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Juíza não deixou MP pedir a operadora localização do telemóvel de jovem desaparecida

Juíza argumentava com a lei dos metadados e outro acórdão. MP teve de recorrer à Relação para conseguir dados

Sónia Trigueirão e Patrícia Carvalho

Furtado. “Declarou ter percorrido 1706 quilómetros entre Santo António e Ponta Delgada” no mesmo dia, descreve a acusação. “O que corresponde a ter efectuado este percurso 45 vezes.” Ou do presidente da secção regional do centro, Ricardo Correia de Matos, que “apresentou facturas correspondentes a deslocações e despesas no estrangeiro em datas em que, em simultâneo, entregou na Ordem mapas de deslocação” em território nacional.

“Declarou que em 28 de Maio de 2016 percorreu 300 quilómetros entre Lisboa e Aveiro. Acontece que estava em Genebra a representar a Ordem dos Enfermeiros na Assembleia Geral de Saúde”, assinala o Ministério Público.

Contactada pelo PÚBLICO, a Ordem dos Enfermeiros remete todos os esclarecimentos para uma nota informativa que divulgou anteontem, logo após ser conhecida a acusação.

“Os titulares dos órgãos da Ordem justificaram uma a uma, mesmo apesar do tempo decorrido desde 2016, todas as deslocações com que foram confrontados. Juntaram dezenas de documentos e indicaram várias testemunhas como prova do que afirmavam, tendo grande parte dos documentos sido completamente ignorados” e tendo ficado testemunhas por ouvir, lamentam os arguidos, insinuando que o Ministério Público se baseou em “cenários fantasiosos” para atacar a Ordem dos Enfermeiros.

A bastonária recorreu também à sua página no Facebook para afiançar que o Ministério Público está enganado: “Acusa-me de ter recebido 10 mil euros por quilómetros que acredita que não fiz e fiz! Percorri este país de ponta a ponta, conforme os enfermeiros podem confirmar.”

O Ministério Público (MP) demorou cinco meses para conseguir a autorização judicial para solicitar à operadora a localização celular das comunicações realizadas pela adolescente que tinha desaparecido em Maio de 2022, na região de Leiria. A jovem foi resgatada ontem pela Polícia Judiciária (PJ).

O primeiro pedido do MP, que queria dados relativos aos últimos seis meses (abrangendo as semanas que antecederam o seu desaparecimento), foi feito a 7 de Julho e o segundo a 15 de Outubro.

Nos dois pedidos, a juíza de instrução criminal de Leiria apenas autorizou o fornecimento da facturação detalhada do telemóvel da jovem e indeferiu o pedido de localização celular, baseando-se na lei dos metadados e num acórdão anterior relativo a outro processo do Tribunal da Relação de Coimbra.

O MP acabou por recorrer da decisão também para o Tribunal da Relação de Coimbra, que concedeu provimento ao recurso no dia 13 de Dezembro, sublinhando que a situação plasmada nos autos em causa não tem “qualquer similitude” com a descrita no acórdão que a juíza de instrução citou. “Aí estamos a curar de intercepcionar telecomunicações telefónicas de suspeitos ou arguidos, aqui estamos a falar de telecomunicações com um telemóvel da própria vítima”, lê-se na decisão, que sublinha que, neste caso, “em que pode estar em causa a vida de uma criança, ela própria possível vítima de crimes, vamo-nos deixar de dúvidas técnico-jurídicas e presumir um mais do que provável perigo concreto na vida desta jovem há longos seis meses desaparecida”.

Na decisão, os juízes acrescentam ainda o seguinte: “Ainda a tempo de poder encontrar a jovem Luana que, podendo eventualmente ter fugido por motu proprio, é menor de idade e estava envolvida, aquando do seu desaparecimento, em actividades cibernéticas que nos fazem temer o pior quanto à instrumentalização da sua vontade livre e deliberada.” No recurso, o MP alegou que a jovem estava desaparecida desde 20 de Maio e que o seu paradeiro continuava desconhecido.

No âmbito da investigação e a fim de apurar o paradeiro da jovem, foi determinada a intercepção e a gravação das conversações do seu número de telemóvel e do respectivo IMEI — o número de identificação do equipamento. Mas a jovem mantinha o telemóvel desligado e também não tinha voltado a ligar a consola, sendo conhecido o seu vício por jogos online. Por isso, “a localização celular referente às comunicações realizadas pela menor nos últimos seis meses (abrangendo as semanas que antecederam o seu desaparecimento) revela-se indispensável e crucial para a localizar com vida”, insistia o MP.

Além disso, o MP sublinhou o facto de poder estar em causa a prática de um crime de rapto agravado e/ou, eventualmente, de um crime de homicídio e que apenas queriam os dados do telemóvel da menor e não do suspeito, cujo nome já conheciam. A jovem acabou por ser resgatada, oito meses após o seu desaparecimento, pela PJ, que deteve um empregado fabril de 48 anos, suspeito de a ter raptado. A jovem foi localizada na casa do suspeito, em Évora, e entregue à família.

O homem é suspeito de rapto e vai ser presente a tribunal. Segundo um comunicado da PJ, a jovem, que tinha sido dada como desaparecida pela família no final de Maio do ano passado, estava na residência do suspeito, em Évora, onde, “a coberto de uma suposta relação amorosa”, foi mantida pelo empregado fabril “em completo isolamento social durante oito meses, aproveitando-se da sua persistente e recorrente dependência de jogo online, imaturidade e personalidade frágil”.

O homem detido pela Polícia Judiciária é suspeito de rapto

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2023-02-01T08:00:00.0000000Z

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