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Ministério Público usa facturas de restaurante para incriminar bastonária dos enfermeiros

Dirigentes da Ordem gastaram centenas de euros em refeições em 2016, diz MP. Mesmo quando comiam em restaurantes de fast food

Ana Henriques

Facturas de restaurante no valor de duas, três ou mesmo quatro centenas de euros serviram ao Ministério Público para incriminar tanto a bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, como vários outros dirigentes desta Ordem profissional. Ao todo são 14 as pessoas acusadas de peculato e falsificação de documento.

Fazendo fé no princípio de que ninguém pode estar em dois locais diferentes ao mesmo tempo, o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa e a Polícia Judiciária cruzaram as despesas das deslocações dos dirigentes pelo país fora com as facturas de restaurante que também apresentaram para reembolso na Ordem dos Enfermeiros e concluíram que nem automobilistas de Fórmula Um conseguiriam semelhantes proezas.

Numa quarta-feira da Primavera de 2016, por exemplo, a bastonária gastou 286 euros em almoços no Burger King, em Lisboa, apesar de se encontrar em serviço em Vilar Formoso, a 350 quilómetros de distância, pode ler-se na acusação. No mês seguinte consta das despesas da bastonária um almoço de 331 euros no Golf Spot, um restaurante de Lisboa com vista para o green, durante uma deslocação sua de serviço a Freixo de Espada à Cinta, que fica a mais de 440 quilómetros.

O Ministério Público diz que estas e outras viagens nunca aconteceram, ao contrário das almoçaradas, e que vários dos arguidos forjaram estas deslocações para receberem suplementos remuneratórios não tributados. No caso da principal dirigente da Ordem, esse acréscimo salarial ascendia aos 2800 euros mensais, enquanto os seus vice-presidentes e os presidentes dos conselhos directivos regionais recebiam 1400 euros a mais. Tesoureiro e secretários também viram os seus salários aumentados em 467 euros.

O relato do périplo gastronómico pago pelos enfermeiros dá conta de opções muito variadas, da fast food aos petiscos regionais. À vice-presidente Graça Machado é imputado, por exemplo, nesse ano um almoço no Rui dos Leitões, em Coimbra, no valor de 437 euros, enquanto o seu colega Luís Barreira frequentava também, a par de sítios mais afamados no mundo dos comes e bebes, sítios como a Pizza Hut ou o McDonald’s de Oeiras. A 15 de Março de 2016 a Ordem pagou-lhe 226 euros em almoços e jantares nesse dia, não estando discriminado na acusação para quantas pessoas foi o repasto.

As 23 refeições pagas pela Ordem à sua bastonária e respectivos convidados nesse ano, e cuja legalidade não é questionada, tiveram um custo médio de 241 euros, num total de 5563 euros. Tal como não são questionadas as suas despesas e as dos colegas com cabeleireiro, roupa e até maquilhagem: “Integram o conceito de despesas de representação.” Ana Rita Cavaco alegou que antes de assumir estas funções apenas usava roupa informal, tendo tido de comprar fatos e blazers para cerimónias e outros eventos em que passou a participar, bem como malas de viagem, para deslocações ao estrangeiro. Mas se estes gastos foram validados pelo Ministério Público, o mesmo não sucedeu com outra mala, comprada por Graça Machado num armazém chinês de Oeiras por 29 euros, e que os enfermeiros inscritos na Ordem também pagaram: foi um gasto “sem qualquer relevância para o exercício de funções”, para mero proveito pessoal.

Viagens não batem certo

Os investigadores analisaram ainda os quilómetros percorridos pelos arguidos nos seus automóveis, que também não batem certo com os mapas de deslocações apresentados à Ordem para serem ressarcidos. Nalguns casos, a diferença entre quilómetros efectivamente percorridos pelos veículos em causa e os declarados é superior a dez mil quilómetros.

É o caso do vice-presidente da secção regional dos Açores, Luís Rego

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2023-02-01T08:00:00.0000000Z

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