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Rui Portugal “preparado” para se candidatar a director-geral da Saúde

O subdirector-geral da Saúde, Rui Portugal, fala do que se aprendeu nos três anos de pandemia e da necessidade de se virar a página em saúde pública

Ana Maia Texto Rui Gaudêncio Fotografia

Há três anos, Portugal recebia um grupo de portugueses e brasileiros vindos de Wuhan, na China, repatriados por causa do novo coronavírus. O primeiro caso de covid em território nacional — um médico regressado de Itália — só viria a ser confirmado em Março de 2020. Em entrevista ao PÚBLICO, o subdirector-geral da Saúde fala do que se aprendeu e da necessidade de se virar a página em saúde pública. Ainda sem concurso aberto, mas já sendo certo que a actual directora-geral da Saúde, Graça Freitas, não fará um segundo mandato, Rui Portugal assume que está pronto para apresentar a sua candidatura ao cargo.

Foi responsável pelo gabinete de supressão da covid na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT). Numa entrevista ao PÚBLICO, disse que o Norte tinha mais recursos em saúde pública. Pode ser mais específico?

Nos cuidados de saúde primários, onde as unidades de saúde pública estão integradas e se prevê continuarem, o Norte tem tido a capacidade de ter um maior número de formandos e de capacidade de recrutamento. É um investimento já longo e estas coisas não acontecem por mero acaso. A região norte tem três faculdades de Medicina, enquanto o Sul, que abrange LVT, o Alentejo e o Algarve, e até há uma parte das regiões autónomas, tem duas. E, por isso, tem uma maior capacidade de gerar recursos. Se olharmos para os concursos médicos, e para os outros, percebemos que o número de vagas que vai existindo preenche o que são as margens das vagas dos quadros. No Algarve e no Alentejo, em particular na região interior do centro e nalguma parte de LVT, ainda estão quase a preencher quadros iniciais.

Como se pode mudar este cenário?

O caminho tem sido feito. Tive algumas responsabilidades sobre isso como coordenador do internato médico de saúde pública de LVT e orgulho-me do trabalho que fiz, porque quase que triplicamos o número de formandos relativamente aos médicos. É assim que tem de se fazer, não só em quantidade como também em oportunidades de formação. Temos de virar a página da saúde pública e ter os recursos para isso. Neste momento temos uma geração de ouro.

O que é o virar a página?

São as lições aprendidas da prática da saúde pública nos últimos dez anos e na pandemia. É considerar duas ou três questões com relevância na prática de saúde pública e mecanismos legais e arquitectura para a resposta. É a capacidade de resiliência do sistema, na perspectiva de promoção da saúde e prevenção da doença com reforço dos parceiros a nível local. É a própria rede de saúde pública, de maior proximidade e com revisão do estatuto de autoridade de saúde pública e maior autonomia. Há saúde pública além da crise e precisa de um grande reforço.

O que se aprendeu em termos de promoção da saúde e de prevenção da doença com a pandemia?

Relembrar a importância da saúde pública e a sua actividade em termos de proximidade aos seus parceiros. Nada se teria feito se não tivéssemos uma actuação absolutamente exemplar das autarquias. As escolas, as empresas, as instituições de solidariedade social, a Protecção Civil e todos os actores da sociedade foram essenciais. A perspectiva de saúde pública não é uma perspectiva exclusivamente do SNS, é do sistema de saúde e de todos.

Mas tarda em sair uma reforma da saúde pública.

Concordo. Integrei a comissão para a reforma da saúde pública, que deixei por incompatibilidade. Conheço os meus colegas, têm feito um trabalho que é relevante. Penso que esse trabalho deve ser repensado neste momento, considerando as lições aprendidas. Nomeadamente o que são as relações dos níveis nacionais, regionais e locais e naquilo que diz respeito aos recursos que devem existir ao nível local. A resposta de saúde pública é sobretudo local. São as comunidades que a vão organizar na perspectiva de melhoria da sua condição de saúde, da protecção da sua saúde, mas também relativamente às questões de prevenção da doença. Por exemplo, na vacinação temos bons resultados, mas não temos tão bons resultados ao nível dos rastreios. Portanto, há que mobilizar estas comunidades, e não apenas os recursos do SNS, para que tenhamos sucesso. A doença oncológica é aquela que tem mais anos potenciais de vida perdidos. Ao virar a página temos de olhar para estas questões. Sente que durante a pandemia prevaleceu a decisão política sobre a decisão técnica?

Tenho tido o privilégio e a responsabilidade de representar o país em diferentes órgãos técnicos europeus, e quando partilhamos as nossas experiências são coincidentes. Os tempos de avaliação e de conhecimento técnico, os tempos da expectativa das populações e os tempos necessários para decisão política estão desfasados. O que interessa é encontrar as melhores formulações relativamente aos determinados momentos. Acho que aprendemos imenso. Dou um exemplo: tecnicamente faria muito sentido ter linhas vermelhas, mas percebemos que relativamente à sociedade podem não funcionar, podem trazer enormes problemas para a economia e não terem valor acrescido relativamente à protecção da saúde. Os níveis técnicos têm de ter de alguma forma uma interpretação relativamente à tomada de decisão para as populações, mas é muito relevante que haja uma perspectiva técnica e posso garantir que foram sempre ouvidos.

Não sente que a imagem da Direcção-Geral da Saúde (DGS) saiu fragilizada?

Não me parece pelo que têm sido as homenagens a Graça Freitas e o reconhecimento do seu trabalho. Agora, se perguntar se houve erros? Com certeza que houve. Se aprendemos com eles? Temos de aprender.

Já aprenderam?

