Público Edição Digital

“Um inferno na Terra”: a vida no centro do Mali

Federação Internacional de Direitos Humanos diz que militares, mercenários e jihadistas cometem “graves crimes” que ficam impunes

A vida da população no centro do Mali tornou-se “um inferno na Terra” com o recrudescimento da violência e os abusos por parte do Exército, das milícias, dos mercenários e dos jihadistas. A denúncia é da Federação Internacional pelos Direitos Humanos (FIDH): a violência contra a população civil “é a principal característica de um conflito que tem lugar à porta fechada no centro do país”.

No meio de um crescente isolamento internacional da junta militar que chegou ao poder através de um golpe, expulsou os soldados franceses e contratou mercenários russos do Grupo Wagner, muito próximo do Presidente russo, Vladimir Putin, a crise humanitária deste país africano tem vindo a agudizar-se.

No seu relatório No centro do Mali, vítimas e verdugos vivem juntos,a FIDH descreve os “graves crimes” cometidos entre Junho de 2018 e Junho de 2022 no contexto do “conflito contra a população civil”. Os ataques, execuções sumárias e violência sexual são especialmente graves nas províncias de Mopti e Ségou.

O documento, resultado de várias missões de investigação na zona central do Mali e em Bamako, a capital, em 2021 e 2022, inclui cerca de 100 depoimentos de vítimas e testemunhas e mostra como a crise se agravou substancialmente nos últimos anos, num país africano alvo de acções de grupos jihadistas há uma década.

Segundo a organização, a impunidade nos crimes contra a população é generalizada, com grupos de milícias de autodefesa, insurgentes, militares e mercenários russos a agirem sem controlo das instituições do Estado, que pouca ou nenhuma influência mantêm na região.

“A impunidade dos responsáveis pelos crimes aumenta os riscos para as vítimas, num ambiente marcado por uma insegurança generalizada”, diz a presidente da FIDH, Alice Mogwe. “Nenhuma nação, nenhum povo, e muito menos um povo que sofreu tanto como o maliano, pode conceber a paz e a reconciliação sem uma justiça sólida e justa, uma justiça que realmente lute contra a impunidade.”

Em 2022, assinala-se uma década de conflito no Mali, e com o ano mais sangrento de sempre, de acordo com os dados da organização Armed Conflict Location and Event Data Project (ACLED) referentes ao primeiro semestre. “As regiões de Mopti e Ségou têm estado marcadas por uma subida sem precedentes dos ataques contra civis, principalmente de casos de violência sexual relacionada com o conflito”, diz o relatório. Estes casos de violência sexual “são atribuíveis a grupos comunitários de autodefesa, insurgentes jihadistas e também às Forças Armadas e aos seus parceiros internacionais do grupo paramilitar russo Wagner, incluindo acontecimentos emblemáticos como o massacre de Mourrah, em Mopti, em Março de 2022”.

Entre os abusos a que está sujeita a população, vítima “de estratégias de predação de actores armados”, figuram desaparecimentos forçados, torturas, detenções ilegais, sequestros, tratamento desumano, mutilações — incluindo post mortem —, recrutamento de menores, bloqueios de estradas e roubos com violência.

Segundo a Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas no Mali (Minusma), no primeiro semestre registou-se um crescimento do número de violações e abusos dos direitos humanos.

Para a FIDH, algumas das violações de direitos humanos “poderiam ser equivalentes a crimes de guerra”.

As violações “são consequência directa do regresso violento do Estado através da intensificação das operações militares das Forças Armadas e do Grupo Wagner, por um lado, e da concorrência entre milícias comunitárias de autodefesa e os jihadistas — entre os quais se destaca o Grupo de Apoio para o Islão e os Muçulmanos, um ramo da Al-Qaeda —, por outro”.

“A situação, que parece fora de controlo, estende-se de forma progressiva em direcção ao Sul e aproxima-se de Bamako”, diz o relatório.

A crise humanitária e o conflito provocaram cerca de 400 mil deslocados internos no centro e no Norte do país, enquanto mais de 175 mil malianos procuraram refúgio nos países vizinhos, de acordo com dados das Nações Unidas. Mais de 1,8 milhões de pessoas enfrentam uma grave insegurança alimentar e dois milhões de crianças com menos de cinco anos sofrem de malnutrição aguda. Europa Press

Mundo

pt-pt

2022-11-28T08:00:00.0000000Z

2022-11-28T08:00:00.0000000Z

https://ereader.publico.pt/article/281792813040969

Publico