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A causa do espanto nos bónus da TAP

Manuel Carvalho

Chama-se Christine Ourmiffres-Widener, é CEO da TAP e está por estes dias num lugar onde nenhum gestor com o seu percurso gostaria de estar: no meio de uma polémica provocada pelo contrato que assinou com o Estado português em 2021.

O seu “pecado” é, para lá de ganhar bem, ter conseguido cumprir uma série de objectivos de gestão no ano passado, permitindo-lhe receber um bónus que poderá chegar a dois milhões de euros. O seu drama é estar na mira dos ataques dos anticapitalistas sem que os pró-capitalistas a defendam. O populismo e a demagogia instigam os primeiros e acobardam os segundos.

Quando o anterior Governo de António Costa decidiu ficar com o imbróglio da TAP, Pedro Nuno Santos seguiu a habitual estratégia híbrida: a TAP seria uma empresa pública, mas teria uma gestão privada. Dizia o ministro: “Faremos um processo de selecção”, contratando no “mercado internacional uma equipa qualificada para gerir a TAP”. Como seria de esperar, querer uma gestora de classe mundial implica salários e condições de classe mundial. A personagem escolhida pela Korn Ferry, a francesa Christine Ourmiffres-Widener, tinha um passado na indústria da aviação e, principalmente, experiência em processos de reestruturação empresarial que a recomendavam para o plano de salvação em curso na TAP.

Na altura, a solução pareceu pacífica. Agora, abunda o espanto com o bónus da gestora. A esquerda que adora a nacionalização detesta salários capitalistas; a direita que reclama a gestão privada tem medo de os defender. Uns e outros encontram no caso um campo político fértil para os seus propósitos. A esquerda usa a história como mais um exemplo do desvario do Governo; a direita diverte-se a assistir à forma como o Governo se desgasta com a TAP. A sensatez e a exigência de princípios na vida pública perdem-se a meio.

Seja privada ou pública, parece consensual que a gestão de uma companhia com a dimensão da TAP exige competência e profissionalismo. Ora, não há gestores de classe internacional a preço de saldo. Querer uma gestora de topo e manifestar espanto e pavor por ganhar um bónus de gestão ou é lirismo, populismo ou desconhecimento.

Não está em causa um crime, nem, como se pretende por vezes insinuar, uma imoralidade. Que a esquerda critique os bónus em nome do capitalismo selvagem que dá tudo aos gestores e tira tudo aos trabalhadores, compreende-se. Que o centro e a direita deixem Christine Ourmiffres-Widener a fritar em lume brando, nem tanto. Quem cede ao populismo a causa do espanto dos bónus da TAP dificilmente lhe sai da órbita.

Que a esquerda critique os bónus em nome do capitalismo selvagem que dá tudo aos gestores, compreende-se. Que o centro e a direita deixem a gestora a fritar em lume brando, nem tanto

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2023-02-01T08:00:00.0000000Z

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