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Congresso volta aos trabalhos para “terceiro turno” entre Lula e Bolsonaro

As duas câmaras escolhem hoje os respectivos presidentes. Senado é a aposta do bolsonarismo para se manter vivo

João Ruela Ribeiro

O futuro do Governo de Lula da Silva começa a desenhar-se a partir de hoje, quando se inicia a nova legislatura. No Congresso, o dia é de escolha dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, no que tem sido descrito pela imprensa brasileira como um “terceiro turno” entre Lula e Jair Bolsonaro.

Após um primeiro mês tumultuoso, a expectativa do novo Governo é que regresse alguma normalidade à vida política brasileira. A abertura da legislatura marca a retoma dos rituais políticos com a eleição dos novos presidentes do Congresso. E, com isso, o regresso de uma das artes mais acarinhadas nos salões de Brasília: negociar.

A escolha dos presidentes das duas câmaras do Congresso é um dos momentos-chave do calendário político brasileiro. Apesar do regime presidencialista, a legislatura, em particular a Câmara dos Deputados, tem um poder muito grande e o seu presidente é dono de decisões tão fundamentais como a abertura de processos de impeachment, a instalação de comissões parlamentares ou a fixação da agenda das votações.

Torna-se, por isso, crucial para qualquer Governo ter boas relações com os presidentes do poder legislativo. Não o fazer pode trazer uma factura pesada. Poucos meses depois de ser eleito presidente da Câmara dos Deputados, em Fevereiro de 2015, sem o apoio do Governo, Eduardo Cunha fez avançar um pedido de impeachment que acabaria por afastar Dilma Rousseff da presidência no ano seguinte. Em sentido contrário, apesar de ser visado por mais de uma centena de pedidos de impeachment, Jair Bolsonaro não viu qualquer processo aberto pelo actual presidente da câmara baixa, Arthur Lira.

“Se o presidente da Câmara for um aliado do Presidente da República, o Papa pode pedir seu impeachment que ele não seguirá adiante”, diz à CNN Brasil a politóloga Deysi Cioccari.

Lira com missão fácil

À partida, Lira deverá ter facilidade em garantir a reeleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Para isso têm contado tanto a aproxiO mação feita por Lula como as próprias movimentações de Lira.

Com bancadas reduzidas tanto na Câmara como no Senado, os partidos de esquerda que estão na base do apoio parlamentar ao Governo concluíram que apoiar uma candidatura própria poderia ser um tiro no pé — ainda assim, espera-se que o deputado do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Chico Alencar, concorra contra Lira. “Lula não precisa de um inimigo dentro de Brasília”, diz Cioccari, qualificando o apoio dado pelo Partido dos Trabalhadores ao actual presidente de “pragmático”.

Mas o próprio Lira tem dado sinais de aproximação a Lula e ao novo Governo. Um dos momentos determinantes aconteceu logo na noite da segunda volta quando, poucos minutos depois de estar confirmada a vitória do candidato do PT, Lira o congratulou de imediato, contrariando a expectativa na esfera bolsonarista de que um aliado tão importante iria alinhar na estratégia de não reconhecimento do resultado. Desde então, Lira tem apoiado iniciativas governamentais, como a legislação que viabilizou o orçamento deste ano.

Espera-se uma votação expressiva em Lira que, como expoente máximo do “centrão”, deverá conseguir congregar apoios tanto da esquerda como de bolsonaristas na Câmara dos Deputados. Confirmando-se essa unanimidade, Lira deverá fortalecer ainda mais a sua posição como um dos homens mais importantes em Brasília com quem o Governo terá de negociar a todo o instante ao longo do mandato.

ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que tem tido a seu cargo a articulação política entre o Governo e o Congresso, já afirmou que poderá haver a necessidade de atribuir nomeações em cargos públicos a políticos indicados por Lira e até a aliados de Bolsonaro.

No Senado, o cenário é menos previsível, embora o actual presidente, Rodrigo Pacheco, seja o favorito para a reeleição. Porém, ao contrário de Lira, a candidatura de Pacheco não conseguiu unir um consenso tão alargado e o bolsonarismo estará representado com o senador Rogério Marinho, que foi ministro de Bolsonaro.

A imprensa brasileira atribui 39 votos certos a Pacheco, incluindo os das bancadas de apoio ao Governo, e 23 a Marinho, mas a indefinição do sentido de voto dos senadores de três partidos — União Brasil, Podemos e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) — deixa 19 votos a poder cair para qualquer um dos lados.

Apesar de ser um cargo com menos poder que a presidência da Câmara dos Deputados, a disputa pela liderança do Senado tem sido encarada como um embate importante sobretudo do ponto de vista dos apoiantes de Bolsonaro. Para o Senado foram eleitos importantes aliados do ex-Presidente, como Damares Alves ou Marcos Pontes, ambos ex-ministros, ou o ex-vice-presidente, Hamilton Mourão, fazendo da câmara alta um espaço relevante para determinar os rumos futuros do bolsonarismo.

“O plano é ganhar poder para defender as bandeiras do grupo, mas também fazer uma exibição de força suficiente para manter a coesão da direita e oferecer um pólo alternativo aos parlamentares do ‘centrão’ assediados pelo Governo Lula”, escreve na Folha de S. Paulo o colunista Bruno Boghossian.

Lira tem o apoio de Lula na sua recandidatura

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2023-02-01T08:00:00.0000000Z

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