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ANA-Aeroportos ainda vai entregar mais de dois mil milhões de euros ao Estado

A partir do ano que vem, a empresa que gere os aeroportos nacionais tem de partilhar uma parte das receitas com o Estado, numa percentagem que começa em 1% e acaba no fim da concessão em 10%

Luís Villalobos Www.publico.pt/aovivo

A ANA, empresa do grupo francês Vinci que gere os aeroportos nacionais, vai pagar 2756 milhões de euros ao Estado entre 2024 e 2063, período final da concessão. O valor resulta da soma dos montantes anuais previstos que constam da proposta de Orçamento do Estado para 2023 e que, depois de começarem nos oito milhões de euros em 2024 (referentes ao exercício do ano anterior), acabam nos 146 milhões em 2063.

Este encaixe para o Estado ficou definido no contrato de concessão, em 2012, quando se estabeleceu que a partir 11.º ano da privatização a ANA teria de partilhar parte das suas receitas com o Estado, começando em 1% da receita bruta até acabar nos 10% (entre o 41.º e o 50.º ano).

Os valores já sofreram alterações, por terem ligações a previsões de crescimento, mas têm estado acima dos dois mil milhões de euros. Os montantes mais elevados estão concentrados nos últimos anos da concessão (com “saltos” em 2029, 2034, 2039, 2044 e 2054, anos em que se dão alterações nas percentagens a receber), mas, só até ao final da próxima década, o encaixe será de cerca de 400 milhões.

Se este dado mostra a relevância económica da empresa que controla as grandes infra-estruturas aeroportuárias em Portugal, um outro evidencia o potencial deste negócio: entre 2013 e 2021, a ANA, ao nível do grupo, gerou um volume de negócios de 4934 milhões de euros e um lucro de 1113 milhões de euros. No ano passado, a empresa voltou aos resultados líquidos positivos, com 25,3 milhões, depois do prejuízo de 72,1 milhões em 2020 por causa da pandemia.

Em 2021, as receitas da empresa gerida por Thierry Ligonniffre (presidente executivo) e José Luís Arnaut (presidente do conselho de administração) foram de 422,8 milhões, ancoradas na aviação e nas taxas aeroportuárias, mas não só, com o negócio de não aviação a valer 140,4 milhões (por via do retalho, que pesa quase 50%, da publicidade, do aluguer de carros, do estacionamento e do imobiliário). Não há dados financeiros por aeroporto, mas é certo que a infra-estrutura de Lisboa é o principal pilar deste negócio: nos primeiros nove meses do ano, houve 42,8 milhões de passageiros nos aeroportos nacionais, dos quais, 49% dizem respeito à capital (em 2019, pré-pandemia, esse peso foi de 56%).

Críticas à privatização

Quando ganhou a privatização da ANA (lançada pelo executivo PSD/ CDS liderado por Pedro Passos Coelho), em Dezembro de 2012, a Vinci ultrapassou os rivais pelo valor da sua proposta: 3080 milhões de euros, dos quais cerca de 700 milhões por via da absorção de dívida da empresa concessionária, num negócio que só ficou efectivamente fechado em Setembro de 2013. Logo na altura, em Janeiro de 2014, a Comissão Especial de

Acompanhamento da Privatização da ANA destacou no seu relatório final que esta não era “uma simples operação de alienação de acções” por parte do Estado. “Está em causa alienar uma entidade empresarial, por um lado, concessionária de um serviço público de importância estratégica e, por outro lado, com uma dimensão e um significado socioeconómicos muito superiores a diversas empresas” privatizadas, afirmaram os responsáveis pelo documento, António de Sousa (ex-presidente da CGD, que liderou a comissão), Evaristo Mendes (advogado) e José Amado da Silva (expresidente da Anacom).

Apesar de considerar o processo regular e transparente, a comissão criticou, entre outras matérias, o facto de a venda não ter sido feita ao abrigo da lei-quadro das privatizações (vocacionada para empresas nacionalizadas) — tendo o Governo defendido que os seus activos sempre tinham estado na esfera do Estado — e de as regras do jogo terem sido “alteradas no decurso do processo”. Houve, referiu-se, uma “’desregulação legal’ dos aspectos económicos do serviço público aeroportuário”.

