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Querer lá saber disso

Miguel Esteves Cardoso

Nos mercados os clientes são mais sinceros e os vendedores, para contra-atacar, são mais mentirosos. A vantagem dos supermercados é que ninguém mente. Não está ninguém de roda das laranjas, à espera que alguém leve uma delas à palma da mão para dizer: “Estão muito boas, freguês! São de Silves. É o meu filho que mas manda.”

É uma das razões para ir ao mercado. Dou comigo a arrastar os pés para ouvir as conversas. Qual será a palavra para ouvir desconvidadamente as conversas dos outros? Como se diz espiolhar com os ouvidos? Espiouvir? Bisbilhescutar?

No sábado, perante uma crítica mordaz da selecção de alfaces, a vendedora, para se defender, pôs-se a queixar-se da dificuldade que teve em arranjar hortaliça, por causa do frio.

A senhora crítica, que estava a ouvir a queixa, enquanto recebia o troco, respondeu assim, num tom monocórdico: “Isso para mim é igual ao litro.”

Caí na asneira de repetir a frase em voz baixinha, por ser tão apetitosa de dizer. E a senhora ouviu, porque desatou a justificar-se: “Mas não é? Mas não é? Então, sou eu que pago e ainda tenho de ouvir? Mas eu venho para aqui queixar-me do que me custou ganhar o dinheiro para comprar hortaliça?”

Decidi que, a partir daquele momento, iria usar “Isso para mim é igual ao litro” para todos os meus intercâmbios diários.

É que são tantos os queixumes hoje em dia que uma pessoa farta-se, à quinquagésima vez, de fingir que está cheia de pena – até porque já não convence ninguém.

Deve saber bem, depois de levar com os pormenores de mais um virtuoso sacrifício, contado à espera de aplausos comovidos de gratidão, dizer apenas: “Isso para mim é igual ao litro.”

Ainda não consegui, porque me falta coragem, mas desconfio que, mal apanhe o jeito, não hei-de querer outra coisa.

Ou isso para si é igual ao litro?

o fará, não por sua vontade, mas por imposição da Comissão Europeia, sob ameaça de Portugal ser levado ao Tribunal Europeu de Justiça, por incumprimento de uma antiga directiva da Comissão. Mesmo assim, não resistiu a mais uma artimanha, para tornar perene a iniquidade: no momento do concurso, os docentes terão de estar contratados em horário completo. A consequência pode ser esta:

O professor A tem cinco mil dias de tempo de serviço, mas no momento do concurso não tem horário completo. O professor B tem metade desse tempo e horário completo. A é mais graduado que B. No entanto, B adquire vínculo e A continua precário.

5. Foi atentatório ao mais elementar bom senso que, em pleno litígio, tenham saído anúncios de uma empresa contratada pela Direção-Geral de Estabelecimentos Escolares para recrutar médicos que, em Fevereiro, irão fiscalizar baixas por gravidez de risco. Está aqui bem evidente a sanha persecutória e a inabilidade política do um ministro incendiário, manifestamente incapaz de contribuir para a resolução dos problemas da Educação.

Espaço Público

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2023-02-01T08:00:00.0000000Z

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