Estamos a aprender e toda a reflexão que acontece nos diferentes países tem que ver com os erros. Uma das coisas que aconteceram na Europa foi uma

Todos os organismos de saúde necessitam de um virar de página e a DGS também relativamente aos seus recursos humanos

reformulação total do que se chama “união da saúde da Europa”, com um conjunto de legislação própria, com uma aprendizagem de compras comuns que não existia. Isso é o virar a página da saúde pública. É também uma forma de reduzir as desigualdades dentro dos países e entre as regiões, que é uma grande preocupação e que para mim são temas absolutamente prioritários.

Houve falhas na área da comunicação? O que se aprendeu?

Certamente houve falhas. Quando há muita exposição e graus de incerteza muito elevados, a probabilidade de haver falhas na comunicação aumenta. Também existem devido a falhas na transmissão da mensagem. A grande preocupação é que a falha de comunicação, em primeiro, não tenha feito mal. Segundo, que a comunicação não tenha passado e que não tenha havido valor. Terceiro, é a questão de aprender a lição e, quarto, reforçar naturalmente as questões relacionadas com a área da comunicação nos organismos da saúde.

No Natal de 2020 recomendou a entrega de compotas em vez de uma ceia. Acha que esse episódio prejudicou a sua imagem?

Já fiz as minhas reflexões sobre o mesmo. Aquela comunicação foi feita oito dias depois de enterrar a minha mãe com covid e, se calhar, não estava na posse de todas as minhas faculdades. Mas independentemente disso, lição aprendida. Por um lado, não se pode usar estes exemplos tão coloquiais e temos de ter uma formulação de frases mais directa e simples. Por outro, e houve esse reforço relativamente à DGS, ter mais preparação e reforçar as equipas em termos de comunicação.

Portugal teve uma visita da Organização Mundial da Saúde (OMS) para avaliar a resposta em emergências em saúde. Houve alguns apontamentos relativamente à falta de recursos humanos e de ausência de sistemas informáticos mais robustos.

É um projecto-piloto da OMS global e fomos o único país da Europa continental que o fez e estamos a partilhar toda a experiência. É verdade que existiram essas recomendações. Não duvido que os sistemas de informação têm de ter um fortíssimo investimento, e isso está a ser feito. Relativamente aos recursos humanos, assinei o concurso para colocação de novos médicos especialistas de saúde pública e mais 21 vão entrar no sistema. Estamos paulatinamente a preencher as vagas e a robustecer o sistema.

O que fizemos bem?

Temos recursos humanos bem preparados, boas ligações em termos da saúde pública relativamente aos parceiros e capacidade de resposta em termos de resiliência do sistema. Temos um sistema de saúde baseado em cuidados de saúde primários, um Serviço Nacional de Saúde que deu resposta, mesmo com fragilidades, e que conseguiu recuperar apesar das muitas fragilidades que tenha.

A DGS precisa de uma reforma?

Todos os organismos de saúde necessitam de um virar de página e a DGS também relativamente aos seus recursos humanos. Mas às vezes não tem de ser pensado da forma clássica. É preciso mais pessoas na DGS? Sim. Mas não é duplicando a DGS que se resolve os problemas. Há outras formas. Temos uma academia em Portugal muito desenvolvida. Se calhar, muito do conhecimento que pode existir e que pode ser usado pela DGS pode provir dessas casas, com boas parcerias e regulação. Ou seja, há várias maneiras de fazer isto. Por exemplo, será obrigatório que tenhamos de ter normas específicas para Portugal em questões muito comuns [com outros países]? Porque não aceitar normas que sejam isentas, bem-feitas a nível internacional, transcrevê-las e homologá-las para o país? Já viu o que ganharíamos em termos de eficiência relativamente a isto?

Mas não se perderia a particularidade de sermos todos diferentes em termos de organização e de cultura?

A diversidade e a igualdade são absolutamente essenciais. Se estiver garantido, não vejo problema nenhum. Temos de promover que todos consigam ter iguais níveis de saúde. Mas a melhoria de saúde pode não implicar melhoria de equidade. Isto é uma preocupação que a saúde pública tem de ter e tem de introduzir indicadores e intervenções que sejam justos.

O director-geral da Saúde deve ser um médico de saúde pública, como defendem os sindicatos dos médicos?

Alinho com os meus colegas. É por uma razão muito simples. Nós somos isentos relativamente ao que é a diversidade da saúde. Para mim, falar de diabetes, de pneumonias ou de tuberculose é igual, não tenho mais apego à tuberculose do que tenho à diabetes. Tenho apego ao que tem maior impacto em ganhos nas desigualdades em saúde, nas intervenções que forem possíveis de ser realizadas que sejam sustentáveis e um bom investimento e contas certas no sector público.

Vai ser candidato ao concurso para director-geral da Saúde?

O que tenho dito é muito simples. Tenho currículo, experiência local, regional, nacional e internacional que mo permite. Tenho privilégio, pela família que tenho, de ter praticamente percorrido o território nacional. Conheço o país. Tive uma mãe assistente social — talvez por isso tenha ido para saúde pública — e vi a maior miséria que possa imaginar. A minha mãe fazia-o numa perspectiva caritativa e de misericórdia que era a sua educação e a sua formação. Eu faço-o numa perspectiva caritativa e de misericórdia que é a minha formação de fé, mas sobretudo numa perspectiva de justiça. Esta questão das desigualdades é essencial.

Portanto, não fecha a porta…

Num lugar na DGS que possa influenciar isso, acho que posso dar um contributo muito significativo quer no discurso quer na agenda.

Em suma, vai ser candidato ao concurso de director-geral da Saúde.

Naturalmente. Estou totalmente preparado para apresentar uma candidatura à Cresap [Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública] para director-geral da Saúde.

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2023-02-01T08:00:00.0000000Z

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