha família em Outubro de 2021, escrevi essa música [Bendito desconcierto] com ele, em Montevideu.”

Para Drexler, há algo que atravessa o disco inteiro, em todas as suas dez canções. “Na pandemia, aconteceu uma coisa que foi uma espécie de morte social simbólica. Como se uma coisa acabasse e outra nova surgisse. Vivemos o isolamento como um luto social e olhámos para o futuro com a esperança de recomeçar, redescobrir o mundo. Todas estas músicas cantam essa vontade, o amor como reconexão com o presente.”

Cultura

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2023-02-01T08:00:00.0000000Z

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