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Como salvar pessoas do calor das cidades? Substituindo asfalto por árvores, diz estudo

Houve 6700 mortes prematuras no Verão europeu de 2015 atribuídas ao excesso de calor

Nicolau Ferreira

O ano de 2015 foi o quarto ano mais quente registado. Na Europa, milhares de pessoas morreram devido às altas temperaturas no Verão. Agora, um estudo científico associou o excesso de calor urbano à causa da morte prematura de 6700 pessoas, em 93 cidades europeias, incluindo Lisboa e Porto, nos meses de Junho, Julho e Agosto de 2015.

Mas a equipa também oferece uma resposta. Através de modelos, os cientistas concluíram que, se fossem plantadas árvores de modo a haver uma cobertura vegetal de 30% da área das cidades, o efeito de arrefecimento provocado pelas árvores evitaria a morte de 2644 pessoas, quase 40% do total daquelas 6700 pessoas. O estudo foi publicado ontem na revista The Lancet.

“Encorajamos as cidades a fixarem uma meta de 30% de cobertura de árvores em toda a região urbana para que toda a população possa beneficiar disso”, explica ao PÚBLICO Mark Nieuwenhuijsen, investigador do Instituto para a Saúde Mundial de Barcelona e um dos autores do estudo.

O efeito de ilha de calor urbano está estudado. Com a sua alta densidade de prédios, com os solos cobertos de asfalto e cimento, com a falta de árvores em muitas regiões urbanas, as cidades atingem frequentemente temperaturas mais altas do que as regiões naturais à sua volta.

No caso de Lisboa e do Porto, o efeito de ilha de calor foi de 0,58 e 1,12 graus Celsius no Verão de 2015, de acordo com o cálculo dos autores. Durante aqueles meses, aquelas cidades viveram temperaturas 0,58 e 1,12 graus mais altas, em média, do que o seu entorno. Mas houve cidades com efeitos de ilha de calor muito mais pronunciados, como Atenas e Salónica, na Grécia, de 2,4 e 2,76 graus.

No entanto, as árvores podem combater o excesso de calor urbano devido à sombra que fazem e à evapotranspiração. “Uma directriz elaborada a partir de provas [obtidas] recomendou a cobertura de árvores de 30% em cada bairro para arrefecer, melhorar o microclima, mitigar a poluição atmosférica e sonora, e melhorar a saúde mental e física”, lê-se no artigo.

A cobertura de árvores de várias cidades europeias é muitas vezes diminuta, principalmente nas cidades do Sul da Europa, algumas delas situadas em regiões semiáridas. No caso de Lisboa e do Porto, esta cobertura era respectivamente de 3,64 e 4,87% em 2015, segundo o artigo. Já em Edimburgo, na Escócia, a cobertura de árvores atingia os 25,36%.

Resultados expressivos

A equipa escolheu estudar 2015 porque é o ano mais recente para o qual existe a informação disponível para os cálculos, nomeadamente números da mortalidade da população para as pessoas acima dos 20 anos.

Ao todo, viviam cerca de 57,89 milhões de habitantes com mais de 20 anos nas 93 cidades europeias em 2015 e durante os três meses de Verão morreram 128.269 pessoas, no total. Para obter os valores das mortes associadas ao excesso de calor urbano e do que seria evitável com a cobertura de árvores, a equipa usou dois cenários. No primeiro, calculou o número de mortes se não houvesse efeito de ilha de calor urbano. No segundo, fez o cálculo tendo em conta o impacto do arrefecimento de cada cidade com a cobertura de árvores de 30%.

Os resultados em alguns casos são expressivos. Em Barcelona, onde se estima que tenham morrido 362 pessoas por causa das temperaturas altas, o aumento de cobertura de árvores evitaria a morte de 214 pessoas. Mas em casos como Lisboa e Porto o efeito das árvores é pouco expressivo, principalmente porque o número de mortes que os autores estimam por causa do excesso de calor urbano naquele ano foi de sete pessoas para as duas cidades.

Isto revela uma limitação do estudo: apontar apenas para o ano de 2015. “As estimativas exactas de mortalidade só se podem atribuir ao ano em referência”, diz o artigo. “O nosso objectivo final era gerar uma ideia alargada acerca dos benefícios que podem ser alcançados ao investir-se em infra-estruturas urbanas verdes”, lê-se no artigo.

No entanto, a arborização das cidades pode apresentar desafios. “Em algumas áreas urbanas compactas a meta [de 30%] vai exigir mais esforços”, refere Mark Nieuwenhuijsen. “Em alguns casos, os programas deverão incluir espaços abertos de propriedades privadas institucionais, industriais e administrativas para alcançar o objectivo. Além disso, os tectos e as paredes verdes podem ser um complemento. Também poderemos necessitar de substituir asfalto por árvores.”

Se árvores cobrissem 30% das cidades, mais de um terço das mortes no Verão de 2015 por excesso de calor teriam sido evitadas

Ciência E Ambiente

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2023-02-01T08:00:00.0000000Z

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