“No seu lugar, surge uma regulação económica de índole meramente contratual, vertida no anexo 12 do contrato de concessão, com um conteúdo aparentemente mais favorável à concessionária, designadamente em Lisboa.” O contrato de concessão (base do valor da ANA), por sua vez, foi assinado “no próprio dia em que foram entregues as propostas vinculativas” dos concorrentes, em Dezembro.

Sobre o novo aeroporto de Lisboa (NAL), a comissão considerou que este, “apesar de se tratar de um factor de valor muito importante”, surgiu “se não desconsiderado, pelo menos subalternizado quer nas propostas apresentadas quer nos relatórios financeiros e da Parpública [empresa estatal]”. O contrato, sublinharam

Pedida pelo Parlamento em 2018, por via de uma iniciativa do PS, a auditoria do Tribunal de Contas à privatização da ANA ainda está em curso. Empresa voltou aos lucros no ano passado, depois do impacto da pandemia em 2020

então os responsáveis da comissão, “não exclui que venha a recair sobre o Estado o investimento necessário à construção do aeroporto (para além das infra-estruturas adjacentes)”.

À espera da auditoria

A questão da privatização da ANA e do contrato de concessão, não obstante remontar a 2012, vai voltar à ribalta quando o Tribunal de Contas (TdC) terminar a auditoria que lhe foi pedida pelo Parlamento em 2018, por iniciativa do PS.

Em respostas ao PÚBLICO, fonte oficial do TdC explicou que a auditoria se “encontra em curso” e que “já foi dado um primeiro contributo”, que “consta do relatório de auditoria 2/2020 — Financiamento da Actividade Reguladora da Aviação Civil, no qual foram reportadas deficiências importantes, com impacto na auditoria pedida sobre a ANA”. Havia, refere o TdC, e tal como noticiou o Observador, “situações de conflito de interesses do presidente e do vice-presidente do conselho de administração do regulador (que tinham transitado da ANA, seu principal regulado)”.

As recomendações do TdC não foram acatadas e os gestores ficaram em funções até ao final dos seus mandatos, em 2021, o que, diz o tribunal, foi uma “importante limitação” com impactos na realização da auditoria. Além disso, refere, “o Parlamento pediu ao tribunal em Outubro de 2020 para auditar o Novo Banco, com prioridade sobre os seus demais pedidos”, e foram elaboradas entretanto análises a outras privatizações (TAP e o negócio dos seguros da CGD).

Conforme ficou estipulado no contrato de concessão, a ANA detém o “direito exclusivo (por um período limitado)” para apresentar uma proposta para o novo aeroporto de Lisboa (NAL) ou uma alternativa por via de uma infra-estrutura existente, como foi o caso do Montijo, “mais eficiente e menos dispendiosa”.

O processo, de acordo com o contrato, é desencadeado quando se verificarem três ou mais “factores de capacidade”, ou seja, sinais claros de que a infra-estrutura actual está no limite. Um desses factores é a Portela ter mais de 22 milhões de passageiros, algo que se estava a verificar antes da pandemia e que se deverá repetir este ano.

ANA não comenta locais

Cabe então à ANA elaborar um relatório inicial num prazo de seis meses, com uma proposta de localização (mais uma vez, foi o que aconteceu com o Montijo). No entanto, o caminho agora será outro, uma vez que foi o Governo a pedir a realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica (Afi), com a formação de uma comissão técnica, que irá então indicar a melhor opção até ao final do próximo ano.

Questionada pelo PÚBLICO sobre

Conferência conjunta PÚBLICO/ Conselho Económico e Social. Programa e inscrições em:

Especial Novo Aeroporto O Contrato Da Ana

pt-pt

2022-11-28T08:00:00.0000000Z

2022-11-28T08:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281809992910153

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